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Investigado ou acusado? Será uma simples questão terminológica?

As terminologias usadas para ―classificar‖ os autores das práticas criminosas são: suspeito, investigado, acusado e réu. De modo superficial, pode-se dizer que o suspeito é um investigado, ou seja, sujeito sem indícios de autoria ou mesmo sem acusação formal.

Ocorre que, o termo ―investigado‖ é mais abrangente do que ―suspeito‖, mas ambos são sujeitos de investigação. Na suspeita existe, tão somente, a mera possibilidade quanto à identificação da autoria. A partir do momento em que as informações obtidas da investigação forem mais concretas, ou seja, não exista mais apenas a mera possibilidade, mas uma real probabilidade acerca da autoria, o suspeito passa a ser chamado, na realidade, de indiciado.

Ana Paula De Oliveira Garbin (2012, p. 01) define, de forma resumida, as respectivas figuras: suspeito, indiciado e acusado. Para a autora:

Em outras palavras, George Raposo (2017, p. 01) conceitua investigado como sendo:

42 [...] aquele em relação ao qual há frágeis indícios, ou seja, há um mero juízo de possibilidade de autoria. Por isso é comum ouvir da polícia que há uma lista de suspeitos. Isso quer dizer que há várias pessoas que poderiam cometer o crime e que devem ser investigados. Não há realmente nada concreto contra o suspeito.

Significa dizer, portanto, que quanto ao investigado há apenas a possibilidade de ter cometido o fato delituoso. Assim, apenas no momento em que a Polícia Judiciária conseguir reunir provas suficientes contra o sujeito, poderá contribuir para que haja uma acusação formal. Dessa forma, o indiciado será caracterizado quando ocorrer a ―imputação a alguém, no inquérito policial, da prática do ilícito penal, sempre que houver razoáveis indícios de autoria.‖ (CASTELLO 2012, p. 01). Nesse sentido, é imprescindível a presença de elementos informativos acerca da materialidade e da autoria do delito nesta etapa.

Não basta, contudo, a simples alteração da nomenclatura. O indiciado deve estar ciente de que está sendo indiciado, ou seja, ―[...] deve o investigado ser alertado sobre o procedimento instaurado‖ (CHOUKR, 2006, p.105). Isso porquê, o indiciamento é um passo a mais na investigação, ato administrativo que vincula, juridicamente, o suspeito a provável autor de um ilícito penal.

O indiciamento é feito de duas formas: direta e indiretamente. A forma direta é realizada com a presença do indivíduo, como por exemplo, em uma situação de flagrante delito, em que, quando da lavratura do auto, serão observados os requisitos do artigo Art. 187 do Código de Processo Penal. A forma indireta se dá em sua ausência, porém, o indivíduo deverá ser comunicado via carta registrada. Vale ressaltar que para esta fase caberá habeas corpus caso o investigado ache que está sendo injustiçado a ter que comparecer a delegacia para prestar interrogatório.

Conforme Lopes Júnior (2005, p. 336):

A defesa técnica na fase pré-processual tem uma atuação essencialmente exógena, através do exercício do Habeas Corpus e do Mandado de Segurança, que, em última análise, corporificam o exercício do direito de defesa fora do Inquérito Policial.

43 Nesse sentido, a Constituição Federal assegura, em seu artigo 5º, inciso LXI, que a liberdade do indiciado somente será restringida em duas ocasiões: se for preso em flagrante ou por ordem escrita fundamentada por autoridade judiciária. O

habeas corpus só será admitido se o juiz entender que tal ato foi ilegal caso contrário

se mantém o procedimento. O direito ao silêncio também deverá ser respeitado, como previsto na Constituição da República: Art. 5° inciso LXII, afim de evitar a autoincriminação, conforme referido no primeiro capítulo.

Conforme explica Lopes Júnior (2016, p. 140):

[...] o indiciamento deve resultar do instante mesmo em que, no inquérito policial instaurado, verificou-se a probabilidade de ser o agente o autor da infração penal, e, como instituto jurídico, deverá emergir configurado em ato formal de polícia judiciária. [...] o indiciado é sujeito passivo em sede pré-processual. Uma vez realizado o indiciamento, o sujeito só deixará o estado de ―indiciado‖ quando da decisão de arquivamento do inquérito policial, a pedido do Ministério Público, ou quando do recebimento da denúncia, momento em que passará a ser chamado de ―acusado‖ ou ―réu‖.

Na prática, o indiciamento ocorre a partir do momento em que há elementos suficientes que apontem para a autoria da infração penal. Assim, ―o indiciamento como ato em si muitas vezes não existe, sendo erroneamente substituído pelo interrogatório e por um formulário destinado a qualificar o sujeito‖ (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 142).

O artigo 2º, parágrafo 6º, da Lei n.º 12.830 /2013 prevê que ―o indiciamento, é privativo do delegado de polícia, e dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato‖. Portanto, compete ao delegado apurar a autoria do crime, bem como a materialidade, demonstrando as provas e circunstâncias que apontam para sua comprovação. Compreende-se ―[...] o ato do indiciamento como um ato administrativo com efeitos processuais, vinculado, declaratório, fundamentado e privativo do Delegado de Polícia enquanto autoridade policial.‖ (ANSELMO, 2015, p. 01).

Cabe-se ressaltar que é totalmente vedada uma acusação de surpresa, ademais deve ser censurada a prática policial de intimar o suspeito para comparecer como testemunha ou informante, quando na realidade é o principal suspeito

44 (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 141). Na prática, infelizmente, o indiciamento não é raro ser substituído pelo próprio interrogatório e um formulário a fim de qualificar o sujeito.

Acerca deste assunto cabe ser observado também o atual entendimento do STF que, em julgamento realizado em 2018 (ADPFs 395 e 444), decidiu que a condução coercitiva para interrogatório, prevista no artigo 260 do Código de Processo Penal, é incompatível com a Constituição Federal. Segundo o ministro Gilmar Mendes:

Se o investigado não é obrigado a falar, não faz qualquer sentido que seja obrigado a comparecer ao ato, a menos que a finalidade seja de registrar as perguntas que, de antemão, todos já sabem que não serão respondidas, apenas como instrumento de constrangimento e intimidação (STF, 2020, p. 01).

Ainda, a esse teor deverá ser respeitado o direito de não ser punido por crime de falso testemunho, caso haja fatos falsos noticiados em seu interrogatório. Caso esses direitos não sejam comunicados ao indiciado, o interrogatório poderá ser anulado.

Uma das consequências causadas pelo indiciamento é a anotação permanente na Folha de Antecedentes Criminais (FAC). O indiciamento pode causar constrangimentos à imagem e à honra do indivíduo, levando a sociedade criar uma imagem de delinquente ao indiciado, em que pese ainda não tenha uma sentença penal condenatória transitada em julgado em seu desfavor. A divulgação do indiciado é proibida conforme expressa o artigo 20 do Código de Processo Penal, a inclusão do indiciamento no sistema policial é uma marca desfavorável para o histórico do indivíduo (CABRAL; FONTENELE, 2016).

Nesse aspecto, o Projeto de Lei nº 8001/14, apresentado no dia 07/10/2014,

cujo o autor é o deputado Sibá Machado, propõe a alteração do termo ―indiciado‖ por ―investigado. Nas palavras do Deputado, na exposição de motivos do projeto de sua autoria, aduziu que ―Uma pessoa indiciada por um crime pode ficar com a ficha suja pelo resto da vida, mesmo que ao fim do processo seja considerada inocente‖ (LUDGERO; ASSUMPÇÃO, 2020, p. 01).

45 Ao se interpretar a frase posta pelo deputado, em que usa o termo ―ficha suja‖, pode-se entender que o deputado se refere ao modo pelo qual a sociedade enxerga o indivíduo acusado. Trata-se de um rótulo social extremamente negativo para alguém que goza da prerrogativa do estado de inocência, todavia comumente disseminado no cotidiano.

A justificativa usada pelo deputado, acerca da necessidade de implantação desta lei, dá-se pelo fato de que o indiciamento possui certa incompatibilidade com o texto constitucional. Afirma que ―a Constituição Federal não admite qualquer ação do Estado que traga prejuízo ao indivíduo sem o devido processo legal‖, e que durante a investigação criminal e o processo penal, o indiciamento é ―desnecessário e irrelevante‖. Alega, ainda, que ―Não são raras as vezes em que, após a sentença penal absolutória, permanece na folha de antecedentes criminais do indivíduo o registro do indiciamento, situação em que gera constrangimento para o indivíduo. Por fim o deputado afirma que ―O ato de natureza precária acaba se tornando uma violação perpétua de direitos constitucionais consagrados‖ (SENADO, 2020, p.01). Em relação à tramitação deste projeto, foi recebido e apensado ao PL-8045/2010.

Certo é que o indiciamento constrange o indivíduo, levando-o a uma situação jurídica desfavorável, e afetando sua reputação social e sua dignidade. Os investigados ―devem ter as mesmas oportunidades de fazer valer suas razões, e ser tratados igualitariamente, na medida de suas igualdades, e desigualmente, na proporção de suas desigualdades‖ (CAPEZ, 2012, p. 111). Deve-se, portanto, respeitar os direitos e garantias constitucionalmente estabelecidos em favor do indiciado – tais como o direito ao advogado, direito de permanecer calado, entre outros.

A Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869, de 5 de Setembro, de 2019), além de definir os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, e servidor, busca proteger a identificação da pessoa investigada. Em seu artigo 38 determina como crime ―Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação‖.

46 O dispositivo em comento visa prevenir abusos por parte das forças investigativas. Ocorre que, a imagem do indivíduo possuí grande valoração jurídica, visto que é protegida, inclusive, pela Constituição Federal. Assim, muito se preza em preservar a imagem tanto do investigado, mas não só desse, como do acusado, réu, condenado. A pena prevista para o crime tipificado no art. 38 é detenção, de 06 meses a 02 anos, e multa.

O artigo 28 do diploma legal supra referido, prevê pena para o agente que divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado. Este dispositivo busca estabelecer um controle de excessos, de divulgação de informação que não trazem nenhum complemento relevante no caso, que só visa violar à intimidade, a vida privada, e ferir a honra do investigado ou acusado.

A figura do acusado aparecerá, conforme Evinis Talon (2019, p. 01):

Após o oferecimento da denúncia, o sujeito passa a ser considerado denunciado. Isso quer dizer que contra ele ainda não há um processo, mas apenas uma acusação. Nesses casos, muitas vezes também é utilizada a expressão acusado.

O Ministério Público é responsável por formular a denúncia, a qual será entregue ao juiz, e este poderá receber ou rejeitá-la. Ao receber a denúncia, o acusado passa a ser considerado réu, mantendo assim esta terminologia até ser dada a sentença penal condenatória, após, passará a ser chamado de condenado.

Com a implantação da Lei das Medidas Cautelares de Coerção Pessoal, Lei nº 12.403/2011, que alterou vários dispositivos do CPP, o legislador optou em trocar, nos dispositivos atingidos pela lei, a terminologia ―réu’’ por ―acusado‖. Entendeu o legislador que a expressão ―réu‖ é mais ofensiva que ―acusado‖, e a terminologia ―acusado‖ seria mais adequada e compatível com a dignidade da pessoa humana (FREITAS; MARQUES DA SILVA, 2012).

47 Sendo assim, em síntese, diante de real probabilidade acerca da autoria, o sujeito passa a ser chamado de indiciado, o que ocorre na fase pré-processual (inquérito policial). Quando do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e, com o recebimento pelo juiz, se dará a citação do sujeito para responder ao processo, então, o mesmo passará a ser chamado de acusado/réu durante o curso da ação penal. Proferida sentença condenatória, a terminologia muda novamente, de acusado/réu para condenado.

Conforme demonstrado, torna-se possível constatar que, desde o ato inicial do inquérito até eventual sentença condenatória, o indivíduo passa por uma série de atos processuais, e, em cada ato, lhe é concedido o exercício de algum dos princípios constitucionalmente previstos, tais como: presunção de inocência, direito ao silêncio, ampla defesa e contraditório e devido processo legal. Ou seja, para exercer sua defesa de forma ativa, lhe é concedido se valer da reação defensiva, tema que será abordado no próximo item.

2.3 A importância da reação defensiva à imputação desde a fase

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