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A precocious and argumentative little girl greeted with universal acclaim.

The World Encyclopaedia of Comics, New York, 1977

A trajetória de Mafalda compreende o período entre os anos de 1964 e 1973. Após esses anos de publicação, o autor das tiras percebeu que estava esgotado e não poderia insistir em se repetir. Quino sempre mantinha contato pessoal com sua criação, nunca aceitou que outros roteiristas e desenhista interviessem em seu trabalho.

O criador de Mafalda põe na fala da personagem tudo aquilo que gostaria de expressar, mas não podia, devido aos conflitos políticos da época. Mafalda é uma criança de seis anos que age como um adulto-crítico-politizado (Lins, 2002), divulgando todos os seus ideais e pensamentos para uma juventude inquieta que buscava a liberdade de expressão.

Foi por isso que o autor fez alusão aos momentos históricos em muitas de suas tiras, como a bipolaridade mundial, a guerra do Vietnã, a tomada do poder pelos militares na América do Sul, sem falar nos problemas sociais como a igualdade de direitos entre as mulheres e os homens, entre brancos e negros e a volta da democracia.

As tiras de Mafalda, apesar de serem de autor argentino e de terem sido concebidas no decorrer da década de 60 e início da década de 70, são interessantes para a análise porque tratam de questões que continuam atuais e principalmente, porque a relação entre os personagens na interação apresenta uma dinamicidade resultante do trabalho visual na composição dos personagens, aliado à força dos diálogos, presentes em quantidades nas tiras de Quino.

Gubern (1992) afirma que Mafalda atravessou a chamada década prodigiosa, antecipando-se à explosão contestadora de 1968. Sua contestação não foi aquela proletária, mas uma contestação intelectual e psicológica, que abarca temas como o autoritarismo dos adultos, o racismo, a fome, a explosão demográfica, a injustiça social. Mafalda é capaz de pôr em crise todas as proposições tradicionais e desbancar as convenções e costumes mais enraizados.

Já Eco (1992) comenta que Mafalda não é uma heroína. É uma anti-heroína. Não aparece para salvar as pessoas, aparece para criticar comportamentos e situações e pôr a sociedade em questionamento. Isto interferiu na opção pelas tiras da Mafalda porque, diferentemente daquele tipo de tiras em que os autores narram uma história que enaltece um herói que sempre aparece para salvar as pessoas, essas tiras revelam a intenção de abordar a problemática social, sugerindo críticas e levando a julgamentos.

Ela aparece para desconstruir as visões conservadoras sobre política, moral, economia, cultura. Pelo fato de ser uma menina, e não um menino, Mafalda já começa subvertendo a lógica dos quadrinhos e da vida, dando espaço para questões de gênero. Se, antes, as mulheres eram consideradas como coadjuvantes, Mafalda vem para mudar esse quadro, e se torna a protagonista, mostrando o contrário do que era visto antes.

Convém ressaltar o que Eco (1992) afirma sobre Mafalda: ela odeia a injustiça, a guerra, as armas nucleares, o racismo, as absurdas convenções dos adultos e,

obviamente, a sopa, como mostram algumas de suas tiras. Seus amores também ilustram o espírito da época: os direitos humanos, a democracia e os Beatles. É uma menina que recoloca questões cruciais, numa linguagem radical, de forma simples e aparentemente ingênua; é uma criança que se espanta diante do mundo; não aceita as “normalidades e obviedades” da realidade cotidiana. Seus comentários são sempre ácidos e vão de encontro aos ideais da sociedade de consumo. Quino consegue criar em suas tiras perguntas de um fôlego inédito, um frescor para o humor político e engajado. Através de seu alter-ego, Mafalda faz comentários entrecortados de ironia, acidez e sutileza.

É por isso que os quadrinhos foram escolhidos como corpus deste trabalho, porque a HQ tem a vantagem de poder, ao mesmo tempo, mostrar a cena e fazer as personagens falar, pronta a fazer com que o dito contrarie a imagem, trabalhando, assim, com o humor e também com a ironia.

Assim, Melo (2003) expõe que uma das características marcantes dos quadrinhos é seu caráter lacunar, uma vez que, por trás do dito, há toda uma instância do dizer, a evidenciar que a significação da tira vai muito além da simples manifestação verbal. Desse modo, uma das funções do leitor é o preenchimento do que não foi dito pela recuperação dos implícitos e pela percepção dos efeitos de sentido desejados pelo autor.

As inferências são processos mentais de decodificação, enriquecimento, reconhecimento, pressuposição, processamento, validação e conclusão de uma palavra e/ou enunciado, em um contexto. “Sempre podemos fazer muitas inferências a partir dos elementos de um texto, uma vez que os textos mostram uma quantidade mínima de coesão formal, abrindo muitas linhas de possíveis inferências” (Melo, 2003), o que normalmente requer que o leitor faça quantas inferências forem necessárias para obter a compreensão do texto.

O leitor é sempre responsável pela projeção do sentido que melhor lhe convier, a partir da posição política, social, econômica e pessoal que ocupe. Portanto, a interpretação de uma piada depende também das inferências, ou seja, das conexões que as pessoas fazem, quando tentam estabelecer a compreensão do que lêem. Os textos dúbios, como são os textos de humor exigem que o leitor realize várias inferências para construir o sentido, e o resultado dessas inferências leva ao riso.

CAPÍTULO V

5. DADOS E METODOLOGIA

Este capítulo tem como objetivo descrever como as tiras utilizadas nesta pesquisa foram coletadas e analisadas.

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