Diferenças na comunidade vegetal entre as distâncias da borda foram encontradas
para o estrato subarbustivo e para a forração do piso (gramíneas nativas e exóticas e terra
nua). As análises de correlações mostraram que a presença de gramíneas exóticas
concentradas nos primeiros metros da borda foi o principal fator responsável pelas
diferenças encontradas para a densidade e número de espécies do estrato subarbustivo e
para a cobertura de gramíneas nativas e terra nua, em relação às distâncias da borda. O
cobertura de gramíneas exóticas e cobertura de gramíneas nativas, ambas fortemente
correlacionadas com a distância da borda (gramíneas exóticas -0,68 e gramíneas nativas
0,67). A correlação tão evidente indica forte exclusão competitiva entre as gramíneas
nativas e exóticas.
A invasão por gramíneas exóticas mostra-se, portanto, como o principal processo
decorrente da criação de bordas sobre a comunidade vegetal do cerrado stricto sensu. Este
efeito está correlacionado negativamente com praticamente todos os atributos da
vegetação. Porém, só foi detectado nas análises de variância para a forração do piso e
estrato subarbutivo. A explicação mais provável para que efeitos da invasão por braquiária
nos estratos arbustivo e arbóreo não tenham sido percebidos é que esta espécie invasora
foi introduzida na matriz há cerca de 30 anos e, portanto, muitos indivíduos lenhosos já
deveriam estar estabelecidos quando se iniciou o processo de invasão. Com o tempo, com a
morte desses adultos e mediante a forte inibição constatada no estrato subarbustivo e nas
plantas em regeneração, é provável que ocorram perdas significativas também no estrato
arbóreo.
No Brasil, os efeitos adversos decorrentes do processo de invasão de áreas naturais
por gramíneas exóticas foram relativamente bem documentados (PIVELLO et al. 1999,
MACK et al. 2002), em comparação com outros tipos de invasões biológicas. Plantas
exóticas agressivas podem alterar a composição e a abundância relativa de espécies nativas
ou ainda alterar processos ecológicos, como a ciclagem de nutrientes e até mesmo o
microclima (VITOUSEK, 1990, D'ANTONIO, VITOUSEK, 1992). A braquiária é uma gramínea
de origem africana e um dos principais exemplos de plantas exóticas que vêm causando
MILTON, 2004). Está presente em praticamente todos os fragmentos de Cerrado no Brasil
(PIVELLO et al. 1999), dominando extensas faixas e competindo com as espécies nativas de
gramíneas e herbáceas (KLINK, 1994; PIVELLO et al. 1999). A braquiária modifica a
comunidade vegetal, seja diretamente por competição efetiva ou indiretamente como
barreira, alterando as condições ambientais ou a disponibilidade de recursos e modificando
a dinâmica da vegetação natural (HOFFMAN; HARIDASAN, 2008).
Os efeitos negativos das gramíneas invasoras devem-se, especialmente, à grande
quantidade de biomassa produzida em comparação com as espécies nativas (HOFFMANN;
ORTEN; FRANCO, 2004) e às vantagens competitivas proporcionadas pelas características
fisiológicas das gramíneas africanas (WILLIAMS; BARUCH, 2000). As gramíneas africanas, de
maneira geral, são espécies de alta alocação de biomassa para produção de folhas, alta
capacidade fotossintética e maior eficiência de uso do nitrogênio do que as espécies nativas
(BARUCH et al., 1985; BILBAO; MEDINA, 1990; WILLIAMS, BARUCH, 2000). Produzem maior
quantidade de sementes e germinam mais vigorosa e rapidamente do que espécies nativas
(KLINK, 1996). Todas essas características atribuem à braquiária o potencial de substituir as
espécies de gramíneas, ervas e regenerantes arbóreos nativos do Cerrado (KLINK, 1996;
HOFFMANN; HARIDASAN, 2008).
Neste estudo, a exclusão competitiva (trade-off) entre braquiária x cobertura de
gramíneas nativas parece ser o mecanismo predominante. Além da alta correlação negativa
entre gramíneas nativas e exóticas, o trade-off é reforçado pelos modelos ajustados para
redução ou aumento de cobertura de gramíneas em função da distância da borda do
fragmento. Nos locais de alta concentração da braquiária, praticamente não se observaram
de gramíneas nativas era mais elevada. Os valores de correlação entre braquiária x
densidade (-0,51) e riqueza (-0,43) do estrato subarbustivo não permitem concluir sobre a
exclusão competitiva, mas evidenciam o efeito de inibição da braquiária sobre as plantas
deste estrato.
O impacto negativo da invasão de gramíneas exóticas sobre as espécies herbáceas ou
arbustivas no Cerrado foi objeto de outros estudos, como o realizado na ARIE de Cerrado do
Pé de Gigante por Pivello et al. (1999) e o realizado por Almeida-Neto et al. (2010) sobre
plantas da família Asteraceae em fragmentos de Cerrado no estado de São Paulo. Nesses
dois estudos, os autores apontam relação inversa entre a densidade e expansão de
gramíneas exóticas e a riqueza e abundância de espécies nativas do cerrado
É difícil distinguir efeitos resultantes da exposição de bordas dos efeitos biológicos
diretos das gramíneas exóticas e dos efeitos do regime de fogo sobre a comunidade vegetal
(D'ANTONIO; VITOUSEK, 1992). Ainda que seja natural no cerrado (EITEN, 1972), o fogo é
uma perturbação freqüente em fragmentos inseridos em matrizes antrópicas (EITEN;
GOODLAND, 1979; COUTINHO, 1990), podendo ser considerado importante efeito de
borda. A invasão e concentração de gramíneas exóticas invasoras nas áreas de borda
aumenta a quantidade de biomassa seca disponível e cria até mesmo um microclima
favorável para aumentar a freqüência e a intensidade do fogo (VITOUSEK et al., 1996).
Apesar de algumas espécies do cerrado estarem adaptadas ao impacto do fogo, o aumento
da freqüência e intensidade de incêndios impacta severamente a mortalidade de plântulas
no primeiro ano de vida (FRANCO et al., 1996; HOFFMANN, 1998) e podem ainda diminuir a
importância da reprodução sexuada (HOFFMANN, 1998) e a da densidade arbórea
propiciem uma freqüência maior de incêndios, o fogo provavelmente seria um outro
elemento importante da criação e ampliação de bordas em ecossistemas naturais.
As conseqüências da invasão por gramíneas exóticas sobre a biodiversidade do
Cerrado são, portanto, complexas e, para que sejam totalmente compreendidas, carecem
de monitoramento em longo prazo para toda a comunidade vegetal (HOFFMAN;
HARIDASAN, 2008).