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As ações praticadas via enunciados são de modo geral chamadas de atos de fala, e, mais especificamente, de pedido, cumprimento, desculpa, convite, promessa, resposta, e outros. Esses diferentes tipos de atos de fala estão relacionados à intenção comunicativa do falante, quando produz seu enunciado.

Seguindo a teoria dos atos de fala de Austin (1962), como foi mostrado no capítulo três, há três tipos de atos que ocorrem simultaneamente:

Ato locucionário: é o conjunto de sons que a personagem está proferindo; Ato ilocucionário: é a força que o enunciado produz;

Ato perlocucionário: é o efeito produzido no ouvinte ao receber esse enunciado. Segundo Searle (1969) há cinco atos de fala ilocucionários, são eles: ato assertivo/ representativo; diretivo/exortivo, comissivo, expressivo/compromissivo e declarativo. O filósofo admite que para que, haja um ato de fala indireto, é preciso ter um enunciado cuja estrutura gramatical indica uma força ilocucionária diferente daquela pretendida pelo falante, como por exemplo, a ironia.

Nota-se que o falante espera que sua intenção comunicativa seja reconhecida por seu ouvinte. Quino utiliza atos de fala indiretos, no caso ironia, metáfora e implicatura nas tiras 1, 2 3, 4 e 5, por não poder falar diretamente contra o governo, pois as tiras foram publicadas no período em que a Argentina estava sendo governada pelo regime ditatorial. Quino impessoaliza o discurso ao usar Mafalda como falante, pois não é ele quem critica, mas uma inofensiva criança de apenas 6 anos.

Tira 1

Desse modo, o ato ilocucionário da tira 1 é de ameaça e de revolta. Ameaça porque foi feita uma acusação contra o governo, o povo sabia que o culpado era o governo e se revolta porque pessoas estavam sendo mortas injustamente.

É interessante notar que, na primeira tira, as perguntas e respostas de Mafalda não são perguntas e respostas. Na verdade, o texto como um todo representa um sermão, uma advertência, o que pode ser considerado, pelos estudos de Searle, como um ato expressivo (quando o falante expressa um estado psicológico sobre determinada situação).

Sobre a noção de atos expressivos, Austin declara que, ao enunciar uma sentença, há a realização de três atos, simultaneamente: o locucionário, o ilocucionário e perlocucionário. Verifica-se que em todas as 16 tiras, o ato locucionário é a realização dos fonemas, é a fala, propriamente dita; o ato ilocucionário das tiras 2, 3, 4 e 5, mostra que a fala da personagem tem a força de crítica e o ato perlocucionário faz com que o leitor da época reflita sobre a ditadura e busque a redemocratização.

Tira 2

Tira 3

Tira 4

Observando-se a partir das afirmações de Searle, nessas tiras, há tanto o ato de fala assertivo/representativo, quanto o ato de fala diretivo. Assertivo porque o falante se compromete com a verdade. A verdade foi dita, mas de modo camuflado, tanto que na tira 2, a personagem ironicamente mostra que a Argentina se denomina democrata, mas na realidade, o país estava vivendo sob ditadura. Já nas tiras 3, 4 e 5 a protagonista exibe algumas formas de poder que a ditadura utilizava para se impor, como a censura (tira 3) e a tortura (tiras 4 e 5). E ato de fala diretivo (fazer com que o ouvinte realize algo), pois o autor espera que o leitor compreenda a crítica feita e queira que o país saia do regime ditatorial e volte para a democracia.

Focalizando os dados a partir do modelo de atos de fala proposto por Austin, é possível perceber que, nas tiras de 6 a 10, o ato locucionário é a enunciação das sentenças; o ato ilocutório é o ato de fazer uma declaração, nesse caso, declarar o porquê do mundo estar doente e o ato perlocucionário é o ato de causar efeito no ouvinte, é fazer com que os leitores reflitam o que está acontecendo no mundo e também para que eles se conscientizem e tentem mudar esse cenário político- social-ambiental.

Tira 7

Tira 8

Tira 10

Já se se observar, do ponto de vista de Searle, essa seqüência de tiras se enquadra como um ato diretivo, que mostra a tentativa do falante em fazer com que o ouvinte realize algo, ou seja, fazer com que leitor possa pensar no que está acontecendo com o mundo e queira mudar essa situação e, ao mesmo tempo, há a realização do ato de fala compromissivo, pois a menina se compromete a “cuidar do mundo”.

Nas tiras em que Mafalda questiona a condição feminina (tiras de 11 a 16), Comprova-se que o ato ilocucionário é o de crítica, pois a personagem critica o modo como as mulheres têm se mostrado na sociedade e o ato perlocucionário é o de causar um impacto nos leitores para fazer com que as mulheres reflitam que elas possuem um grande potencial para realizar quaisquer tarefas.

Tira 11

Tira12

Tira 13

Tira 15

Tira 16

Nesse conjunto de tiras, aparece o ato de fala expressivo, e também o ato declarativo. No primeiro ato, Mafalda expressa seus sentimentos como, por exemplo: decepção e tristeza (tiras 11, 13, 15 e 16), pena/compaixão (tira 12), aversão/antipatia (tira 14) em relação à sua mãe. E no segundo ato de fala, a personagem espera que as mulheres mudem o comportamento, almejem um futuro melhor.

É possível perceber que nas tiras 1, 2, 4, 5, 10, 11, 13, 14 e 16 houve o ato de fala irônico, pois a personagem ironizou ao criticar a ditadura (tiras 1, 2, 4 e 5), o mundo (tira 10) e a situação feminina (tiras 11, 13 e 14). A ironia aparece tanto de modo explícito, como por exemplo, nas tiras em que a menina aprece criticando o modo como as mulheres tem agido na sociedade; quanto implícito, como é o caso das tiras que abordam a ditadura.

Após analisar os atos de fala nas tiras selecionadas, confirma-se que falar uma língua é realizar ações. Os enunciados possuem uma força ilocucionária/perlocucionária que fazem com que as intenções do falante alcancem o ouvinte, para que este realize os atos de fala propostos pelo falante.

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