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A. A vida mística e laboriosa

As ptincipais virtudes expostas na Regra e que t ê m directa mente a ver c o m o sentido do realismo da espiritualidade beneditina p o d e m entender-se c o m o u m a constelação estruturada e m t o r n o desse sentido central de h u m i l d a d e1 9 8. A pureza de vida e a oração, a obediência e o trabalho, salientam ainda várias faces desse sentido de reconversão do h o m e m a si próprio, ao seu 'conhece-te a ti m e s m o ' e ao reconhecimento da sua nulidade. A o contrário da teologia negativa da literatura mística de Dionísio, o Pseuso-Areopagita, até Mestre Eckhardt e outros, a ascese monástica representa antes o que se poderia dizer u m a antropologia n e g a t i v a1 9 9. N ã o tanto porque se aceite o u pratique u m discurso teológico racional sobre Deus, mas p o r q u e se espera a sua palavra e o seu d o m , únicos suportes da criação e incarnação h u m a n a e única maneira de preservar melhor a própria Palavra da Escritura e, sobretudo, a Revelação Evangélica.

Complementarmente, t a m b é m não se poderia afirmar, que à mística apofática conviesse a volta-face de u m a antropologia positiva ou humanística, embora nalguns casos históricos certo nominalismo científico pudesse inculcar tal observação. O que acontece antes é que a mística surge naquele sentido antropológico c o m o u m a corrupção da linguagem, u m a doença e u m a incapacidade de dizer, e talvez antes se devesse interrogar pelas condições de saúde espiritual

1 9 8 Cf. supra, p. 293, n. 189.

1 9 9 N e s t e sentido, o monge está nos antípodas d o místico; a via monástica liga-se a u m a «divinização» efectiva e real da vida de consagração a Deus, enquanto na experiência mística se afirma u m contacto d i v i n o que, de tão transcendente, se c o m p l e m e n t a afinal pela c o m u m afirmação d o h u m a n o c o m o tal.

dessa palavra que se pretende distender e se confere na impossibilidade d o inefável2 0 0. E que a palavra da ascese monástica não surge de u m ideal teológico, mas de u m a experiência prática d o conselho evangélico, maturada pelo silêncio, capaz de escutar o que aparente- m e n t e era indizível, o u misticamente seria mais perspectivado c o m o êxtase e «rapto» da própria inteligência2 0 1.

N ã o se põe e m causa a realidade excepcional da experiência mística, mas o que se faz n o t a r é que a maior parte das teologias ditas místicas não dispensam aquela condição de purificação a que só a experiência p r o f u n d a da ascese monástica soube conduzir. N ã o é a partir da superação de u m a lógica racional que se encontram as verdades d o espírito, mas pelo retorno dessa lógica às suas fontes experienciais mais completas, ao drama vivido de u m a abertura d o coração que n ã o hipertrofia a razão e m perplexidade de ininteli gível, o u e m visionarismo alienatório, mas antes faz o silêncio neces- sário para acordar o diferente poder d o vouç o u intelecto que é esse coração intuitivo e espiritual d o H o m e m2 0 2.

Daí que, à m a r g e m das vicissitudes de u m a teologia dogmática e de u m a teologia mística, surja o perene valor da ascese beneditina c o m o pedra-de t o q u e da realização espiritual. Só a partir desta base ascética completa se evita que seja e m termos de êxtase e de d o m transcendente, que mais se perde d o que aproveita à edificação espiritual e m o r a l dos homens, esse mestrado e apostolado que faz a cristianização do Ocidente. Mais d o que o êxtase, a ascese inculca n o sentido da interiorização, de u m a vida de santidade capaz de viver a eternidade no mundo, mais santificando do que libertando o h o m e m da sua própria c o n d i ç ã o2 0 3. D e facto, alguns exemplos da experiência mística revelam-na c o m o só ulteriormente recuperável de u m a f o r m a m u i t o parcelar, permitindo-se os histo- riadores da espiritualidade designar algumas motivações da vida

200 pa r a a contraposição entre o dizer prático d o m o n g e e a palavra mística, veja-se

t a m b é m o contraste entre a palavra realizadora profética ( t a m b é m poética e «sófica») e a expressão mística. C f . A . HESCHEL, God in search of Man (a Philosophy of judaism), N . Y . , Farrar, Straus & C u d a h y , 1955 e cf. t a m b é m C . H . d o C a r m o SILVA «Profecia e compreensão da actualidade •— D o m i t o da decadência d o O c i d e n t e ao apocalipse d o presente», in: Itinerarium, X X V I , n.° 107, (1980), pp. 137-188.

2 0 1 Já desde os Padres d o D e s e r t o que a prática d o s logia segue a tradição evangélica da palavra prática, oportuna e realizante d e uma sabedoria integral de vida. Ainda n o s alvores da vida cenobítica, c o m S. P a c ó m i o , se nota a m e s m a concepção alternativa da Regula, c o m o corpus d e ensinamentos orais. C f . Heinrich BACHT, «Pakhome et ses disciples (IVè siècle)», in: Théologie de la vie monastique —• Études sur la tradition patristique, pp. 3 9 - 7 Í . Veja-se ainda e m E v a g r o o sentido d o cânone, n ã o c o m o regula disciplinar mas conjunto de ensinamentos sábios. Cf. EVAGRO, Praktikós, 4 0 (ed. cit. supra, p. 592).

mística e m termos particulares: mística intelectualista, mística senti- mental e psicológica, mística do coração, e t c .2 0 4.

O r a , a perspectiva sintética da ascese beneditina, não só permite aquela base para u m a teologia mística global e integrativa de todas as atitudes e dimensões do ser h u m a n o , c o m o permite um regime diferencial capaz de dar sentido à expressividade de todos os seres, de todos os espaços e de todos os tempos sem os reduzir a u m m o m e n t o de experiência unitiva excepcional de êxtase místico2 0 5. Tal experiência unitária reduz ou a u m sentido de vida beatífica, ou a u m a unidade de concepção do divino, o que é antes a plurímoda diversidade da experiência de Deus e m todas as coisas e da visão mística contemplativa tornada habitual, interiorizada segundo a obediência e a humildade de u m r i t m o que é ainda o do tempo, a de suportar a Cruz, sabida embora a luz j á gloriosa da Ressurreição 2 0 6.

N o entanto, este r i t m o da ascética beneditina que tipifica o realismo de u m a vida mística n o Ocidente cristão consentânea c o m o magistério da Igreja, ou seja, c o m as formas regulamentares, mediadoras e sacramentais, que fazem do caminho d o t e m p o u m constante apelo e condição de eternidade, não t e m sido suficiente- mente sublinhado a c l o n g o do ciclo histórico da insiituição monás- tica. Confundindo-se a ascética c o m formas de encratismo e de negativismo perante a vida, dada sobretudo a identificação dela c o m certas técnicas o u práticas não compreendidas n o seu t e m p o próprio e na sua própria oportunidade, e sobrevalorizando-se, por outro lado, o sentido da vida mística c o m o u m a proposta mais fácil à devotio moderna, depois característica de certo pendor das Igrejas R e f o r m a d a s e t a m b é m das devoções particulares, n o subjecti- vismo romântico de certo Cristianismo m o d e r n o , chegou-se mesmo a perder de vista o sentido e o lugar próprio da vida monástica.

202 RB, Prol. 40: «Ergo praeparanda sunt corda nostra et corpora sanctae proeceptorum

oboedientiae militanda, (...)».

2 0 3 Cf. ainda P. de PUNIET, «Benoît (Saint)», in: D S , t. II, cols. 1388-1409.

2 0 4 Veja-se o carácter particular da experiência mística, b e m c o m o dos temperamentos psicológicos. Para a generalidade da questão, A l d o u s HUXLEY, The Perennial Philosophy (1945), trad, franc., Paris, D u Seuil, 1977, pp. 177 e segs..

2 0 5 O unitarismo n o e n t e n d i m e n t o da experiência mística fica-se d e v e n d o a um plotinianismo sistemático, que, aliás, não corresponde ao seu sentido mais p r o f u n d o .

2 0 6 C f . RB, Prol., 49-50: «Processu vero conversationis et fidei, dilatato corde itienar- rabili dilectionis dulcedine curritur via m a n d a t o r u m D e i , ut ab ipsius n u m q u a m magistério discedentes, in eius doctrinam usque ad m o r t e m in monasterio perseverantes, passioribus Christi per patientiam participemur, ut et r e g n o eius mereamur esse consortes».

Antes foi entendida e m termos tolerados de certo eremitismo entregue a tarefas laboriosas e pacientes, o u apenas adequado a u m a certa vocação temperamental dentro da Cristandade2 0 7.

O r a , a ascética monástica não p o d e ser julgada c o m o resíduo de experiências de vida cristã arcaicas, socialmente ultrapassadas e sem lugar n o b i n ó m i o suposto exaustivo da vida objectiva social e clerical e de certas propensões especializadas dessa mesma vida, sob a f o r m a de diversas religiosidades peculiares e t a m b é m , nomeada- mente, dessa polarização subjectiva que se julga ser o cerne de u m a vida mística, n e m e m t e r m o s de u m a psicologia diferencial que entenda o m o n g e c o m o u m caso de psicologia2 0 8.

Ainda que estes m o d o s de entendimento pudessem legitimar-se a propósito de certos m o m e n t o s de crise da vida monástica e de n ã o observância real de u m a ascética c o m o a da R e g r a beneditina, tendendo-se então para u m a certa imitação exterior, isso não bastará para anular aquele sentido mais radical da ascese e o lugar perene da via monástica c o m o interpelação da vida cristã. D e facto, não é só a ascese aquela base para u m a teologia completa e mais integral, capaz de mostrar que certos ensinamentos n ã o serão inteli- gíveis sem as condições morais, mas t a m b é m psicológicas e até físicas para a sua inteligência, c o m o ainda de mostrar que ela aponta para u m caminho f u n d a m e n t a l de reconhecimento do h o m e m a partir de u m a visão mais completa, e afinal transcendente, de si p r ó p r i a2 0 9.

C o m o se deverá lembrar, a ascese é, neste sentido, e f u n d a - mentalmente aquilo que ela diz etimologicamente — u m exercício, u m a intensificação, u m a concentração de energias capazes dessa reintegração d o S e r2 1 0. C o m p l e m e n t a r m e n t e , é o ideal da Regra beneditina u m a f ó r m u l a de vida que se inscreve nesse sentido de passagem d o e f é m e r o ao permanente, d o ter ao ser e do menos ser ao ser em plenitude.

Então, só de u m p o n t o de vista extrínseco, e j á meramente histórico, se poderá entender a ascética c o m o restritiva, ou negativa,

2 0 7 Cf. ainda D o m Claude JEAN-NESMY, Saint Benoit et la vie monastique, pp. 108-109.

2 0 8 Cf. A . HUXLBY, The Perennial Philosophy, ed. cit., pp. 7 3 e segs..

2 0 9 É ainda o yvcóíH craùxôv de Sócrates e das tradições sapienciais. D e v e - s e notar que os estudos d o socratismo cristão n ã o t ê m dado o suficiente relevo às condições monásticas e m que se desenvolvia a prática dessa anamnese e t a m b é m desse hesycasmo. Cf. Louis de BAZBLAIRE, art. «Connaissance de soi», in D S , t. II, cols. 1511-1543.

2 1 0 Tal ascese corresponde a u m a intensificação cordial. Cf. t a m b é m A . GUILLAUMONT, «Le «Coeur» chez les spirituels grecs à l'époque ancienne», in: art. «Cor et cordis affectus», in: D S , t. II-2, cols. 2281-2288, cf. supra, p. 2 7 0 e n. 106.

em relação às forças e formas da Vida. Se ela é contra natura será apenas na medida e m que aponta para u m a sobrenatureza e exige mais à própria natureza d o que a sua inércia lassa e a sua inevitável entropia final. E q u a n d o a d v ê m as f o r m a s críticas de u m a cons- ciência histórica que apela para os «sinais dos tempos», confundindo-os c o m meras determinações da historicidade, e se afirma que o m o n g e e a instituição monástica serve b e m dentro de u m quadro de realização modelar do período de f o r m a ç ã o da sociedade europeia, esquece-se que, c o m o se disse, o factor deter- minante da eficácia ascética da vida monástica não é o seu quadro espacial, mas o seu critério t e m p o r a l2 1 1.

O que importa não é saber se e m determinada época os mostei- ros eram possíveis e até desejáveis c o m o focos de irradiação da trans- formação agrícola, social, cultural e espiritual dos povos e m seu redor, ou se, noutra época, c o m o por exemplo a contemporânea, não h á j á condições para u m a vida localizada e m mosteiros, sendo romântico desvario ver os monges em impecável hábito dedicados às ditas ocupa- ções monásticas, c o m o sejam, das formas de agricultura, às ocupações de documentação e história erudita, passando p o r artesanato manual, pelas artes da herbanária e da apicultura, etc. T a n t o o espaço justificado do convento, c o m o o seu entendimento, quase c o m o f o r m a etnográfica alienatória e m relação a graves problemas da comunidade nas novas estruturas da megalópolis, jogadas n o traveja- m e n t o da aceleradíssima dinâmica da comunicação social e dos meios de comunicação e movimentação dos grupos h u m a n o s na sociedade contemporânea, são determinações insuficientes e que não captam o cerne da função monástica2 1 2.

Aquilo que concede à ascética de S. Bento u m a transcendência histórica é justamente a de ser t a m b é m u m a ciência do tempo, u m saber espiritual das medidas temporais da vida, o u seja, de constituir a regra da estabilidade c o m o condição de fundamentação de u m a História, que não aliene, mas que antes seja t e m p o interior de reconversão2 1 3. Esta estabilidade, que justamente foi notada c o m o u m dos aspectos mais característicos do cenobitismo da Regula, não pode apenas ser entendida pela razão imediata de u m a função

2 1 1 C f . supra, p. 291 e n. 183.

2 1 2 C f . D o m C l a u d e JEAN-NESMY, Saint Benoit et la vie monastique, pp. 1 0 9 - 1 1 0

2 1 3 É u m d o s aspectos mais originais da Regula beneditina: o s u b l i n h a d o dessa f i x a ç ã o o u a n u l a m e n t o da f u n ç ã o d e itinerância o u deslocação. O m o n g e t e m de procurar o ritmo n o t e m p o e n o r e g i m e d e vida, q u e n ã o nas m u d a n ç a s d e lugar. C f . G . CotOMBÁs, El moiiacato p'imitivo, t. II, p 201 e s e g s : «Estabilidad.»

disciplinar e m relação aos monges giróvagos e àquela vida peregrina que antes denuncia u m a inconstância interior, u m estar preocupado, n e m rítmico, n e m ancorado a u m a realização harmónica e equili- brada2 1 4. A fixação da morada do m o n g e ao convento, a perpetui- dade dos seus votos, a fidelidade da sua vida, são afinal u m a f o r m a mais explícita de u m compromisso essencialmente temporal, de u m dar corda a esse relógio do espírito que há-de ritmar pela estabili- dade d o Ser a própria condição do estar. E neste sentido que a estabilidade da vida monástica, estabilidade ontológica, n o sentido rítmico e cronológico da vida humana, subsiste m e s m o quando o mosteiro, ou a condição de u m estar, j á n ã o corresponda de m o d o a l g u m ao cenóbio primitivo. N e m importará restaurá-lo, mas compreender que a vida e m c o m u m dos monges ultrapassa a distância que fisicamente os possa aproximar o u afastar, estando a verdadeira fraternidade e a verdadeira experiência c o m u m enri- quecida p o r esse sacrifício, p o r exemplo, desse outro deserto que é a megalópolis contemporânea. E, q u a n d o os monges são hoje òs operários anónimos mas impecáveis nesse exercício de u m a ascese completa, dando testemunho da vida evangélica, m e s m o fora do convento, o que ainda os une e o que, afinal, os torna solidários dá essência d o h u m a n o , é essa Revelação a que a santidade dos monges inspirados d o passado, e e m especial o ditame rítmico, r e g r a d o d o regime de vida beneditino, inculca desde o início2 1 5. A ascética beneditina é, afinal, sem mais, o comentário vivo daquela exigência radical da espiritualidade que tinha convertido Santo Antão à experiência-limite do deserto — a do ensinamento evangélico dado ao h o m e m rico: «deixa tudo, vende t u d o o que tens e segue-me»2 1 6.

2 1 4 C f . RB, 1 : 1 e s e g s . ; v e j a - s e G . M . C O L O M B A S , L . M . S A N S E G U N D O , O . M . C U N I L L ,

San Benito..., pp. 124 e segs..

2 1 5 «The kings and the dictators and the m i g h t y o f the w o r l d accomplish their

w o r k s w i t h great noise, w i t h speeches and drums and loud-speakers and brass and the thunder o f bombers. B u t G o d w o r k s in silence.»; «There is o n l y o n e reason for the m o n k ' s existence: n o t f a r m i n g , n o t chanting the psalms, n o t building beautiful monasteries, not w e a r i n g a certain k i n d o f c o s t u m , not fasting, not manual labor, not reading, not meditation, not vigils in the night, but o n l y GOD. (...)» ( T h o m a s MERTON, The waters of Siloe, cap. X I V : Paradisus claustralis, pp. 3 3 2 e 335).

2 1 6 Cf. Mt. 19:21: «si-9iX£ig -reXeioc; e i v a i , U7taye nukrftov a o u ra umxpxovTa x a i 86q 7tT(o/oti;, x a i Sbjaaupov i v oupavot«;, x a i Seupo a x o X o u S c , jxoi.»

B. Cenobitismo e cultura

O pensamento histórico que sempre esquece essa ascese do t e m p o e esse r i t m o da memória na dimensão meramente linear da comemoração, acentua entretanto os aspectos institucionais que concretizam o uso e o êxito da Regula beneditina. O que era laboratório de vida espiritual e de transformação interior do h o m e m é agora entendido 110 valor h u m a n o e p r o f a n o das coisas da cultura. Ora, apesar desta redução do cenobitismo beneditino à lógica da cultura, ainda assim se poderá relevar o seu alto valor c o m o m o d e l o construtivo de u m espaço social e até político determinante n o período de formação da E u r o p a da Alta Idade M é d i a2 1 7.

Mais do que sobrevalorizar a irradiação histórica das diferentes ordens religiosas que n o Ocidente derivaram quase exclusivamente desse lastro da vida monacal beneditina, deve dizer-se que a partir do século xii, o u até j á u m pouco antes, se assiste a u m a certa crise daquele modelo de que o mosteiro beneditino era testemunho e x e m p l a r2 1 8. Poder-se-ia dizer que o desenvolvimento da vida feudal e urbana a partir do século xi virá a dispensar esse modelo de algum m o d o artificial ensaiado pela vida cenobítica determinada pela Regula. E o que se passa nas sucessivas reformas religiosas parece ser a necessária compensação e ajuste do monaquismo às formas das diversas confrarias religiosas, depois t a m b é m ordens mendi- cantes, etc., que vivem já na órbita da vida eclesial e até coadjuvante da m e s m a2 1 9.

2 1 7 É t a m b é m a perspectiva eclesial que desde c e d o se faz sentir: «Em suma, la Iglesia se había esforzado e n disciplinar el exuberante desarollo dei m o n a c a t o , pero los cânones conciliares, incluso los de Calcedonia, f u e r o n a m e n u d o letra muerta. El Estado n o o b t u v e

m á s ê x i t o c o n sus intervenciones. Se acabo el siglo V , y el m o n a c a t o Cristiano seguia

Uevando e n su seno u n e l e m e n t o de inquietud y perturbación. La Obra de general o r d e n a m i e n t o estaba todavia por hacer. E n Oriente intentara llevarla a cabo el imperador Justiniano, m u y d e v o t o de los monjes; e n Occidente, las Uamadas «reglas de síntesis», c o m o las de San Cesáreo y San B e n i t o y la Regula Magistri». (G. COLOMBÁS, El monacato primitivo,

t. I, p. 342).

2 1 8 Cf. José MATTOSO, Espiritualidad monástica medieval in: Hist. de la Espirit., t. I, p. 8 7 0 e segs.; e cf. Ph. SCHMITZ, Histoire de l'Ordre de Saint Benoit, I, pp. 127-247.

2 1 9 «...todos seguían la R e g i a de San B e n i t o . La situación se mantiene hasta la aparición de los canónigos regulares que, n o siendo monjes, constituyen ordenes religiosas que n o siguen la Regula Benedicti. T a m b i é n antes d e ellos, durante los siglos XI e x n , c o m i e n z a n a constituirse otras famílias que, aunque siguiendo la R e g i a de San B e n i t o y siendo monjes, tienen tales características que n o se les puede llamar Benedictinos. S o n los Camaldulenses, Valumbrosanos, Grandmontinos, la C o n g r é g a t i o n de Fontevrault, y, sobre- pasando a t o d o s e n importancia, los Cisterciences». (...)» Para los Beneditinos de esta época, el m o n j e continua siendo, c o m o e n los siglos anteriores, el h o m b r e que abandona

N o entanto, se se deve reconhecei que M o n t e Cassino, c o m o Subiaco, são modelos a repetir que c o n v ê m à pedagogia dos bárbaros recém-cristianizados e o b t ê m êxito na melhoria das condições de vida social, mercê de u m e m p e n h o , p o r exemplo, n u m trabalho t o d o ele integrado de honestidade e profícuo esforço na verdadeira revolução agrícola e m relação aos métodos estatutários hieráticos, sujeitos à corrupção dos interesses, da antiga organização estatal romana, todavia, a manutenção desses mosteiros e m épocas m u i t o mais tardias parece ainda dever ser valorizada, e justamente na dimensão histórica ainda referível pelo sinal de contradição e pelo valor de u m anacronismo c o m o sinal de alternativa de v i d a2 2 0.

D e facto, se se pensar na utilidade política e social que tinha nos primeiros tempos a organização disciplinada do mosteiro c o m o célula económica de u m a sociedade quase auto-suficiente, induzindo a formas de relação corporativa e m termos de mestre e discípulo, e t a m b é m ao ideal da caracterização do poder e m termos de u m poder espiritual e temporal c o m o o do A b a d e2 2 1, e ainda se existe u m a directa utilidade do convento c o m o escola, logo imitada pelas escolas catedrais, e depois pelas universidades, constituindo o vínculo de u m a cultura e de u m a pedagogia que é t a m b é m base da própria civilização2 2 2, esta visão conformista e plenamente justi- ficada e m termos pragmáticos da história do beneditismo antigo perde-lhe justamente aquela capacidade de constituir uma alternativa de vida e m termos verticalistas e não horizontais n e m essencialmente históricos 2 2 3.

el m u n d o para entregarse c o m p l e t a m e n t e a Dios. Pero el c o n t e n i d o dei c o n c e p t o se enriquece. Los Benedictinos descubren ahora que se d e b e n entregar a D i o s , pêro también desempeflar u n papel e n la Iglesia». (José MATTOSO, Espiritualidad monástica medieval, p. 870-871).

2 2 0 É t a m b é m a dimensão escatológica d o testemunho da vida monástica. Desprendidos d o temporal v i v e m - n o , n o entanto, c o m o a «incarnação da própria eternidade». Cf. A . VÕÕBUS, History of Asceticism in the Syrian Orient, t. 2, p. 318. C f . t a m b é m G. COLOMBÁS, EI monacato primitivo, t. I, pp. 351 e segs.

2 2 1 C f . L. BOUYER, La spiritualité... p. 610-611 «(...) l'abbé, tel que le décrit la

R è g l e , présente u n d o u b l e aspect irréductible (...) D ' u n e part, c o m m e abbé, il est l'héritier des grands charismatiques, des «pères spirituels» (...) D'autre part, il est, si l ' o n peut dire, une personne publique, j u r i d i q u e m e n t m u n i e de p o u v o i r s définis qui le placent à la tête d'une société pour la régir, t e m p o r e l l e m e n t aussi bien que spirituellement, tout entière c o m m e dans chacun d e ses membres».

2 2 2 Para o estudo da dominici scola servitii (RB, Prol.) Cf. P. RICHÉ, Éducation et culture dans l'Occident barbare, p. 150: «certains historiens o n v u dans la scola l'équivalent d e militia et ont pensé que B e n o î t , reprenant une i m a g e classique depuis Saint Paul (...) mais ( . . . ) il désigne le monastère c o m m e u n endroit o ù l ' o n acquiert une science».

D o p o n t o de vista da história subsequente da Regula beneditina poder-se-ia mais julgar ver esse apelo a u m restauro da vida espiritual, sempre alternativo e m relação aos bens da cultura mundana e da cidade terrena, nas formas diversificadas dos filhos da religiosidade beneditina. Mas n ã o é verdadeiramente nas formas de vida religiosa historicamente determinadas que se p o d e descobrir a grandeza espiritual da persistente humildade do exemplo de vida beneditino. E antes nos m o m e n t o s de crise e m que mais i n c o m - preendida é a instituição monástica e menos aceites os monges, é nesses m o m e n t o s e m que mais a vida torna evidente o sacrifício, o custo e o paradoxo deste destino, que se dão os grandes m o v i - mentos de a p r o f u n d a m e n t o místico e do sinal de alternativa de vida e m relação à celeridade cega da civilização2 2 4. N a humildade, na quietude e n o silêncio, o trabalho dos monges persiste paciente, lúcido, quer renovando-se na atenção à Regra, quer naquela f o r m a prática de oração e de trabalho, cujos resultados santificantes, suportados n o sacrifício voluntário pelos outros são, p o r certo, fontes de B e m e de Bênção, embora talvez imperceptíveis para a maior parte dos que constituem a sociedade m u n d a n a2 2 5.

Daí que seja importante não apenas p o r tradição, mas pela vocação profunda de u m a alternativa à crise d o m u n d o m o d e r n o , a persistência da realização do ideal monástico que, segundo a perenidade da Regula constitua c o m o o próprio Evangelho u m sinal de contradição. A o trabalho entendido e m termos p r e d o m i - nantemente económicos e, j á não morais, n e m espirituais, sobretudo a partir da crise de compreensão do h o m e m , crise da metafísica e advento de ideologias parcelares c o m o a da racionalização do trabalho, do ideário pragmatista e liberal da revolução industrial, da sociedade do capitalismo e do c o n f o r t o desintegrado de u m sentido global da vida, pode contrapor-se esse o u t r o exercício de vida que é ainda a manufactura d o que é indispensável ao bem-viver, ao belo-viver e a esse viver integral o u de santidade2 2 6. Se não se deve romantizar a oposição dessa manufactura d o alimento, do vestuário ou da habitação c o m o ditos bens essenciais à vida, p o r oposição às actividades industriais de u m a tecnologia j á u m pouco

2 2 4 C f . J. MATTOSO, La espiritualidad monástica durante la Edad media, p. 8 7 0 e segs.

2 2 5 Este aspecto mais directamente místico, o u d e santificação e irradiação de bênçãos n ã o é d e v i d a m e n t e explicitado na síntese dos principais serviços d o m o n a q u i s m o à Igreja proposta p o r G. COLOMBÁS, El monacato primitivo, t. I, pp. 351 e segs.

2 2 6 C f . D o m Claude JEAN-NESMY, Saint Benoit et la vie monastique, p. 8 0 e segs.: «un travail qui est une prière».

cega na sua própria inércia, mais complicando a vida, o certo é que não é propriamente o conteúdo do trabalho que determina o m o n g e beneditino contemporâneo a não preferir talvez ser operário n u m a fábrica de automóveis e antes cooperar n u m a instituição de assistência social, n u m a tipografia ligada ainda ao sentido da insti- tuição da cultura, etc. 2 2 7. N ã o é a tecnologia que está posta e m causa, mas a qualidade d o trabalho, que j á não seja compatível c o m

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