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3. PROCESSO DE TRABALHO DE PARTO E NASCIMENTO

3.2. A estimulação mamária como um método natural de indução do trabalho de parto:

3.2.1. Introdução á temática

O desenvolvimento da sociedade e do que se considera ser civilizado tornou-nos cada vez mais distantes da nossa condição natural de viver. Na saúde o desenvolvimento do conhecimento científico e da tecnologia, permitiu desenvolver a medicina e aumentar a esperança média de vida, assim como, a sua qualidade na população. Transversalmente, na área obstétrica nos últimos 20 anos, deparámo-nos com o encarar do parto como um evento biomédico onde com o crescente conhecimento sobre como iniciar, acelerar, terminar, regular ou monitorizar o processo fisiológico do trabalho de parto e nascimento levou ao aumento substancial do intervencionismo e à medicalização do TP.

Segundo a OMS (2018), a maioria dos 140 milhões de nascimentos, cerca de 85 a 90%, que ocorrem globalmente dá-se sem fatores de risco ou complicações, sem necessidade de intervenção médica ou cirúrgica. Sabendo que esta abordagem biomédica intervencionista pode pôr em causa a capacidade de uma mulher dar à luz e afetar negativamente o que deveria ser uma experiência normal, positiva e significativa para a vida. A mesma organização (OMS, 2018b) desenvolveu recomendações que abrangem não apenas os requisitos clínicos para um parto seguro e de qualidade, mas também que atendem às necessidades psicológicas e emocionais das mulheres, procurando garantir que exista um ambiente clinicamente seguro, em simultâneo com a sustentação da sensação de controlo através do envolvimento na tomada de decisão da mulher, promovendo o sentimento de realização pessoal, salientando para isso a urgência em encarar o parto como um evento fisiológico natural, e não como um acontecimento patológico com necessidade de intervenção clinica emergente.

A OMS (2018) define como Parto Normal aquele que apresenta início espontâneo, de baixo risco no princípio até ao nascimento. A criança nasce espontaneamente, em apresentação cefálica de vértice, entre as 37 e as 42 semanas completas de gravidez, posteriormente ao

parto a mãe e o RN apresentam-se em boa condição. Delimitando critérios de inclusão e exclusão, sendo que fora desta definição de parto encontram-se as mulheres submetidas a indução de trabalho de parto com prostaglandinas, ocitócicos ou rotura artificial de membranas (OMS, 2018a).

Atualmente cerca de 25% das mulheres em países desenvolvidos são submetidas a indução de trabalho de parto (OMS, 2018a).

Os protocolos vigentes, deliberados pela decisão médica, assentam numa abordagem ativa e interventiva, com o recurso a medidas farmacológicas, como o uso de prostaglandinas e ocitocina sintética e onde a mulher apresenta um papel passivo. A indução de trabalho de parto, assim como a maturação cervical, encontram-se relacionadas a maior risco de complicações, como hemorragia peri-parto, cesariana, hiperestimulação uterina com hipóxia fetal e rotura uterina, deparam-se ainda associadas a maior níveis de desconforto que no trabalho de parto com início espontâneo e limitam a mobilidade da parturiente, pela necessidade de monitorização fetal prolongada, está ainda associada ao aumento do recurso a analgesia epidural, a uma maior taxa de partos instrumentados e de cesarianas urgentes (DGS, 2015; NICE, 2018a; OMS, 2018b). Como critério para o recurso de indução de trabalho de parto constituem as situações de complicações materno-fetais que impliquem o termino da gravidez (que não seja em poucas horas) como oligoâmnios, e a gravidez não complicada que atinge as 41 semanas completas, relativamente este último critério a OMS (2018a) aponta como sendo uma recomendação de nível fraco associado a um baixo nível de evidência científica.

Presentemente, o paradigma da abordagem no trabalho de parto mudou, e se assistimos à indicação das autoridades internacionais pela preferência de uma prática menos invasiva e mais natural, e sendo que a OMS (2018b) considera parto normal aquele que ocorra em mulheres sem gravidez de risco com gravidez de termo (37 a 42 semanas), não existirá uma forma de incitar o início do trabalho de parto de forma natural, espontânea e que vá de encontro aos requisitos para o parto normal?

O recurso a métodos não farmacológicos e naturais para a indução não é uma prática desconhecida, muitos métodos têm sido utilizados desde há muitos anos e em diferentes culturas. Saliente-se um survey realizado por Kozhimanil e colaboradores (Kozhimannil, Johnson, Attanasio, Gjerdingen & McGovern, 2013) nos EUA onde foi demonstrado que 30% das mulheres deste país recorrem a meios não farmacológicos para induzir o parto, nomeadamente a estimulação da mama, relação sexual, chá de ervas, exercício ou outros

métodos, sendo que 12% recorreu à estimulação mamilar. A estimulação mamária (EM) tem sido historicamente utilizada para induzir e acelerar o TP em muitas culturas, efetivamente, textos médicos europeus oriundos do séc. XVIII reportam o recurso à estimulação mamária na gestão do parto pós-datado, e atualmente nomeadamente na India e na cultura japonesa onde 50% das mulheres recorre a este método e ao exercício físico para ajudar a induzir o trabalho de parto (Demirel & Guler, 2015; Kavanagh, Kelly & Thomas 2005; Takahata et.al, 2018). Corroborando este facto, atualmente a ACOG (2019) e a NICE (2018) reconhecem o recurso à estimulação mamária como método não farmacológico de ITP.

Diversos mecanismos encontram-se na base do começo do TP, associados por sua vez a múltiplos fatores, o nível de ocitocina é um deles. Libertada pela glândula pituitária, esta hormona tem um papel preponderante enquanto estimuladora da contratilidade do útero. A base para o mecanismo por detrás da EM baseia-se na produção de ocitocina endógena através da estimulação da mama, semelhante ao mecanismo existente na amamentação. Durante a gravidez e antes do início do trabalho de parto, os níveis de oxitocina mantém-se estáveis, no entanto, com estimulação da produção e aumento da sua concentração, a parede uterina torna-se mais sensível à sua ação, dando-se início ao TP. Sabe-se que a libertação de ocitocina endógena leva à maturação uterina (melhora, portanto, o índice de Bishop), a contrações uterinas, que por sua vez, levam ao início de trabalho de partos espontâneos e naturais.

A definição de estimulação mamária não é clara. Deste modo, o timing e a técnica varia de estudo para estudo. No entanto, esta pode ser definida como a autoestimulação através massagem manual da mama ou através da sucção mecânica por bombas de extração de leite (Demirel & Guler, 2015; Kavanagh, Kelly & Thomas 2005; Takahata et.al, 2018). Existem ainda dúvidas sobre a eficácia da técnica na produção ocitocina suficiente para desencadear o trabalho de parto e se a mesma é segura pelo facto de não se controlar a quantidade de ocitocina que é produzida com a estimulação.

Segundo o regulamento das competências do EESMO publicado em DR (regulamento 391/2019 DR) o EESMO assume no seu exercício profissional intervenções autónomas em

todas as situações de baixo risco, entendidas como aquelas em que estão envolvidos processos fisiológicos e processos de vida normais no ciclo reprodutivo da mulher (OE,

2010). Por outro lado, enquanto agentes cujos cuidados se centram na mulher e fomentadores de práticas que sustentem o parto normal, com menor intervenção

obstétrica possível, é essencial a procura e o desenvolvimento de conhecimentos de métodos naturais e fisiológicos que otimizem o trabalho de parto e a capacitação da mulher ao longo do processo, somamos ainda o desafio constante pela busca do conhecimento no sentido de promover a melhoria da prestação de cuidados associada a uma diminuição dos custos.

A EM, como meio de indução do trabalho de parto, pode oferecer à mulher maior controlo sobre o processo de trabalho de parto e, ainda apresentar a vantagem de ser natural, fisiológico, um método não dispendioso, não doloroso e promotor do parto normal (Demirel e Guler, 2015; Kavanagh, Kelly e Thomas 2005; Takahata et.al, 2018). Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo compreender a eficácia e a segurança da estimulação mamária enquanto método de indução natural do trabalho de parto normal.