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Investigação desenvolvida com base na teoria da agência

Maria José da Silva Fernandes

2. Revisão da literatura

2.2. Investigação desenvolvida com base na teoria da agência

Os estudos conduzidos no âmbito da teoria da agência identificam os comporta- mentos dos autarcas relativamente à divulgação da informação financeira, tradu- zindo a ideia de que essa informação é um indicador que demonstra a sua atuação/ desempenho. Os estudos apresentados de seguida avaliam a potencial relação en- tre a informação proporcionada pela contabilidade e os resultados eleitorais. Ingram & Copeland (1981), tendo por base 182 cidades dos Estados Unidos da América, no período compreendido entre 1972 a 1977, avaliam a potencial util- idade da informação contabilística para explicar a decisão de voto dos cidadãos/ eleitores nas eleições ao nível dos governos locais.

A análise estatística deste estudo é efetuada em duas fases: numa primeira fase, os autores utilizam a análise de clusters para distinguirem as cidades em grupos homogéneos, segundo as suas características sociodemográficas. Na segunda fase do estudo, os autores utilizam a análise discriminante múltipla, tendo como objetivo avaliar a relação existente entre os dados contabilísticos e os resultados eleitorais. Os dados contabilísticos considerados na investigação incluem infor- mação disponível nas demonstrações financeiras dos governos locais, agrupados nas categorias: despesas, receitas, dívida municipal e investimentos.

Os resultados desta investigação indicam que “… a pressão financeira e os serviços humanos são preocupações lógicas dos eleitores”, e que “… os autarcas reeleitos demonstram políticas que produzem níveis mais baixos da dívida e níveis mais altos de serviços do que o grupo derrotado” (Ingram & Copeland, 1981:839). Os resultados mostram ainda uma forte probabilidade de os rácios contabilísticos serem um fator discriminante nos resultados eleitorais, desde que os referidos rácios possam medir “… os efeitos das decisões das políticas municipais consis- tentes com as avaliações dos eleitores” (Ingram & Copeland, 1981:830).

Também ao nível dos governos locais dos Estados Unidos da América, Feroz & Wilson (1994) avaliam a relação existente entre a informação contabilística e os resultados eleitorais, para uma amostra de 220 cidades, com mais de 25.000 ha- bitantes, para o período compreendido entre 1983 a 1985. Os autores partem do pressuposto de que essa relação é maior nas cidades com maior grau de compe- tição política.

No modelo empírico, e utilizando a técnica estatística de regressão probit, os au- tores incluem apenas variáveis contabilísticas financeiras, tais como, caixa ou investimentos (abrangendo obrigações e fundos de seguros), impostos sobre a propriedade, despesas de capital, folha de salários e peso da dívida, uma vez que consideram que “… numerosos fatores podem afetar os resultados eleitorais dos autarcas” (Feroz & Wilson, 1994:165).

Os resultados do estudo de Feroz & Wilson (1994) evidenciam que determina- das variáveis contabilísticas financeiras, tais como, caixa e investimentos em holdings e impostos sobre a propriedade, influenciam os resultados eleitorais. Os resultados desta investigação mostram ainda que as variáveis contabilísticas fi- nanceiras têm maior importância nas cidades com menor competição política. Ainda na esfera dos governos locais, para uma amostra de 143 cidades espanho- las, com mais de 20.000 habitantes, e para o período compreendido entre 1999 a 2003, a investigação de Brusca & Montesinos (2006) avalia igualmente a relação entre a informação contabilistica e os resultados eleitorais. No estudo, a análi- se estatística é efetuada em duas fases distintas: numa primeira fase, os autores utilizam a técnica de regressão linear múltipla, e testam o efeito das variáveis

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explicativas sobre a mudança na percentagem de voto. Nesta fase, os autores constroem dois modelos, nomeadamente, um primeiro para as eleições do ano de 2003, e um segundo modelo para as eleições do ano de 1999. Na segunda fase inerente à análise estatística, os autores repetem o estudo anterior, e utilizam a análise discriminante stepwise.

Nos modelos empíricos, Brusca & Montesinos (2006) utilizam rácios contabilísti- cos com maior representatividade ao nível da gestão orçamental, financeira e económica, tais como, receitas, despesas, endividamento, índices de gestão orçamental e de gestão financeira e económica. Os resultados desta investigação mostram que os resultados eleitorais são influenciados pela informação conta- bilística, a decisão de voto dos cidadãos/eleitores tem por base a gestão políti- ca autárquica, e os rácios de gestão orçamental têm impacto sobre os resultados eleitorais (Brusca & Montesinos, 2006).

Também ao nível dos governos locais, a investigação de Fernandes et al. (2012) explora em que medida a informação contabilística influencia o comportamento dos cidadãos/eleitores na reeleição dos autarcas portugueses. A amostra deste es- tudo comporta 308 municípios, para o período compreendido entre 2005 a 2008. No modelo empírico, os autores utilizam o método dinâmico de dados em painel, e para testar as hipóteses de investigação, incorporam no modelo algumas variáveis associadas à informação contabilística, como por exemplo, índice de qualidade dos relatórios financeiros, posição no ranking global, posição no ranking dos rendimen- tos operacionais per capita, posição do rácio dos custos com o pessoal/total dos cus- tos operacionais, posição no ranking das receitas executadas/despesas executadas, índice de investimento total e índice de carga fiscal/tributária.

Os resultados do estudo de Fernandes et al. (2012) confirmam que a informação contabilística tem influência sobre a decisão de voto dos cidadãos/eleitores, e que a dimensão dos municípios revela-se importante quando se procura explicar as variações na tomada de decisão de voto dos cidadãos/eleitores.

Embora o estudo de Veiga & Veiga (2007) não se basear na teoria da agência, e para o presente estudo, entendemos oportuno apresentar esta investigação, uma vez que o mesmo tem como propósito analisar as escolhas fiscais dos autarcas portugueses durante o ciclo eleitoral.

Para uma amostra de 278 municípios do continente português, no período com- preendido entre 1979 a 2001 (6 períodos eleitorais), Veiga & Veiga (2007) testam no modelo empírico, utilizando o método generalizado dos momentos (sistema GMM) para o modelo linear dinâmico de dados em painel, algumas variáveis associadas à informação contabilística, tais como, itens relativos ao orçamento, impostos e despesas, e transferências (totais, correntes e de capital).

Os resultados desta investigação mostram que os autarcas portugueses, nos pe- ríodos pré-leitorais, diminuem os impostos municipais, aumentam as despesas municipais e o défice orçamental. Mais, os resultados também mostram que, por um lado, os autarcas aumentam as despesas de capital municipais que têm maior visibilidade para com os cidadãos/eleitores, tais como, despesas inerentes a ou- tras construções, viadutos, arruamentos, obras complementares e viação rural. Por outro lado, as despesas de capital municipais, como por exemplo, material de transporte, maquinaria e equipamento, diminuem nos períodos pré-eleito- rais, uma vez que estas despesas não são subscetíveis de serem observadas pelo eleitorado.

Na mesma linha, a investigação de Balaguer-Coll & Brun-Martos (2013) visa de- terminar o impacto de algumas variáveis inerentes à informação contabilísti- ca sobre a probabilidade de reeleição dos autarcas. Assim, para uma amostra de 293 municípios espanhóis, no período compreendido entre 2000 a 2007, e com recurso ao modelo logit para dados em painel, os autores testam no modelo empírico as variáveis despesas municipais per capita (despesas totais, correntes e de capital), receitas municipais per capita (impostos e transferências) e nível de envididamento per capita.

Os resultados desta investigação mostram que, quanto maior são as despesas municipais, com incidência para o nível das despesas de capital, maior é a prob- abilidade de os autarcas serem reeleitos. Este efeito revela-se positivo em anos pré-eleitorais. Também os resultados deste estudo revelam que os impostos per capita e o nível de endividamento per capita não influenciam a probabilidade de reeleição dos autarcas. Contrariamente, os resultados mostram que um maior nível de receitas municipais – transferências per capita – influencia de forma pos- itiva a probabilidade dessa reeleição.

Mais recentemente, os estudos de Nogueira, Tomé, Cordeiro, & Dias (2014) e Tomé, Nogueira, Cordeiro, & Dias (2014), analisam a divulgação da informação contabilística pelos autarcas de 33 municípios portugueses na campanha eleito- ral. Os autores procuram indagar se: (1) os autarcas divulgam informação con- tabilística; (2) que tipo de informação contabilística é divulgada pelos autarcas; e (3) quais os fatores que provavelmente possam influenciar a divulgação da infor- mação contabilística ((Nogueira et al., 2014); (Tomé et al., 2014)).

A amostra circunscreve-se aos municípios de Trás os Montes e Alto Douro, e tem por base as eleições autárquicas do ano de 2013. Os autores utilizam a regressão linear múltipla para a estimação do modelo empírico, e consideram as seguintes variáveis associadas à informação contabilística: receitas fiscais e dívidas a pagar. Os resultados desta investigação envidenciam que os autarcas dos 33 municípios portugueses divulgam informação contabilística, nomeadamente, o montante de investimentos realizados pelos municípios e as dívidas por pagar, tendo como

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objetivo final a campanha eleitoral. Outros fatores que parecem ter impacto na divulgação da informação contabilística são: a dimensão do município, o tipo de governação do partido político do autarca e o valor das dívidas a pagar.

3. Metodologia

O presente estudo enquadra-se na abordagem positiva da contabilidade, cujo objetivo abrange a compreensão, a predição e a explicação de práticas da con- tabilidade já existentes (Riahi-Belkaoui, 2004). Segundo Riahi-Belkaoui (2004), a ideia principal inerente à abordagem positivista da contabilidade tem que ver com o desenvolvimento de hipóteses de investigação sobre determinados indica- dores que têm impacto nas práticas contabilisticas, e com o teste empírico sobre a veracidade dessas hipóteses.

Riahi-Belkaoui (2004) refere que o problema fundamental associado a esta abor- dagem é aferir até que ponto os procedimentos contabilísticos afetam os fluxos de caixa das entidades, e, consequentemente, as escolhas efetuadas pelos gestores relativamente aos referidos procedimentos.

A abordagem positiva da contabilidade parte da premissa de os gestores são seres racionais, agem de forma a maximizar a sua utilidade, sendo que a uti- lidade encontra-se relacionada com a compensação e bem-estar dos gestores; indo de encontro aos pressupostos da teoria da agência. Ou seja, em um am- biente organizacional público, e na presença de uma relação de agência, onde existem conflitos de interesse entre o principal (cidadãos/eleitores) e o agente (autarcas), os autarcas procuram atuar no seu interesse próprio, tendo em vis- ta a maximização do seu bem-estar. O que poderá conduzir aos problemas de agência, sendo que os custos imputados ao principal (cidadãos/eleitores) são os custos de agência. Assim sendo, a contabilidade deverá, por um lado, moni- torizar as ações do agente (autarcas) e, por outro lado, reduzir os referidos cus- tos de agência.