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iv. Da Possibilidade de Aplicação da MCDA no Direito Concorrencial

PARTE III. Metodologia Multicritério de Apoio à Decisão

III. iv. Da Possibilidade de Aplicação da MCDA no Direito Concorrencial

A parte II visou apresentar a MCDA, suas principais características, suas vertentes e, principalmente, sua razão de ser, isto é, o objeto que motivou a comunidade científica a construir um modelo metodológico aplicável a determinados problemas que não eram passíveis de solução com as metodologias então existentes. Como vimos, havia sete principais características dos aludidos problemas. Resta demonstrar que a celeuma dosimétrica da punição pecuniária do Tribunal do CADE se encaixa dentro dessa dogmática.

Quanto aos critérios de resolução, sendo no mínimo dois, estes conflituosos entre si, temos, por exemplo, a multa ótima. A punição pecuniária, como vimos, tem o duplo aspecto da multa ótima. Busca-se a reparação do dano, além do seu caráter dissuasório. Contudo, é cediço que raramente, para não dizer impossível, quantificar completamente o dano decorrente de uma infração anticompetitiva. Não obstante, não se deve ultrapassar o patamar da multa-ótima, isto é, uma punição por demais excessiva que leve a uma restrição injustificada da atividade econômica.

Sobejamente em se tratando de cartel, que é a pior e mais deletéria conduta anticoncorrencial, marcada pela obscuridade e pelo seu caráter secreto. Dessa forma, qualquer condenação concorrencial tem a pretensão de, ao menos, buscar a multa ótima, sem, todavia, alcançá-la.

136 idem 137 idem

Podemos compreender os incisos do art. 27 da lei antiga e art. 45 da lei nova também como conflituosos entre si. Consideremos, por exemplo, a duração do cartel. Não pode ser fator considerado para aumento da pena em todos os incisos, por óbvio, ou incorrer-se-ia em bis in idem.

Logo, em qual dos incisos estaria ela localizada? Há um choque entre os critérios que batalham entre si para abarcar tal fato tão importante para a verificação do dano causado por tal infração. Tal choque é melhor ainda observado com a segunda característica dos problemas enfrentados pela MCDA, isto é, a falta de definição clara e objetiva da escolha de determinada alternativa, não sendo devidamente compreendidas.

Alguns dos incisos são vagos: gravidade da infração, efeitos econômicos negativos, grau de lesão, por exemplo. Ora, é cediço que os cartéis são as infrações mais graves, com os efeitos econômicos mais negativos e com o grau de lesão mais grave. Indaga-se, porém, quão graves?

Quão negativos? Não é, necessariamente, quantificável e uma majoração, ou até mesmo a mera fixação da pena de multa, pode muito bem incorrer em uma multa final menor dos ganhos obtidos pelo cartel.

O exemplo que utilizamos acima evidencia a terceira característica: os critérios estariam interligados e pareciam “refletir parcialmente outro, enquanto a eficácia em se optar por uma alternativa específica dependia de que outra fosse ou não escolhida, no caso de as alternativas não serem mutuamente excludentes”138. Argumentamos que é intuitivo perceber que, quanto maiores os efeitos econômicos da infração, maior será o grau da lesão e, portanto, influencia na gravidade da infração. Inegável reconhecer que os incisos são correlacionados, conflitam entre si, justamente por refletir parcialmente um ao outro.

A quarta característica é ainda mais óbvia no direito concorrencial do que no judiciário: a solução do problema depende de um colegiado, cada membro com ponto de vista próprio, muitas vezes conflitantes entre cada um. O tribunal do CADE é organizado justamente como um órgão colegiado, espelhando, a certo ponto, a segunda instância do judiciário e os tribunais superiores. É formado por 6 Conselheiros, sendo um o presidente, detendo apenas o voto de minerva. Cada qual possui convicções próprias e preferências distintas.

Quanto à fixação da pena de multa em si, observamos, um duplo procedimento por parte dos decisores no que diz respeito aos artigos mencionados acima, principalmente em relação à redação dos dispositivos. O mandamento legal, nos dois casos, era de levar em consideração seus

138 (SILVEIRA JÚNIOR, p. 65)

incisos no momento de fixação da multa. A um, os Conselheiros mencionavam os incisos que consideravam pertinentes e daí fixavam a multa final de imediato, sem tomar uma multa-base e agravá-la ou atenua-la. A dois, os Conselheiros fixavam uma multa-base e a majoravam ou minoravam baseando-se nos incisos. Observamos, então, a quinta característica, que as restrições da dosimetria da pena de multa não eram “bem definidas, podendo existir dúvidas a respeito do que era critério e do que era restrição”139.

A penúltima característica diz respeito à possibilidade de quantificação dos critérios, seja por meio monetário, seja por juízos de valor efetuados sobre uma escala. A reincidência, por exemplo, é quantificável monetariamente no sentido de que dobra-se a multa final na condenação da empresa. Muitas vezes, também, é possível quantificar, por exemplo, exatamente qual foi o incremento nos preços praticados pelo acordo horizontal entre os concorrentes. Mas muitas vezes, há apenas juízos de valor, como nos efeitos econômicos negativos produzidos, ou do grau de lesão, até mesmo da gravidade da infração.

O último diferencial diz respeito à escala mencionada no parágrafo acima. Tal escala não requer, necessariamente, uma ordenação cardinal. Pode a escala ser tanto verbal, quanto ordinal, a depender “dos dados disponíveis e da própria natureza dos critérios”140. É fácil ver ao nos debruçarmos nos próprios danos do cartel. Muitas vezes é possível quantificar parcialmente os danos, seja no incremento dos preços, no aumento vertiginoso da receita e do lucro. Mas muitas vezes não é possível quantificar qualquer dano, hipótese na qual a jurisprudência do CADE é precisa em condenar a empresa baseando-se tão somente no dano presumido, dada a gravidade da infração que é atribuída aos cartéis, isto é, o status de ilícito per se.

Comparamos, tanto na “Parte II”, quanto na “Parte I”, a ausência de objetividade no aumento e na diminuição da pena com o direito penal, que majora ou minora a pena de 1/6 a 2/3.

Contudo, essa forma de modificação da pena base é uma forma legal, prevista na legislação penal e não na concorrencial. Não obstante, é uma forma mais rígida e menos flexível e dinâmica, características importantes para manutenção e preservação da discricionariedade, ponto nevrálgico das decisões administrativas do tribunal do CADE. Sob esse lume, a MCDA objetifica e individualiza não só cada um dos incisos, mas também os diferentes desdobramentos de cada um.

139 (SILVEIRA JÚNIOR, p. 65) 140 (SILVEIRA JÚNIOR, p. 65)

Tal objetificação é, como vimos, flexível, dinâmica e construtiva, de forma a melhor preservar a discricionariedade inerente na atividade do CADE.

Finalmente, podemos ver que a celeuma que identificamos como problemática está amplamente amparada pelas características determinantes para a aplicação da MCDA.

Encerraremos a “Parte II” comentando os limites desta metodologia a seguir.