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CAPÍTULO III RESULTADOS

3.1.5. O uso da “ironia” e do “riso”

Ao longo de todas as sessões, os participantes recorriam à expressão do “riso”, ao mesmo tempo que exprimiam as suas ideias nas quatro fases. O Quadro 3.3. mostra a evolução do aparecimento do uso do “riso” ao longo das oito sessões.

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Quadro 3.3. Uso da Expressão do Riso ao Longo das Sessões Fases de discussão / Geral dos grupos Ambiente Alterações Climáticas Exibição da primeira Notícia Exibição da Segunda Notícia TOTAL Antes da leitura Depois da leitura Antes da leitura Depois da leitura Emoções positivas 0 1 0 0 0 0 1 Emoções negativas 0 13 1 1 1 0 16 Uso da ironia 1 0 4 2 2 2 11 Práticas individuais 0 5 1 2 0 1 9 Práticas institucionais 0 0 0 0 0 1 1 Categorização social 1 5 0 1 0 2 9 Fonte de conhecimento geral 0 3 0 1 0 0 4 Avaliação da

31 imprensa 0 4 5 1 1 4 15 Posição/Crenças 2 4 0 0 0 0 6 TOTAL 4 35 11 8 4 10 72 Somatório das partes das sessões 39 (1ª parte) 33 (2ª parte)

Através de uma contabilização das expressões em todos os grupos focais, nas quatro fases, verifica-se que o “riso” se manifesta maioritariamente durante a discussão das alterações climáticas (com 35 do total de 72 expressões) à semelhança do que acontece com a expressão de emoções negativas.

Na primeira fase, durante a discussão sobre o estado do ambiente, identificaram-se apenas quatro expressões do “riso”. Uma delas não passa despercebida entre as outras. Um dos participantes (P17/4) considera que a sociedade no geral está a mudar atitudes de modo positivo para com o problema das alterações climáticas: “Por acaso até acho que estamos a seguir um rumo melhor do que o do passado, já estamos a pensar em mais coisas para além de sermos melhores, de crescermos e disso tudo, já estamos a pensar mais no bem global, e no bem geral, em vez de só nosso próprio. Sim, e acho que é bom (risos).” (P17/4). A única interação em relação a esta declaração foi: “Talvez porque também já começamos a sofrer as consequências e começamos a aperceber-nos que é uma realidade, que não é só um conceito abstrato” (P16/4.

Na segunda fase das sessões, o “riso” era complementado com afirmações sobre tópicos gerais como: “a minha educação sobre este assunto (das alterações climáticas) não foi de todo na escola. Isso está fora de questão (risos)” – P3/1; “Aquelas notícias que dão na televisão que são sobre uns ventos de África que vêm, uma frente africana que veio e pronto…(risos). As notícias são dentro disso, não aprofundam nem explicam…” – P4/21; “É triste dar importância ao casal de famosos que se separou e não dar atenção a isto (risos). É triste” – P36/8).

Da primeira parte das sessões (primeira e segunda fases) para a segunda parte (terceira e quarta fases) as expressões do “riso” decresceram parcamente (de 39 para 33). Esta ligeira

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diferença pode ser justificada com o tempo mais alongado que levou o comentário sobre as alterações climáticas na generalidade dos grupos, como já foi referido, em relação ao comentário e discussão das notícias. Entre o comentário sobre as duas notícias, houve uma pequena diferença (de 5 expressões do “riso”), tendo a primeira notícia obtido mais (19) do que a segunda (14). É de notar que, durante a discussão da primeira notícia, a expressão do “riso” aparece mais vezes antes da leitura (11) do que depois da leitura (8). Ao contrário, acontece em relação à segunda notícia, em que, antes da leitura aparece 4 vezes e depois da leitura aparece 10, mais do dobro.

Antes da leitura da primeira notícia, são exemplos os seguintes: “qualquer dia não há inverno (risos)” (P7/2); “Sinto a mesma coisa, frustração, impotência (risos)” (P22/5); “não me admira (risos)” (P27/6). Grande parte das expressões do riso nesta primeira etapa da primeira notícia acompanharam opiniões sobre a imagem que os participantes estavam a ver (“a imagem não é…é alegre (risos) – P14/4); “(risos) lá está, a falar de uma vaga de calor e a mostrar às pessoas…ou seja, estão a associar a uma coisa boa, à continuação de umas férias prolongadas, ou seja, o calor é bom, por isso…” – P35/8; “ah, mais tempo de sol, boa, vamos para a praia em vez de pensar que se calhar alguma coisa não está bem (risos)”. Depois de lerem a primeira notícia, os participantes usam a expressão do “riso” com afirmações como “a culpa é atribuída a um anticiclone (risos), não é aos humanos” (P38/8); “quem não está dentro do assunto não se assusta com isto (de as temperaturas serem mais baixas de noite e de dia serem mais elevadas, havendo um equilíbrio, como defende o artigo em questão) (P19/5), afirmação à qual o participante P21/5 responde: “pensa que é bom (risos)”. Em relação à segunda notícia, antes da sua leitura, os participantes riam-se ao ver a imagem: “praia (risos)” (P27/6); “o titulo diz que a subida de temperatura no planeta está a acelerar. Podiam pegar em tanta coisa só de a frase dizer “do planeta está a acelerar”, não, vão pôr uma praia. Tudo a ver (risos).” (P38/8). Novamente, o “riso” é expresso relativamente à imagem da notícia, antes de a ler. Depois da leitura (segunda etapa do comentário à segunda notícia), o “riso” foi expresso seis vezes mais do que antes da leitura e os comentários por ele acompanhados eram, por exemplo, “Esta notícia põe-nos mais a pensar naquilo que está a acontecer do que a outra, a outra, desculpem a expressão, mas é palha (risos)” (P38/8); “E os próprios governos não dão para incentivar aqui uma tentativa também de baixar os preços dos carros elétricos nos meios interiores, não funcionou…continuamos com pouquíssimos carros elétricos porque são caros, são muito caros (risos).” (P8/2).

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Relativamente à diferença entre as categorias estudadas, verifica-se que o uso da expressão do “riso” se verifica em maior quantidade associado às emoções negativas (16), ao uso da ironia (11) e à avaliação da imprensa (15).

Verificou-se que, por vezes, os participantes se “desculpavam” do facto de não pensarem muitas vezes sobre o assunto das alterações climáticas, sem serem confrontados, através do uso do “riso”: “diariamente não penso (risos)” (P7/2); “penso zero (risos)…” (P28/6). Isto pode querer indicar um desvio ao constrangimento sentido quando assumem que não pensam muito sobre o assunto. Na categorização social, verifica-se também o uso da expressão do “riso” para suavizar o facto de em Angola não reciclar o lixo (“em países em desenvolvimento não se faz reciclagem (risos) – P13/3).

Quanto à ironia, como noutros estudos anteriores se verificou (Caillaud et al., 2015), o seu uso neste estudo indica também uma estratégia adquirida pelos participantes quando comentam estes assuntos (Quadro 3.1), de escapar ao constrangimento que o momento lhes está a fazer sentir.

Neste estudo, verifica-se uma evolução bastante acentuada do uso da “ironia” da primeira fase (ambiente: “Se continuar assim acho que não vamos a grandes sítios porque o dinheiro vai continuar a estar lá em cima, apesar das preocupações todas (risos).” - P3/1) para a segunda fase (alterações climáticas: “Ah, está calor, vamos para a praia! Em vez de está calor, não devia. Se calhar devíamos fazer alguma coisa para mudar, não, é sempre levar uma coisa que é negativa para o lado positivo.” - P37/8). Também é evidente a evolução da fase de discussão das alterações climáticas para os dois momentos de exibição das notícias, sendo que a “ironia” foi usada em maior quantidade durante o comentário à primeira notícia (14 vezes) em relação ao comentário à segunda notícia (9 vezes). Durante a primeira etapa do comentário à primeira notícia verificam-se alguns exemplos de afirmações por parte dos participantes que dão a entender que os mesmos brincam com o facto de estar uma imagem tão positiva associada à notícia: “quase que podes fazer a festa na piscina” (festa de aniversário em novembro) (P31/7); ““até dá esperança” (a imagem positiva) (P17/4); “incrível, que todos os meses de setembro sejam assim, porque eu quero é que, por mim, se não houvesse inverno, estava tudo bem” (P4/1).

Em relação à segunda notícia, sucede o mesmo: “a imagem é tipo uma atenuante… põem um título agressivo e depois uma atenuante, que aquela imagem para as pessoas não entrarem logo em drama (risos)” (P4/1); “Mas não (põem imagens do degelo), é uma praia. Porque é muito bom a temperatura estar a acelerar” (P38/8).

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O uso da “ironia” e da expressão do “riso” é mais prevalecente no comentário às imagens que acompanham cada um dos artigos mostrados aos participantes. Isto pode ser explicado com a ideia de que há mais cautela por parte dos participantes em avançar com comentários em relação à alteração (em relação à literatura existente até então sobre este assunto) que é a introdução de um elemento positivo (imagem) nas notícias que cobrem o tema. Socialmente, não é aceite mostrar uma emoção positiva relativamente a este assunto, então recorre-se ao “riso” e à “brincadeira” novamente.

No geral, verifica-se, à semelhança de estudos anteriores, nomeadamente aos estudos de Caillaud e colaboradores (2015) e Fisher e colaboradores (2012), uma tendência por parte dos participantes para o uso da “ironia”, do “riso” e da “brincadeira” no sentido de ultrapassar algo com que ainda não sabem lidar. Neste caso, trata-se do facto de, durante a exibição das notícias, serem incutidas menos emoções negativas através das imagens que transmitem. Isto quer dizer que já começam a ser verificadas alterações nas representações sociais que os média constroem sobre o assunto das alterações climáticas e as vagas de calor. As emoções negativas decresceram da primeira e segunda fases das sessões para a terceira fase e quarta fases, quando se comentavam as notícias.

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