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O turismo estando enquadrado nas ciências sociais tem por si só características que o distinguem das ciências ditas exactas. A interpretação dos factos e dos dados rege-se por normas que variam consoante o trabalho que se está a empreender ou consoante a imaginação e a criatividade do autor. Apesar da subjectividade adjacente a este facto, não é de descuidar a elaboração de um método cientificamente bem formulado, que permita chegar a conclusões válidas. A necessidade de criar um procedimento que, na maioria das vezes, não é linear nem tão pouco sistemático, é a âncora que permite iniciar a tarefa e construir um trabalho capaz de dar uma outra interpretação do real, ou mesmo, em casos raros, de quebrar as teorias anteriormente estabelecidas, acrescentando novos conhecimentos à ciência.

Quivy na sua obra “Manual de Investigação em Ciências Sociais” coloca esta questão pertinente: “O que é que, na melhor das hipóteses, se aprende de facto daquilo que é geralmente qualificado como trabalho de ‘investigação em ciências sociais’?” E responde: a compreender melhor os significados, a fazer pontos de situação, a captar com maior perspicácia, a reflectir acertadamente, a compreender com mais nitidez pessoas, organizações, condutas, decisões políticas, etc. Diz ainda que “raramente se trata de investigações que contribuam para fazer progredir os quadros conceptuais das ciências sociais, os seus modelos de análise ou os seus dispositivos metodológicos”.

Será importante reflectir sobre o que é o conhecimento científico, produto da investigação científica. De acordo com Lakatos e Marconi (1992), citando outros autores, existem quatro tipos de conhecimento (ver quadro 4): popular, filosófico, teológico e científico, sendo este último aquele com que nos pretendemos identificar. O que o distingue dos demais é o rigor e a exigência da comprovação dos factos que lhe está inerente. Apoiando-nos nos textos de Lakatos e Marconi, iremos descrever as características que distinguem os vários tipos de conhecimento.

O conhecimento popular é valorativo porque se baseia em estados de ânimo e emoções; é reflexivo, porém esta reflexão restringe-se ao objecto conhecido, sem formulações gerais; não é sistemático porque se baseia em experiências próprias do sujeito cognoscente, sem procurar uma organização geral que explique o fenómeno ou objecto observado; é verificável pois enquadra-se no senso comum e nas percepções do dia-a- dia; é falível e inexacto uma vez que “não permite a formulação de hipóteses sobre a existência de fenómenos situados para além das percepções objectivas” (Lakatos, 1992).

No que diz respeito ao conhecimento filosófico, e apoiando-se nos estudos de Trujillo, Lakatos e Marconi caracterizam-no como valorativo e não verificável uma vez que o seu ponto de partida consiste em hipóteses que não poderão ser submetidas à observação, uma vez que se baseiam na experiência e não na experimentação, não podendo ser confirmadas; é racional porque as suas análises se fundamentam num conjunto de afirmações logicamente correlacionadas; é infalível e exacto porque o objecto da análise da filosofia são ideias e existências lógicas que pretendem abranger toda a realidade e que não podem ser submetidas à experimentação.

Relativamente ao conhecimento religioso Lakatos e Marconi afirmam que o mesmo “se apoia em doutrinas que contêm proposições sagradas (valorativas), por terem sido reveladas pelo sobrenatural (‘inspiracional’) e, por esse motivo, tais verdades são consideradas infalíveis e indiscutíveis (exactas); é um conhecimento sistemático do mundo (...) como obra de um criador divino e as suas evidências não são verificadas: está sempre implícita uma atitude de fé perante um conhecimento revelado” (Lakatos e Marconi, 1992).

Finalmente, o conhecimento científico é real (factual) porque tem como base manifestações e ocorrências; é contingente porque as suas hipóteses poderão ser comprovadas como falsas ou verdadeiras através da experimentação; é sistemático porque se trata de um saber que se ordena de uma forma lógica, num seguimento de ideias; é verificável uma vez que as hipóteses avançadas terão que ser comprovadas para poderem pertencer ao âmbito da ciência; é falível e aproximadamente exacto por não ser definitivo e porque novas teorias poderão vir reformular as já existentes.

O que pretendemos com a decorrente investigação é, precisamente, chegar ao conhecimento científico, apoiados em teorias existentes, adaptando-as, para que a interpretação dos factos e as hipóteses possam ser confirmadas. Para chegarmos a esse estádio necessitamos, sem dúvida, de um procedimento, instrumento fundamental para qualquer investigação.

Quadro 4: CARACTERÍSTICAS DOS QUATRO TIPOS DE CONHECIMENTO

Conhecimento Popular Conhecimento Filosófico Conhecimento Teológico Conhecimento Científico

Valorativo Valorativo Valorativo Real (factual)

Reflexivo Racional Inspiracional Contingente

Não sistemático Sistemático Sistemático Sistemático

Verificável Não verificável Não verificável Verificável

Falível Infalível Infalível Falível

Inexacto Exacto Exacto Aproximadamente

exacto Fonte: Lakatos e Marconi (1992)

Citando Quivy (1998), “a investigação em ciências sociais segue um procedimento análogo ao do pesquisador do petróleo. Não é perfurando ao acaso que este encontrará o que procura. Pelo contrário, o sucesso de um programa de pesquisa petrolífera depende do procedimento seguido”. É esse procedimento, esse método, que permite avançar sem desvios, seguindo a linha que traçámos para a investigação. No entanto, não se pretende construir um método estereotipado, numa ordem fixa, pretende-se acima de tudo que os vários métodos existentes possam ser adaptados à realidade que pretendemos estudar. Cada investigador, conhecedor das várias técnicas utilizáveis, procurará usá-las de acordo com a direcção opta por seguir na sua investigação específica.

constituem os seus alicerces. Ou seja, existem hipóteses teóricas que têm de ser confrontadas com a observação de factos e para tal é necessário definir qual o procedimento mais adequado para atingir esse objectivo. De acordo com Quivy (1998), “um procedimento é uma forma de progredir em direcção a um objectivo. Expor o procedimento científico consiste, portanto, em descrever os princípios fundamentais a pôr em prática em qualquer trabalho de investigação. Os métodos não são mais do que formalizações particulares do procedimento, percursos diferentes concebidos para estarem mais adaptados aos fenómenos ou domínios estudados”. Porém ressalva que esta adaptação não deverá ser aleatória e terá que respeitar o rigor e os princípios fundamentais do procedimento científico: ruptura, construção, verificação. São estes os três actos do procedimento, como os denomina Quivy.

A ruptura dá-se quando, precisamente, rompemos com os preconceitos, com as aparências imediatas, próprias do conhecimento popular, quando, numa análise mais profunda do real, deparamos com factos que poderão ser sustentados numa base teórica cientificamente elaborada, capaz de exprimir a lógica da base do fenómeno observado. A construção é o segundo acto deste procedimento e consiste na elaboração de um quadro conceptual teórico que fundamente as hipóteses. Por fim a verificação será o teste das proposições, designado por experimentação. Apesar de distintos, os três actos do procedimento não são independentes uns dos outros, pelo contrário, complementam- se.

No desenrolar da investigação, os três actos do procedimento realizam-se através de uma sucessão de etapas, que vários autores (Quivy, 1998; Azevedo, 1998) dividem em sete: (1) identificação do objecto de trabalho, (2) explicitação da hipótese, (3) escolha do método, (4) selecção das fontes, (5) elaboração de um plano de trabalho, (6) recolha e tratamento dos dados e (7) apresentação das conclusões.

Parte destas etapas serão explicitadas no presente Capítulo, sendo que a próxima secção irá abordar a primeira e segunda etapas do procedimento, que dizem respeito à identificação do objecto de trabalho e explicitação da hipótese, ou mais precisamente, à definição da pergunta de partida, objectivos da presente investigação e hipóteses a eles