• Nenhum resultado encontrado

Direito de defesa ao investigado no Brasil: uma leitura a partir do princípio acusatório

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Direito de defesa ao investigado no Brasil: uma leitura a partir do princípio acusatório"

Copied!
64
0
0

Texto

(1)

UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

GABRIELA DE LIMA

DIREITO DE DEFESA AO INVESTIGADO NO BRASIL: UMA LEITURA A PARTIR DO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO

Ijuí (RS) 2020

(2)

GABRIELA DE LIMA

DIREITO DE DEFESA AO INVESTIGADO NO BRASIL: UMA LEITURA A PARTIR DO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2020

(3)

Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio, confiança, a mim depositados durante toda esta jornada.

(4)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus pela vida, pela saúde, por seu amor incondicional, por cuidar dos meus passos, ser o guia do meu caminho, e, sobretudo, pela sabedoria a mim designada para a escolha deste curso.

Aos meus familiares, agradeço, com infinito amor, aos meus pais – Luiz Carlos e Marlei, os quais me apoiaram e não mediram esforços em prol do meu futuro. Ainda, os agradeço por toda a entrega e dedicação para com a realização dos meus objetivos. Ademais, agradeço ao meu irmão Junior por todo o apoio, conselhos e cuidado.

Com profunda estima, admiração e consideração, agradeço à minha orientadora, MSc. Patrícia Borges Moura, sem a qual não seria possível a concretização deste trabalho.

Por fim, agradeço aos amigos e amigas, por todo o apoio, incentivo, e, principalmente, por acreditarem em mim, no meu potencial e capacidade.

(5)

“E, quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” Colossenses;3:17

(6)
(7)

RESUMO

As garantias constitucionais aplicadas ao processo penal pátrio a esse não se restringem. Desta afirmativa, impõe-se necessária a análise acerca da aplicabilidade das garantias na fase do inquérito policial. Neste sentido, o presente trabalho busca elucidar a maneira com que as garantias constitucionais protegem os direitos e dignidade, também, do investigado. Consequentemente, propõe-se a compreender motivo da ausência do contraditório, bem como o porquê da não- obrigatoriedade do direito à defesa técnica durante o inquérito. Sob esse viés, por intermédio de uma abordagem com enfoque nas características da investigação preliminar, demonstra concepções acerca do sistema processual penal acusatório. Por fim, retrata com primazia acerca dos projetos de lei – no que tange às melhorias neles constantes, destinadas à fase pré-processual – e, com isso, extraem-se as possibilidades de mudanças no tratamento processual dispensado ao investigado, em contrapartida ao que ocorre no cenário atual. Para tanto, pesquisa foi desenvolvida a partir do método dedutivo, mediante revisão bibliográfica e legislativa acerca da temática.

Palavras-chave: Inquérito policial, sistema processual penal, investigado, contraditório e ampla defesa.

(8)

The constitutional guarantees applied to the criminal process at home are not restricted. From this statement, it is necessary to analyze the applicability of guarantees in the police investigation phase. In this sense, the present work seeks to elucidate the way in which constitutional guarantees protect the rights and dignity, also, of the investigated. Consequently, it is proposed to understand the reason for the absence of the adversary, as well as the reason for the non-obligation of the right to technical defense during the investigation. Under this bias, through an approach focused on the characteristics of the preliminary investigation, it demonstrates conceptions about the accusatory criminal procedural system. Finally, it portrays with primacy about the bills - with respect to the constant improvements, destined to the pre-procedural phase - and, with that, the possibilities of changes in the procedural treatment given to the investigated are extracted, in contrast to what occurs in the current scenario. For this, research was developed from the deductive method, through bibliographic and legislative review on the subject.

ABSTRACT

Keywords: Police investigation, criminal procedural system, investigated, contradictory and broad defense.

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 PROCESSO PENAL PARA QUEM? O MODELO ACUSATÓRIO DE GARANTIAS E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 ... 13

1.1 Sistemas processuais penais contemporâneos ... 14

1.2 Interpretação constitucional e sistemas processuais penais ... 21

1.3 O modelo acusatório de garantias ... 22

1.4 O paradigma constitucional brasileiro: processo penal para quem? ... 29

2 REAÇÃO DEFENSIVA À IMPUTAÇÃO, INQUÉRITO POLICIAL E SISTEMA ACUSATÓRIO DE GARANTIAS ... 33

2.1 Investigação preliminar no Brasil: a preponderância do inquérito policial e suas características ... 33

2.2 Investigado ou acusado? Será uma simples questão terminológica? ... 41

2.3 A importância da reação defensiva à imputação desde a fase investigatória: inquérito policial, processo criminal e princípio acusatório .. 47

2.4 A investigação e os projetos de lei em tramitação: é possível acreditar em uma mudança de paradigma ... 51

CONCLUSÃO ... 56

(10)

INTRODUÇÃO

A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5°, inciso LIV, refere que: ―Ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.‖ E, de acordo com o previsto no art. 5º, inciso XXXIX, ―não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal‖. Ou seja, para a aplicação de uma pena, necessariamente precisa haver um delito, e para a afirmação da existência do delito, bem como concretização do poder de penal do Estado, necessita-se do processo penal acusatório e garantista.

O Direito Penal funciona dessa forma, como um instrumento de manutenção da paz social, que visa à proteção dos valores elementares da vida comunitária, no âmbito da ordem social, e atua como garantia da manutenção da paz jurídica. Outrossim, utiliza-se da pena como instrumento, como consequência jurídica a ser imposta ao transgressor das normas – o qual afeta a tranquilidade da vida em sociedade. Todavia, tal pena só será legítima quando resultante do devido processo legal.

Conforme a pirâmide de Kelsen (CUNHA, 2018), a Constituição Federal é a norma que exerce poder maior sobre todas as outras, funciona como uma forma de hierarquização, a qual destina-se a evitar conflito entre as legislações que regem os demais direitos. A Constituição Federal de 1988, abrange diversos direitos e garantias, alguns referentes aos direitos que o acusado possui. Estes devem ser observados ao longo da persecução penal, inclusive na fase da investigação criminal – tais como o direito ao silêncio, direito a um advogado, entre outros.

(11)

O sistema processual penal interfere radicalmente na fase investigativa, pois algumas garantias são derivadas do sistema predominante. No Brasil, por exemplo, foi adotado o sistema processual penal acusatório, porém, há predominância de características inquisitoriais na fase pré-processual.

Evidência disso é a não-aplicação do contraditório e ausência da obrigatoriedade do direito à ampla defesa (diferente do que ocorre na segunda fase da persecução penal – judicial). A fase judicial, de fato, apresenta caráter acusatório, tendo como características evidentes, a separação de funções (acusar, julgar e defender), a gestão da prova dividida entre juiz e partes, a paridade de armas entre as partes, a ampla defesa e o contraditório, entre outras.

A atividade persecutória no Brasil, que é estatal, tem no inquérito policial o principal procedimento investigatório, a anteceder a ação penal. Porquanto, é nele que tudo começa, onde são colhidas as informações preliminares acerca da autoria e materialidade. Nesta etapa, como dito, não há a necessária observância do contraditório e da ampla defesa – princípios que preponderam na fase processual, pois a defesa técnica não é imprescindível.

Apesar disso, na fase preliminar da persecução penal, o investigado já sofre alguns tratamentos preconceituosos pela sociedade e pelo sistema de justiça penal, já que uma das consequências causadas pelo indiciamento é a anotação permanente na Folha de Antecedentes Criminais (FAC). Tal anotação é capaz de gerar constrangimentos ao indivíduo, levando a sociedade a criar uma imagem de delinquente. Daí surge a importância de ter-se maior cuidado ao investigar alguém, pois são diversas as consequências que poderão afetar a vida pessoal.

Muito embora este cenário careça de muitas mudanças, não só na fase pré- processual como na processual propriamente dita, algumas vêm sendo propostas. A título de exemplo, há uma preocupação em adequar o inquérito policial ao sistema acusatório, e, prova disso foi o projeto anticrime, com a previsão do juiz de garantias. Ademais, há ainda um projeto de lei proposto pelo Senado Federal, que visa estabelecer o contraditório na fase do inquérito policial de forma relativa, onde o

(12)

advogado do investigado passaria a ter acesso às provas do inquérito policial desde que não prejudique as investigações.

Ante o exposto, busca-se nos próximos capítulos demonstrar, inicialmente, aspectos históricos acerca dos sistemas processuais e suas características. Objetiva-se, ainda, analisar a importância de o sistema processual penal estar de acordo com as garantias previstas na Constituição. Ademais, observar-se-á os princípios garantidores que mais se relacionam com os direitos de defesa do acusado, com primazia à importância do processo e sua finalidade.

Sem prejuízo, no tocante ao inquérito policial e suas características, restará demonstrado, no decorrer do trabalho, aspectos da terminologia auferida aos autores das práticas criminosas (suspeito, indiciado acusado, réu), bem como sobre a reação defensiva. Não obstante, ressalta-se, com essência exploratória, a existência de projetos de lei que visam melhoria na aplicabilidade das garantias constitucionais, tais como a possível implantação do contraditório relativo na fase pré-processual, bem como, especificamente, a Lei 13.964 – conhecida como pacote anticrime.

Para a realização deste trabalho a metodologia utilizada foi pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também as propostas legislativas em andamento, como súmulas, projetos de leis, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo e se de fato é possível uma mudança de paradigma.

(13)

1 PROCESSO PENAL PARA QUEM? O MODELO ACUSATÓRIO DE GARANTIAS E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

A compreensão dos sistemas processuais é fundamental para o estudo do Direito Processual Penal, eis que traduzem a ideologia política na estrutura da ordem jurídica. Ao passar dos séculos muito mudou, os sistemas processuais penais, principalmente. Tal modificação percebe-se, no Brasil, pós Constituição de 1988, que, por sua vez, é repleta de direitos e garantias.

Desde a Antiguidade Clássica, o homem já reconhecia os princípios de liberdade que foram sendo, paulatinamente, conquistados, e tais conquistas se refletiram no campo do Direito. Um Direito Penal máximo é reflexo natural de épocas em que o Estado se vê ameaçado pela criminalidade, criando leis e punição mais severas, com processos mais inflexíveis (BELING apud LOPES Jr., 2008, p. 55).

Os sistemas processuais, inquisitivo e acusatório, são reflexo da resposta do Processo Penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época. Ao longo da história da civilização ocidental, identificam-se três sistemas processuais penais: acusatório, inquisitivo e misto.

O Sistema Acusatório, cronologicamente, predominou da Antigüidade Greco- Romana até meados do século XII. Já o Sistema Inquisitivo, por sua vez, prevaleceu com plenitude até final do século XVIII – para alguns países, até parte do século XIX. Os postulados da Revolução Francesa, com a valorização do homem e os movimentos filosóficos que dela surgiram, repercutiram no processo penal, removendo, paulatinamente, as características do modelo inquisitivo. O Sistema Misto ou Acusatório Formal, sofreu influências do sistema acusatório privado de Roma e do sistema inquisitivo desenvolvido a partir do direito canônico e da formação dos Estados nacionais sob o regime da monarquia absolutista (LOPES JÚNIOR, 2008, p. 58-66).

Os sistemas processuais ditos acusatórios possuem caráter de controle social, característica encontrada no Direito Penal Brasileiro. Nesse sentido, significa dizer que há afinidade entre as normas penais e processuais penais, bem como

(14)

entre elas e a Constituição Federal. Assim, tanto o Direito Penal como o processo penal são instrumentos do poder de punir do Estado, como forma de controle social.

Portanto, no presente capítulo será abordado acerca dos sistemas processuais penais, analisando o contexto histórico e as características de cada sistema, estabelecendo-se um contraste entre os mesmos e seus reflexos no sistema processual penal adotado no Brasil. Por fim, busca-se evidenciar a destinação do instrumento processual contextualizando com a aplicabilidade fática das garantias constitucionais, elucidando a necessidade das mesmas na fase pré- processual.

1.1 Sistemas processuais penais contemporâneos

Atualmente, para identificar o sistema processual vigente em um país, faz-se necessário verificar o fator temporalidade em conjunto com o modelo constitucional em vigor. Ou seja, observando-se o contexto histórico –características de cada povo, política, o modo de penalizar da época, entre outros fatores – e a constituição vigente, será possível elucidar as características do sistema processual que melhor se adequou àquela realidade social.

Conforme Aury Lopes Júnior (2016, p. 37):

Cronologicamente, em linhas gerais, o sistema acusatório predominou até meados do século XII, sendo posteriormente substituído, gradativamente, pelo modelo inquisitório que prevaleceu completude até o final do século XVIII (em alguns países, até parte do século XIX), momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos.

Ao longo da história, desde a Grécia e Roma na Antiguidade, até os dias atuais, pode-se identificar três tipos de sistemas processuais, são eles: inquisitivo, acusatório e o misto. Na Roma Antiga e na Grécia utilizava-se o sistema acusatório e, posteriormente, o inquisitorial – o qual perdurou desde o Império Romano, Idade Média, até o século XVI no começo do absolutismo (MACHADO, 2009).

No sistema acusatório, segundo Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rio Gonçalves (2012, p. 43):

(15)

Existe separação entre os órgãos incumbidos de realizar a acusação e o julgamento, o que garante a imparcialidade do julgador e, por conseguinte, assegura a plenitude de defesa e o tratamento igualitário das partes. Nesse sistema, considerando que a iniciativa é do órgão acusador, o defensor tem sempre o direito de se manifestar por último. A produção das provas é incumbência das partes.

Perante tal perspectiva, extrai-se que as funções de acusar e julgar estão separadas segundo os sujeitos processuais. Em outras palavras, cada um terá sua função específica. Em um contexto atual, por exemplo, a figura do Ministério Público ocupa o papel de acusar, já o advogado o papel de defender, e, portanto, o juiz é encarregado de julgar (decidindo o caso penal quanto à concretização ou não do poder punitivo – na figura do Estado).

O sistema acusatório durou por quase toda a Antiguidade grega e romana. Durante a Idade Média, sob domínio do Direito Germano, nos países da Europa Ocidental, prevaleceu exatamente até o século XIII, surgindo, posteriormente, o sistema inquisitório (LIMA, 2016).

Ainda no tocante às características do sistema acusatório, assevera Lopes Júnior (2016, p. 40) que:

Na atualidade – e a luz do sistema constitucional vigente – pode-se afirmar que a forma acusatória se caracteriza por: a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades);c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente);f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte);g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa);h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

Denota-se que tais características evidenciam-se nos Estados Democráticos. É o caso do Brasil, onde demonstra-se perceptível a separação entre a figura do juiz para com as partes, exímia garantia de imparcialidade do julgador. Vale ressaltar que, na visão de Aury Lopes Júnior, esta não é a principal característica dos sistemas acusatórios, mas sim o modo de gestão da prova, onde o ônus de provar é das partes e o juiz é o destinatário da prova.

(16)

Nesse sentido, tem-se que:

[...] a iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades); e mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 40-41).

Sob este viés, tem-se que a posição do julgador é fundante da estrutura processual. Significa dizer que, quando o sistema aplicado mantém o juiz afastado da iniciativa probatória (da busca de ofício da prova), fortalece-se a estrutura dialética, consequentemente, assegurando a imparcialidade do julgador. Por outro lado, diferentemente ocorre com o sistema inquisitivo.

O sistema inquisitivo: ―surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações europeias dos séculos XVI, XVII e XVIII‖ (RANGEL, 2015, p. 110). Tal sistema fere totalmente a imparcialidade do julgador e, sem dúvidas, é totalmente incompatível com o ordenamento vigente no Brasil, todavia nem sempre foi assim.

Segundo Gonçalves (2012, p. 33):

Nesse sistema, cabe a um só órgão acusar e julgar. O juiz dá início à ação penal e, ao final, ele mesmo profere a sentença. É muito criticado por não garantir a imparcialidade do julgador. Antes do advento da Constituição Federal de 1988 era admitido em nossa legislação em relação à apuração de todas as contravenções penais (art. 17 do Decreto -lei n. 3.688/41 — Lei das Contravenções Penais) e dos crimes de homicídio e lesões corporais culposos (Lei n. 4.611/65). Era o chamado processo judicialiforme, que foi banido de nossa legislação pelo art. 129, I, da Constituição Federal, que conferiu ao Ministério Público a iniciativa exclusiva da ação pública. Nesse sistema, o direito de defesa dos acusados nem sempre era observado em sua plenitude em razão de os seus requerimentos serem julgados pelo próprio órgão acusador.

Sinala-se que, nesse contexto, em relação à produção probatória prevalecia o sistema legal de valoração, chamado também de tarifa probatória. A prisão do acusado, no decorrer do processo, era uma regra geral, sendo que não existia contraditório, verificando-se, inclusive, desigualdade de armas e oportunidades.

(17)

Ademais, a iniciativa probatória era do juiz, não havendo qualquer separação das funções de acusar e julgar – ambas estavam nas mãos do juiz, na qual ele podia atuar, inclusive, de ofício e sem prévia invocação. Desse modo, inequívoco o fato de que não priorizava-se a imparcialidade do magistrado (GONÇALVES, 2012).

O sistema inquisitório também caracteriza-se pelo sigilo do processo e ausência do contraditório. Pretendia-se, com isso, a obtenção da confissão por parte do acusado. Nesta perspectiva, para Michel Foucault (2007, p. 37):

Todo processo criminal, até a sentença permanecia secreto: ou seja opaco não só para o público mas para o próprio acusado. O processo se desenrola sem ele, ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações, os depoimentos, as provas [...]

Corrobora Lopes Júnior (2016, p. 39):

[...] Em definitivo, o sistema inquisitório foi desacreditado – principalmente – por incidir em um erro psicológico, crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar. As principais características do sistema inquisitório são:• gestão/iniciativa probatória nas mãos do juiz (figura do juiz-ator e do ativismo judicial = princípio inquisitivo); • ausência de separação das funções de acusar e julgar (aglutinação das funções nas mãos do juiz); • violação do princípio ne procedat iudex ex officio, pois o juiz pode atuar de ofício (sem prévia invocação); • juiz parcial; • inexistência de contraditório pleno; • desigualdade de armas e oportunidades.

Não obstante, as características do sistema inquisitório foram sendo removidas paulatinamente com a chegada da Revolução Francesa. Ainda sob o olhar do autor, os movimentos filosóficos e valorização do homem, sobretudo, deram ensejo e repercussão no processo penal, a fim de contribuir para a mudança (LOPES JÚNIOR, 2016).

Outrossim e, por último, há o chamado sistema processual misto, também conhecido como Acusatório Formal. O sistema em comento, de acordo com Renato Brasileiro de Lima (2016, p. 76) teve surgimento:

[...] com a modificação napoleônica, que instituiu o denominado sistema misto. Trata-se de um modelo novo, funcionando como uma fusão dos dois modelos anteriores, que surge com o Code d’Instruction Criminelle francês, de 1808. Por isso, também é denominado de sistema francês.

(18)

O sistema misto possui duas fases: a primeira é inquisitória, já a segunda é judicial, nessa predominam características do modelo acusatório. Trata-se, portanto, de sistema misto pois apresenta características tanto do sistema processual acusatório, quanto do sistema processual inquisitório (SANTOS, 2016).

Para Lopes Júnior (2016, p. 41):

[...] a divisão do processo penal em duas fases (pré-processual e processual propriamente dita) possibilitaria o predomínio, em geral, da forma inquisitiva na fase preparatória e acusatória na fase processual, desenhando assim o caráter ―misto‖. Ademais, muitos ainda estão atrelados à reducionista concepção histórica de que bastaria a mera ―separação inicial‖ das ―funções de acusar e julgar‖ para caracterizar o processo acusatório.

Ressalta-se, no que tange ao sistema misto em comento, que as investigações preliminares são realizadas pelo juiz e a acusação pelo Estado administração, na figura do Ministério Público. Contudo, a iniciativa do juiz compromete sua imparcialidade. Em outras palavras:

Nesse sistema há uma fase investigatória e persecutória preliminar conduzida por um juiz (não se confundindo, portanto, com o inquérito policial, de natureza administrativa, presidido por autoridade policial), seguida de uma fase acusatória onde são assegurados todos os direitos do acusado e a independência entre acusação (LOPES JÚNIOR; GONÇALVES, 2012, p.33).

Assim, denota-se que o procedimento investigatório é levado a cabo pelo juiz, o qual procederá com as investigações, consistente na colhida das informações, para que, só então, realize-se a acusação perante o Tribunal competente. No segundo momento, tem-se a acusação propriamente dita, realizada por órgão distinto do órgão julgador, onde as partes iniciam debates orais e públicos.

Faz-se necessário esclarecer que, as características predominantes neste sistema, segundo Rangel (2015, p. 115) consistem no fato de que:

[...] a fase preliminar de investigação é levada a cabo, em regra, por um magistrado que, com o auxílio da polícia de atividade judiciária, pratica todos os atos inerentes à formação de um juízo prévio que autorize a acusação. Em alguns países, esta fase é chamada de "juizado de instrução" (v. g. Espanha e França). Há nítida separação entre as funções de acusar e julgar, não havendo processo sem acusação (nemo judicio

(19)

sine actore); b) na fase preliminar, o procedimento é secreto, escrito e o autor do fato é mero objeto de investigação, não havendo contraditório nem ampla defesa, face à influência do procedimento inquisitivo; c) a fase judicial é inaugurada com acusação penal feita, em regra, pelo Ministério Público, onde haverá um debate oral, público e contraditório, estabelecendo plena igualdade de direitos entre a acusação e a defesa; d) o acusado, na fase judicial, é sujeito de direitos e detentor de uma posição jurídica que lhe assegura o estado de inocência, devendo o órgão acusador demonstrar a sua culpa, através do devido processo legal, e destruir este estado. O ônus é todo e exclusivo do Ministério Público; e) o procedimento na fase judicial é contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, garantida a publicidade dos atos processuais e regido pelo princípio da concentração, em que todos os atos são praticados em audiência.

Ante às imparcialidades do julgador, conforme depreende-se da análise dos sistemas misto e inquisitório, justifica-se o modelo de sistema processual adotado no Brasil: acusatório. Defende Gonçalves (2012, p. 33) que o mesmo foi escolhido: ―[...] pois há clara separação entre a função acusatória — do Ministério Público nos crimes de ação pública — e a julgadora‖. A importância do sistema acusatório, em vista do sistema constitucional adotado no Brasil, é de garantias, as quais impõem limites ao poder de punir do Estado.

São inúmeros os princípios e garantias previstos na Constituição Federal, o que confirma a opção por tal sistema. Á título de exemplo, está a ação penal pública, promovida privativamente pelo Ministério Público fulcro no artigo 129. Ainda, o princípio do juiz natural, previsto no artigo 5º, inciso LIII e artigos 92 a 126. Ademais, salienta-se a publicidade dos atos processuais, princípio previsto no artigo 5º, LX.

O autor Fernando Capez (2008, p. 45) em um comparativo, ao confirmar acerca do sistema acusatório vigente no país, cita os artigos da Constituição que o evidenciam, aduzindo que:

O sistema acusatório pressupõe as seguintes garantias constitucionais: da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), do devido processo legal (art. 5º, LIV), da garantia do acesso à justiça (art. 5º,LXXIV), da garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), do tratamento paritário das partes (art. 5º, caput e I), da ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), da publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (art. 93, IX) e da presunção da inocência (art. 5º, LVII).

No mesmo viés, o autor Paulo Rangel (2010, p. 53) afirma que o sistema adotado no Brasil é o acusatório, porém ressalta que tal sistema não é puro, no

(20)

sentido que menciona ser: ―o inquérito policial regido pelo sigilo, pela inquisitoriedade, tratando o indiciado como objeto de investigação, integra os autos do processo‖.

Alguns doutrinadores, como Guilherme Nucci e Aury Lopes Júnior, ressaltam evidências de um possível sistema misto adotado pelo Brasil. Isso ocorre pelo fato de que as características da primeira fase aproximam-se de um sistema inquisitório, bem como da segunda detém aspecto acusatório (LOPES JÚNIOR, 2016).

Não obstante, Paulo Rangel (2005, p. 205) parte do pressuposto de que:

O Brasil, sendo uma República Federativa constituída em um Estado Democrático de Direito (cf. art. 1º da CRFB), não poderia adotar sistema diferente do acusatório quando alçou o Ministério Público ao patamar de titular privativo da ação penal pública, afastando, de vez, o juiz da persecução penal e garantindo a todo e qualquer indivíduo somente ser processado pelo membro do Ministério Público (Promotor de Justiça ou Procurador da República) com atribuição, previamente, estabelecida na lei. É um corolário lógico do Estado Democrático de Direito a isenção do órgão julgador e a distinção deste para o que acusa, devendo ser órgãos distintos entre si.

Em contrapartida, Lopes Júnior afirma que, no Brasil, o processo penal – apesar de apresentar um viés garantista assegurado pela Constituição, vige, ainda, o sistema inquisitório, possível de observar-se da análise do Código de Processo Penal. Sob este aspecto, um dispositivo que atribui poderes instrutórios ao juiz ―representa uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo‖ e, por consequência, ―fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador‖ (LOPES JÚNIOR, 2007, p. 75).

Inobstante, o modelo político de Estado caracteriza o modelo de sistema a ser adotado. Evidentemente, conforme depreende-se do contexto supracitado no decorrer do presente item, tem-se que o Estado autoritário (que não apresenta garantias externadas ao réu) tende a se utilizar-se do sistema inquisitório. Já o Estado Democrático de Direito (que caracteriza-se por externar tais garantias ao réu) tende a se enquadrar ao sistema acusatório. E, acerca de tais paralelos será elucidado, também, no item a seguir.

(21)

1.2 Interpretação constitucional e sistemas processuais penais

A Constituição de 1988, por ser mais recente que o Código de Processo Penal, que entrou em vigor em 1942, faz com que a legislação infraconstitucional apresente alguns dispositivos não recepcionados pelo texto constitucional. O Código de Processo Penal apresenta inadequações, por exemplo, frente ao modelo processual adotado – acusatório –, bem como às próprias garantias.

Nesse viés, uma das dissonâncias mais evidentes, diz respeito ao que ocorre com o inquérito policial no Brasil. Ocorre que, o inquérito policial, detém essência, predominantemente característica, do princípio inquisitório.

A Assembleia Constituinte de 1988 optou pelo modelo acusatório, no que tange à persecução penal, e, apresenta como núcleo fundante, o princípio do dispositivo (pois a gestão da prova está nas mãos das partes, sendo o juiz um mero espectador). Ademais, consagrou direitos e garantias fundamentais extremamente importantes ao indivíduo, previstos, em sua maioria, no artigo 5º, dentre os quais pode-se destacar: o contraditório e a ampla defesa.

No entanto, a legislação infraconstitucional apresenta alguns resquícios do sistema inquisitivo, provocando assim uma inconformidade constitucional (STILLE, 2015). Corrobora Thiago Helio Martins da Cunha (2019, p. 01) no sentido de que:

[...] não há dúvidas de que o sistema acusatório em sua essência é um sistema típico dos países democráticos onde as liberdades individuais são tratadas como garantias fundamentais da pessoa humana. Assim, o referido sistema processual deve ser observado e aplicado em sua essência [...]

Dessa forma, a incongruência legislativa e, até mesmo em relação à hierarquia constitucional, faz com que a essência – mencionada supra – deixe de ser completamente observada e, até mesmo, aplicada. Ocorre que o Brasil, como já referido, adotou uma constituição democrática, sendo essa a norma suprema do ordenamento jurídico. Consequentemente, as demais leis devem ser interpretadas e aplicadas conforme seus preceitos.

(22)

Conclusão lógica, portanto, é que sendo o Código de Processo Penal norma infraconstitucional deve, necessariamente, seguir aos moldes do ordenamento. Nesse sentido, torna-se de fundamental importância a preservação das garantias fundamentais do acusado, supostamente réu, no decorrer do processo penal, ao que prevê a Constituição.

Note-se que ―O processo penal deve ser visto como fonte de manutenção das garantias do réu, na medida em que o modelo garantista não admite que as falhas na prestação jurisdicional ocasionem-lhe prejuízo‖ (PRUDÊNCIO, 2010, p.01). E, nesta linha de pensamento, Martina Pimentel Rodrigues (2013, p. 01) aduz que:

Em um Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. A contrário sensu, no Estado totalitário, em que a repressão é a mola mestra e há supressão dos direitos e garantias individuais, o sistema inquisitivo encontra sua guarida.

Consubstanciada neste modelo, está a ideia de que o juiz se manifestará quando provocado, garantindo assim sua imparcialidade, ou seja, a última ratio do processo acusatório. Essa, também, apresenta-se como forma a evitar abusos estatais no momento de sentenciar.

Assim, por todo o exposto, vislumbra-se que: sendo a Constituição composta por direitos, garantias e valores, não demonstra-se suficiente que a legislação infraconstitucional a ela se ajuste. Faz-se, portanto, necessário que esteja materialmente em conformidade com os valores liberais e democráticos que orientam a ordem constitucional. Nesse sentido, abordar-se-á, no item a seguir, acerca das garantias que visam, por exemplo, limitar a atuação do poder estatal abusivo, protegendo as liberdades individuais.

1.3 O modelo acusatório de garantias

A Constituição Federal de 1988 assegura garantias constitucionais a todos os indivíduos. Substancialmente e, não obstante, tem o objetivo de dar maior

(23)

efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão aos direitos.

Conforme o autor Douglas Fischer (2011, p. 04):

As garantias são verdadeiras técnicas insertas no ordenamento que têm por finalidade reduzir a distância estrutural entre a normatividade e a efetividade, possibilitando-se, assim, uma máxima eficácia dos direitos fundamentais segundo determinado pela Constituição.

Os direitos fundamentais condicionam a validez das normas produzidas, na qual expressam, de modo simultâneo, os fins que está orientado o Estado Constitucional de Direito. Sob o olhar de Bonavides (2000, p. 493):

As garantias constitucionais, em um conceito amplo, podem ser postas como os pressupostos e bases do exercício e tutela dos direitos fundamentais, ao mesmo passo que rege, com proteção adequada, nos limites da constituição, o funcionamento de todas instituições existentes no Estado.

Portanto, as garantias constitucionais servem como pressupostos de validade dos atos estatais, consubstanciadas em proteger os direitos individuais e estruturas do Estado. No âmbito jurídico, afirma-se que as garantias serão introduzidas por intermédio do processo, visto que é uma das formas de concretização da justiça.

As garantias visam resguardar direitos fundamentais, inerentes ao sujeito. Aliado à isso, pode-se elencar alguns princípios de suma importância no exercício das garantias do acusado, são eles: o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa, a publicidade dos atos processuais, a presunção de inocência, a razoável duração do processo, o in dubio pro reo, o direito à não-autoincriminação, entre outros. Tais princípios relacionam-se intrinsicamente com o direito de defesa ao investigado no Brasil.

No que tange ao princípio do devido processo legal, tem-se que o mesmo encontra-se previsto no artigo 5°, inciso LIV, da Constituição Federal. Segundo esse princípio: ―Ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido

(24)

processo legal.‖ Para tanto, faz-se necessário, prima parte, analisar o conceito de processo, qual mencionado no presente dispositivo.

Sendo assim, no viés dos ilustres processualistas – tais como Frederico Marques (2013) – o processo, além de ser um instrumento a possibilitar a concretização do poder punitivo do Estado, possui o papel de regulamentar as atividades persecutórias da polícia judiciária, bem como de seus auxiliares. Ademais, em especial, possui a função de limitar os poderes estatais e garantir que sejam assegurados os direitos fundamentais de todo e qualquer indivíduo que encontre-se ante a uma investigação ou acusação formal.

Sabe-se que a atividade investigatória destina-se a servir de subsídio a uma acusação formal. Outrossim, o conjunto de informações, fruto das diligências, nesse sentido, pode ou não justificar a existência de um processo. Em outras palavras, uma espécie de ―filtro processual‖, qual se perfectibilizará por meio da acusação (LOPES JÚNIOR, 2005).

Sob o olhar de Victor Eduardo Rios Gonçalves (2013, p. 31):

Uma vez aceita esta acusação, estará iniciada a ação penal, sendo que, durante o seu transcorrer, deverão ser observadas as regras que disciplinam o seu tramitar até que se chegue à decisão final. Esse conjunto de princípios e normas que disciplinam a persecução penal para a solução das lides penais constitui um ramo do direito público denominado Direito Processual Penal.

Ressalta-se, dessa forma, que a pena só será aplicada, consequentemente, depois de concretizada a fase processual, pois, conforme o princípio da necessidade o processo, o processo é imprescindível, é o caminho necessário para constituir eventual punição. Assim, nas palavras de Lopes Júnior (2010 p. 03): ―O processo como instituição estatal, é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição de pena‖.

Sendo assim, não existe outro meio legal para a apuração e condenação de algum crime, senão pelo processo. Pondera Gonçalves (2012, p. 31), em sua abordagem acerca do poder punitivo estatal, que:

(25)

O Estado, ente soberano que é, tem o poder de ditar as regras de convivência e, para isso, pode aprovar normas que tenham por finalidade manter a paz e garantir a proteção aos bens jurídicos considerados relevantes: vida, incolumidade física, honra, saúde pública, patrimônio, fé pública, patrimônio público, meio ambiente, direitos do consumidor etc. [...] Assim, no exato instante em que ela é desrespeitada pela prática concreta do delito, surge para o Estado o direito de punir (jus puniendi). Este, entretanto, não pode impor imediata e arbitrariamente uma pena, sem conferir ao acusado as devidas oportunidades de defesa. [...] De um lado o Estado pretendendo punir o agente e, de outro, a pessoa apontada como infratora exercendo seu direito de defesa constitucionalmente garantido, a fim de garantir sua liberdade.

Dessa maneira, além de assegurar que o indivíduo que potencialmente tenha cometido à prática delituosa seja punido, o processo também limita as atividades estatais. Por conseguinte, tal instrumento garante direitos individuais previstos na Constituição, a exemplo do contraditório e ampla defesa.

Note-se que o Estado tem como dever oferecer todas as condições para o acusado formular sua defesa, oferecendo as possibilidades de contraditório perante a(as) acusação(ões) a ele imputadas, com o objetivo de esclarecer a verdade. Isso significa dizer que, o contraditório e a ampla defesa são imprescindíveis em um processo.

O mencionado princípio encontra amparo legal no art. 5º, LV, da Constituição Federal, com o seguinte texto: ―Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.‖ Ademais, corrobora na definição, Douglas Mattoso Carneiro (2016, p. 01) afirmando que:

Em linhas gerais, pode ser dito que o princípio do contraditório significa que cada ato praticado durante o processo seja resultante da participação ativa das partes. Surge como uma garantia de justiça para as partes e tem, como ponto de partida, o brocardo romano audiatur et altera pars – a parte contrária também deve ser ouvida. É de suma importância que o juiz, antes de proferir cada decisão, proceda a devida oitiva das partes, proporcionando-lhes a igual oportunidade para que, na forma devida, se manifestem com os devidos argumentos e contra-argumentos. Também, não pode deixar de ser lembrado que o juiz, ao prolatar a sentença, deve oferecer, aos litigantes, a oportunidade para que busquem, pela via da correta argumentação, ou em conjunto com os elementos de prova colhidos, se assim for o caso, influenciar na formação de sua convicção.

(26)

Extrai-se, portanto, que o direito ao contraditório está intimamente relacionado ao direito à comunicação formal aos litigantes, dos atos a serem ou já praticados. Nesse viés, entende-se que as partes devem ser comunicadas de todo os atos processuais, e, para cada manifestação da parte contrária deverá ser reservado o direito à resposta.

No melhor entendimento, da análise do princípio em comento, depreende-se que, por intermédio de tal garantia, ter-se-á a oportunidade do réu em oferecer sua versão dos fatos (hipoteticamente delituosos), consubstanciando-se no direito de argumentar a seu favor e, sobretudo, podendo demonstrar a verdade dos fatos dentro dos limites legais. Constata-se, portanto, uma conexão do princípio do contraditório e ampla defesa com o princípio da igualdade de tratamento no processo (CARNEIRO, 2016).

Segundo o autor Igor Luis Pereira e Silva (2012, p. 270):

O princípio da ampla defesa determina a participação efetiva no processo penal, abrangendo a autodefesa, a defesa técnica, a defesa efetiva e a possibilidade de utilização de todos os meios de prova passíveis de demonstrar a inocência do acusado, incluindo as provas obtidas ilicitamente.

Elucida-se, sob este olhar, que a autodefesa é realizada pelo acusado em seu interrogatório, já a defesa técnica exige a representação do réu por um defensor – seja público, dativo ou particular. Acerca da necessidade de defesa, preceitua a Constituição Federal em seu art. 5º, LXXIV, que ao acusado é assegurado um representante mesmo que não possua condições de constituir um particular, ou seja, independentemente da situação financeira do acusado, lhe estará garantida sua defesa.

Outro princípio que relaciona-se com os em apreço, e que poderá se valer o acusado, é o princípio do direito à presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal e artigo 283 do Código de Processo Penal. Conforme o texto legal, com Redação dada pela Lei nº 13.964 de 2019:

(27)

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado (BRASIL, 2020).

O princípio da presunção da inocência é garantia processual, por intermédio desse atribui-se ao acusado o direito de não ser considerado culpado pelo fato delituoso até que sobrevenha sentença penal condenatória transitada em julgado. Com isso, o estado de inocência evita que aplique-se, equivocadamente, uma sanção. Garante, portanto, ao acusado, um julgamento de forma justa, respeitando, inclusive a dignidade da pessoa humana (FERRARI, 2012).

Diante de tal contexto, tem-se como consequência benéfica ao acusado, ao se valer do princípio supra referido, uma sentença absolutória. Isso se dá face a outro princípio, chamado de princípio do ―in dubio pro reo‖.

O princípio do in dubio pro reo, por sua vez, foi estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (conhecido como Pacto São José da Costa Rica). Está contemplado, especialmente, em seu art. 8º, nº 2, ao que prevê que: "toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa‖.

O autor Luiz Flávio Gomes (2011, p. 01) explica que o in dubio pro reo: ―implica em que na dúvida interpreta-se em favor do acusado. Isso porque a garantia da liberdade deve prevalecer sobre a pretensão punitiva do Estado‖. Ou seja, se não houver provas suficientes da materialidade ou da autoria do crime, o acusado será declarado inocente, em outras palavras, impune, e o juiz terá que absolvê-lo. Ressalta-se ainda, que este princípio encontra amparo legal no art. 386, do Código de Processo Penal.

Insta mencionar, ademais, acerca de outra garantia relacionada ao direito à ampla defesa, qual seja, o princípio da não-autoincriminação. O referido princípio encontra-se consagrado pelo artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, bem como no art. 8º, §2º, alínea g, do Pacto de San José da Costa Rica, e garante que toda pessoa possui o direito de "não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a

(28)

confessar-se culpada". Significa dizer que, por se valer deste princípio, o acusado não será obrigado, em hipótese alguma, a produzir provas (direta ou indiretamente) contra si mesmo e, não obstante, seu silêncio não poderá ser interpretado como confissão.

Conforme explica a autora Flávia Regina Cabral de Oliveira (2015, p. 01):

O Direito da não auto incriminação, encontra-se dividido em diversas categorias, nas quais podemos encontrar o direito ao silêncio, o direito de não colaborar com a investigação ou com a instrução criminal, o direito de não se auto declarar culpado, o direito de não apresentação de provas que prejudique a si mesmo. O princípio da não auto incriminação, é mais conhecido popularmente quando tratamos do direito ao silêncio durante o interrogatório, onde o acusado não pode ser obrigado ou coagido a responder o que lhe for argüido.

Ao exercer o direito do silêncio, portanto, o acusado/réu não está anuindo com as acusações – ao contrário do que uma interpretação leiga pode afirmar –, em realidade, o mesmo está sob proteção constitucional, conforme artigo 5º, inciso LXIII da CF/88. Ademais, conforme Código de Processo Penal, em seu artigo 186, parágrafo único, deverá a autoridade competente informar, de forma clara, ao acusado que este poderá permanecer em silêncio quando lhe for indagado e que seu silêncio não será interpretado como confissão aos fatos a ele imputados, não havendo, portanto qualquer prejuízo à sua defesa.

Além de todos estes princípios citados, destaca-se o princípio da publicidade dos atos, o qual relaciona-se ao direito de defesa do acusado. Encontra-se previsto no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

O autor Bayer (apud MIRABETE, 2006, p. 30) enfatiza que a publicidade dos atos:

Trata-se de garantia para obstar arbitrariedades e violências contra o acusado e benéfica para a própria Justiça, que, em público, estará mais livre de eventuais pressões, realizando seus fins com mais transparência. Esse princípio da publicidade inclui os direitos de assistência, pelo público em geral, dos atos processuais, a narração dos atos processuais e a

(29)

reprodução dos seus termos pelos meios de comunicação e a consulta dos autos e obtenção de cópias, extratos e certidões de quaisquer deles.

Corrobora este pensamento o autor Vladimir Aras (apud BAYER, 2006, p. 01) ao afirmar que o princípio da publicidade ―se dirige a toda a Administração bem como para a administração da justiça penal‖. O autor também pondera que a publicidade surge como uma garantia individual determinando que os processos tanto civis e penais sejam, públicos, para se evitar possíveis abusos dos órgãos julgadores.

Ante o exposto, um sistema acusatório de garantias visa assegurar a aplicabilidade dos princípios constitucionais. Tal sistema contempla a separação entre os órgãos encarregados de realizar a acusação e o julgamento, pois garante a imparcialidade do julgador e assegura a plenitude de defesa. Contudo, ainda resta a controvérsia acerca de a quem destina-se, realmente, as garantias e o próprio processo (como instrumento). Esse, portanto, é o objeto a ser analisado no item a seguir.

1.4 O paradigma constitucional brasileiro: processo penal para quem?

Sabe-se que o Estado é o ente soberano, é através dele são ditadas as regras de convivência, as quais têm como objetivo manter a paz e garantir a proteção aos bens jurídicos, tais como a vida, a saúde, integridade física, entre outros. Se algum indivíduo desrespeitar as regras, terá de ser responsabilizado, o que, por vezes, significará a imposição de uma sanção penal.

O Estado é a figura autorizada e legitimada a exercer o poder punitivo, desde que a persecução penal tenha se desenvolvido em observância às garantias constitucionais. Como já visto no item 1.3, o processo penal possui diversas finalidades, dentre as mais diversas destaca-se a aplicação da pena.

Lopes Júnior afirma que o ―processo penal é o caminho necessário para a pena‖, disso decorre o princípio da necessidade do processo em relação à pena. Segundo esse princípio, ―não existe delito sem pena, nem pena sem delito e

(30)

processo, nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena‖. (LOPES JÚNIOR, 2007, p. 08).

Pelo fato de a Constituição Federal de 1988 ser uma constituição democrática, a qual corresponderá um processo penal igualmente democrático, certamente sem um processo penal garantidor não seria possível viver a democracia. Significa dizer que:

A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário, utilitarista. Contudo, a uma Constituição democrática, como a nossa, necessariamente deve corresponder um processo penal democrático, visto como um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo [...] (GOLDSCHMIDT

apud LOPES JÚNIOR, 2017, p. 2).

A legislação deve conferir a certeza de que, embora tenha o acusado incorrido em um ilícito penal, lhe serão garantidos seus direitos de defesa constitucionalmente previstos. Marcel Joffily de Souza e Naiara Antunes Dela- Bianca (2019, p. 01), em abordagem acerca da importância do processo penal, aduzem que:

[...] o processo penal, portanto, além de ser um caminho necessário para a (legítima) aplicação da pena, é também um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo, ou seja, um instrumento para a proteção desses direitos constitucionais em contraponto à acusação estatal (ou privada, a depender do caso).

Nesse contexto, como referido, o processo penal labora em um Estado Democrático de Direito, e é o meio necessário de garantia dos direitos do acusado. Este, além de ser um instrumento de efetivação do Direito Penal, trata-se de um instrumento que satisfaz os direitos fundamentais da pessoa humana e traz garantia contra possíveis atos abusivos por parte do Estado.

Para processualistas como Aury Lopes Júnior, o processo é um instrumento para a aplicação do direito penal e da pena em si. Seguindo-se esta linha de pensamento Giacomolli (apud LOPES JÚNIOR, 2016, p. 33), afirma que:

O processo surgiu como um mecanismo para evitar a vingança feita pelas próprias mãos, para eliminar a autotutela, para evitar a dominação do mais forte, resguardando o sujeito frente ao outro, o grupo social frente a outro

(31)

grupo social, como veículo para aplicar, de forma racionalizada e alheia aos interesses dos envolvidos, a sanção criminal.

Pode-se afirmar que o processo penal nasce quando da proibição da vingança privada. Ocorre que o ―poder de vingança‖ passa, teoricamente, do ofendido, ao Estado. O Estado, por sua vez, exercerá o monopólio do poder de punir, encarregando-se de agir a fim de restabelecer a ordem no meio social, evitando, por exemplo, a autotutela.

Portanto, o processo penal destina-se à tutela dos direitos fundamentais, tanto na perspectiva Estatal – proteção a direitos coletivos e potenciais – quanto na do sujeito de Direito – proteção das liberdades individuais – (DUARTE, 2018). Assim, o processo serve de instrumento para realização do Direito Penal, com dupla função: de um lado aplicar da pena, de outro limitar da atividade estatal.

Por conseguinte, Battaglini (apud LOPES JÚNIOR, 2019) afirma que o moderno Direito Penal tem como função principal a garantia da liberdade individual. Surge então um conflito de interesses, de um lado o Estado com pretensão de punir o agente e, de outro, o infrator exercendo seu direito de defesa constitucionalmente garantido, vislumbrando sua liberdade.

A solução para esta lide, na perspectiva de Gonçalves (2012, p. 31) ―será dada pelo Poder Judiciário após lhe ser apresentada uma acusação formal pelo titular do direito de ação Penal.‖ Nas mãos do julgador consistirá, portanto, a prerrogativa de decidir pela procedência ou improcedência das acusações formuladas e, para tanto, devem-se estar presentes e garantidos os direitos inerentes ao acusado, para que o mesmo possa se valer em defesa de seus interesses.

Contudo, nota-se que contraditório e ampla defesa, em que pese tratem-se de garantias previstas para a fase processual, não têm o mesmo respaldo no que tange à fase pré-processual: inquérito. Ressalta-se que a fase pré-processual é uma das mais relevantes para a lide no âmbito penal, nela ocorre a persecução penal – fase preliminar da investigação. Tal importância se dá devido ao fato de que, neste

(32)

momento, busca-se a colheita das provas de autoria e materialidade, o que importa em mais da metade do que, propriamente, compõe um processo.

A justificativa apresentada para a não aplicação do contraditório e a ampla defesa nessa fase, na visão de Hidejalma Muccio (2000, p. 137), é amparada na razão de ser o inquérito um procedimento administrativo, qual visa colher informações para uma futura ação penal. Ou seja, baseia-se no fato de que ainda não há um processo, e sim apenas um suspeito, no máximo um indiciado.

Por outro lado, há doutrinadores que contrapõem-se a esta máxima, afirmando que no inquérito a obtenção de provas são bem maiores, o que gera um valor maior ao Inquérito Policial, bem como que nessa fase pré-processual realizam- se ―certas provas periciais, que, embora sem a participação do indiciado, contém em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica, mais difíceis de serem deturpados‖ (MIRABETE, 1991, p. 01). Dessa perspectiva, nada mais justo que conceder ao investigado a oportunidade de formular sua defesa.

Ressalta-se que, tendo em vista a Constituição Federal tratar-se de constituição democrática de direitos, somado ao fato da adoção do sistema processual acusatório pelo Brasil, mostra-se incongruente que a fase pré- processual detenha caráter, essencialmente, inquisitório. Observe-se que, em que pese ser no inquérito a maior obtenção de provas, nada é conferido ao acusado quanto a produzir aquelas em sua defesa. Ademais, o defensor só terá acesso às provas já produzidas quando já juntadas nos autos, devido ao sigilo do inquérito policial.

Nesse viés se seguirá próximo capítulo, conceituando-se e demonstrando-se as características inerentes ao inquérito policial, aprofundando-se a relação do mesmo para com o princípio do contraditório e ampla defesa. Ademais, por intermédio de um comparativo, buscar-se-á elucidar acerca dos projetos de lei que surgem com potenciais mudanças do paradigma, ora em comento.

(33)

33 2 REAÇÃO DEFENSIVA À IMPUTAÇÃO, INQUÉRITO POLICIAL E SISTEMA ACUSATÓRIO DE GARANTIAS

Como já mencionado, em que pese o Brasil tenha adotado o sistema acusatório, há resquícios de um sistema inquisitorial na fase pré-processual. Muito embora, conforme visto anteriormente, o contexto histórico (à luz da constituição vigente e aspecto temporal) tenha significativa relevância para definição do sistema, não é o que percebe-se ao analisar a Constituição Federal de 1988, e todas suas garantias, em contraste com a fase do inquérito policial.

Nesse sentido, ressalta-se a importância da reação defensiva à imputação, pois está intimamente relacionada aos princípios do contraditório, ampla defesa, igualdade de tratamento às partes no processo, abordados com detalhes no capítulo anterior. Ao compreender acerca da definição de reação defensiva, torna-se possível perceber que, a participação da defesa na fase de instrução preliminar contribui na materialização dos argumentos a serem sustentados na fase processual.

O presente capítulo tem por objetivo inicial tratar da investigação preliminar no Brasil, em especial, acerca do inquérito policial e suas características. Ademais, apresenta relevante distinção entre as figuras do investigado e do acusado, sujeitos passivos que integram a persecução penal. No propósito de verificar se o sistema acusatório de garantias vem sendo contemplado pelo legislador pátrio, estabelece- se uma análise acerca dos projetos de lei em tramitação que tratam da investigação preliminar no Brasil.

2.1 Investigação preliminar no Brasil: a preponderância do inquérito policial e suas características

Como abordado no primeiro capítulo, a investigação preliminar compreende uma série de procedimentos. Nela visa-se a colheita de suficientes informações acerca de um caso penal, a fim de apurar a realidade fática do delito e sua autoria. Ainda, outro de seus principais objetivos é fornecer ao titular da ação penal subsídios capazes de formalizar a acusação.

(34)

34 Nas palavras de Lopes Júnior (2012, p. 90), investigação preliminar é:

[...] o conjunto de atividades realizadas concatenadamente por órgãos do Estado; a partir de uma notícia-crime ou atividade de ofício; com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal; que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delitivo, com o fim de justificar a exercício da ação penal ou a arquivamento (não-processo).

No tocante à maneira com que a investigação preliminar pode ser realizada, muito dependerá da legislação de cada país. Em Portugal, por exemplo, sua direção é atribuída à magistratura ministerial. Já no Brasil, apresenta-se o modelo de investigação policial, o qual materializa-se por meio do chamado: inquérito policial.

O autor João Paulo Lordelo (2015, p. 02) conceitua inquérito como:

Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, consistente em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa para apuração da materialidade penal e de sua autoria, presidido pela autoridade policial, a fim de fornecer elementos de informação (justa causa) para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.

Assim, o inquérito policial é uma das formas de investigação preliminar, realizado a cargo da polícia judiciária, a qual é ―desempenhada nos estados pela Polícia Civil e, no âmbito federal, pela Polícia Federal” (LOPES JÚNIOR, 2016). À polícia judiciária incumbe investigar, bem como colher informações referentes à materialidade e à autoria de fatos possivelmente delitivos.

Em relação aos prazos do inquérito policial, para os autores Luiz Claudio Silva e Franklyn Roger (2013, p. 49):

De conformidade com o art. 10 do Código do Processo Penal, o inquérito deverá terminar no prazo de dez dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão; 30 dias, quando estiver solto mediante fiança ou sem ela.

A curta duração decorre do fato de ser o inquérito o primeiro momento da persecução penal. Trata-se, portanto, de procedimento investigatório que compõem a fase pré-processual.

(35)

35 Será obrigatória a instauração do inquérito nos casos de crimes de ação pública incondicionada, conforme prevê o Art. 5º, I e II, CPP. Segundo Renato Brasileiro (2016, p. 42):

Ao tomar conhecimento de notícia de crime de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, independentemente de provocação da vítima e/ou qualquer outra pessoa. Deve, pois, instaurar o inquérito policial de ofício, nos exatos termos do art. 5º, I, do CPP, procedendo, então, às diligências investigatórias no sentido de obter elementos de informação quanto à infração penal e sua autoria.

Nesse viés, partindo-se do pressuposto de que na Ação Penal Pública Incondicionada a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, na Ação Penal Pública Condicionada à Representação e de Ação Penal de Iniciativa Privada faz- se necessário que a vítima, ou seu representante legal, manifestem concordância acerca da instauração do inquérito policial. Só então, uma vez demonstrado o interesse do ofendido na persecução penal, a autoridade policial passa a ser obrigada a agir de ofício, com as diligências necessárias à apuração do delito.

No que tange aos procedimentos necessários à apuração do delito, os mesmos possuem caráter discricionário. Isso significa dizer que, o delegado de polícia possui amplos poderes para investigar o fato, determinando as diligências que entender devidas (BRASILEIRO, 2016, p. 74). Nesse sentido, a principal finalidade do inquérito está ligada às diligências capazes de tornar evidentes a autoria e materialidade do fato.

A título de exemplo, a polícia pode se valer da requisição de perícia, de informações, documentos e quaisquer dados que interessem à apuração dos fatos. Os artigos 6º e 7º do CPP preveem um rol exemplificativo de diligências que podem ser realizadas pela autoridade policial, são elas:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

IV - ouvir o ofendido;

V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;

(36)

36 VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;

VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. Art. 7o Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.

Todavia, Renato Brasileiro (2016, p. 74) ressalta que a discricionariedade policial implica em ―liberdade de atuação nos limites traçados pela lei‖. Portanto, não é permitido que a autoridade policial adote diligências investigatórias contrárias à Constituição Federal e à legislação infraconstitucional.

No tocante à natureza jurídica do inquérito policial, trata-se de procedimento administrativo, regendo-se pelas regras e princípios aplicáveis aos atos administrativos em geral (LORDELO, 2015, p. 03). No âmbito processual, o processo norteia-se por princípios constitucionais, tais como o contraditório (art. 5º, LV, da CF), o que leva-se a pensar que, por tratar-se de procedimento administrativo, tal garantia não se estenderia ao inquérito.

Tal raciocínio decorre do fato de que no inquérito policial ainda não há um processo, tem-se apenas um suspeito, ou, no máximo um indiciado. Ademais, por ser um procedimento administrativo, tipicamente inquisitivo, a principal função do inquérito é formar a opinio delicti do Ministério Público, ou do querelante, fornecendo-lhes os meios necessários a que o autor da ação possa dar-lhe início.

O procedimento investigatório é instaurado a partir da notitia criminis, a fim de se chegar ou não ao fumus commissi delicti, sem o que não pode haver ação penal. Nota-se que no inquérito policial não precisa, necessariamente, ter o conhecimento da autoria no início da investigação, ou seja, a mera possibilidade de que exista um fato punível já pode ser causa de seu início.

(37)

37 Em que pese a relevância do inquérito policial, o autor Lopes Júnior (2016, p. 103) ressalta que:

O inquérito policial não é obrigatório e poderá ser dispensado sempre que a notícia-crime dirigida ao MP disponha de suficientes elementos para imediata propositura da ação penal. Da mesma forma, se com a representação (art. 39, §5º, do CPP) for portados dados suficientes para acusar o MP deverá propor a denúncia no prazo de 15 dias. Isso porque o IP está destinado apenas a formar a convicção do MP, que poderá acusar desde que disponha de suficientes elementos para demonstrar a probabilidade do delito e da autoria.

Desse modo, é possível observar que o próprio Código de Processo Penal elucida o caráter dispensável do inquérito policial, pois, conforme art. 12 do CPP: ―o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra‖. Ou seja, se o inquérito não servir de base para a denúncia ou queixa, não há necessidade de compor os autos. Ademais, o artigo 27 do CPP dispõe que:

Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Além de ser dispensável, conforme artigo 5º, inciso I e II, do Código de Processo Penal, outra característica do inquérito policial é o sigilo. O art. 20 desse mesmo diploma legal, prevê que ―a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade‖.

A finalidade do sigilo é evitar que a publicidade, em relação às provas colhidas e as que sobrevirem, prejudique a apuração do ilícito. No entanto, apesar da característica da não publicidade da investigação, Victor Eduardo Rios Gonçalves (2012, p. 53) ressalta que:

Essa regra, porém, perdeu parte substancial de sua relevância, na medida em que o art. 7º, XIV, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB) confere aos advogados o direito de ―examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. Ademais, a Súmula Vinculante n. 14 do Supremo Tribunal Federal determina que ―é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa‖.

Referências

Documentos relacionados

As rimas, aliterações e assonâncias associadas ao discurso indirecto livre, às frases curtas e simples, ao diálogo engastado na narração, às interjeições, às

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

na situação dada, estar excluído do trabalho também significa mutilação, tanto para os desempregados, quanto para os que estão no polo social oposto.. Os mecanismos

A ideia da pesquisa, de início, era montar um site para a 54ª região da Raça Rubro Negra (Paraíba), mas em conversa com o professor de Projeto de Pesquisa,

Fig. Jurassic-Cretaceous geological evolution for the West Gondwana and its relationship with zeolite-cemented sandstone. A) During the Jurassic, quiescence periods without

Figura 38 – Acompanhamento diário de peso dos animais tratados com ENSJ39 via oral e intraperitoneal, LE39 e LBR via intraperitoneal para avaliação da toxicidade aguda.. Dados

Por sua vez, a complementação da geração utilizando madeira, apesar de requerer pequenas adaptações do sistema, baseia-se em um combustível cujas origens são mais diversifi