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IX PSI e a revolução cristã

No documento Parapsicologia Hoje e Amanhã (páginas 81-83)

Rompida com a prova científica da existência das funções psi a concepção organocêntrica da vida, a tendência egocentrista do homem sofre a sua última derrota no campo da Filosofia e da Ciência. O orgulho humano, que na sua futilidade fizera do nosso planeta o centro do cosmos, e posteriormente da nossa forma animal de vida o centro do psiquismo, a única possibilidade de manifestações vitais inteligentes, foi abatido no seu último reduto. Psi abre as portas do mundo extrafísico, segundo afirmou Rhine, e completa a revolução da Física Nuclear revelando a outra face do cosmos, até agora apenas vislumbrada pela intuição filosófica, artística e religiosa.

Ao fazer isso psi transfere o problema humano do temporal para o atemporal, para a duração. O conceito estático de eternidade não seria admissível, a menos que aceitássemos a imobilidade aristotélica. Na duração o dinamismo psíquico se apresenta em sua plenitude, como o revelam as experiências parapsicológicas, superando todas as barreiras conceptuais de espaço e tempo. Temos então, aquele universo piano de deuses de que falava Tales, não no sentido greco-mitológico mas no sentido psi, ou seja, da existência de entidades psíquicas além de todas as nossas possíveis barreiras. E claro que essa conseqüência lógica de psi não poderá ser cientificamente demonstrada senão no futuro, com o avanço da investigação além das próprias barreiras físicas do método quantitativo. Mas teoricamente ela se impõe desde já, desde o momento em que, como num passe de mágica, dentro das próprias condições rigorosas da investigação de laboratório, as cartas Zener e os dados de Rhine abriram a primeira brecha na concepção física do Universo.

Colocados, assim, diante daquela realidade extrafísica que Carl Du Frei chamava outro lado da vida, verificamos imediatamente algumas conseqüências para as relações sociais, da mais alta importância filosófica, política e econômica. Na primeira dessas ordens, a filosófica, temos a reafirmação prática do princípio teórico da liberdade. Os experimentos de precognição parecem contrariar esta dedução, revelando uma estrutura determinista do processo existencial. Essa primeira impressão decorre da nossa prisão conceptual, nos limites de tempo e espaço. A precognição, se de um lado revela a existência de um determinismo na seqüência dos eventos, de outro lado demonstra a possibilidade de penetração da mente nesse determinismo e conseqüentemente a sua possibilidade de ação sobre ele. A mente não é apenas espectadora passiva dos acontecimentos, mas a modeladora e condutora destes. Esse fato se patenteia particularmente nas experiências de telepatia precognitiva, onde se verifica, como nas observações de Carington, que o pensamento deflagra uma ordem causal ou sincrônica de eventos. É o caso das estruturas psicônicas ou das estruturas mentais, em que o percipiente consegue penetrar descobrindo

os elementos não-revelados que constituem todo um plano de experimentação.

O princípio de liberdade, tão limitado no plano existencial, mas que assim mesmo serviu para a definição sartreana da essência do homem como sendo a própria liberdade, reafirma-se e amplia-se nessa outra face do existencial que é a existência extrafísica, em termos de psi. Domínio do espaço e do tempo, ação da mente sobre a matéria e sobre a estrutura determinista dos eventos extrafísicos: são estas as características da liberdade psíquica muito mais ampla e fecunda que a liberdade humana doplano temporal. A mente é livre de penetrar o espaço e o tempo em todos os sentidos — do que podemos ter a nossa experiência comum através do pensamento — e livre para se determinar a si mesma e determinar a cadeia de eventos que lhe convém ou não desencadear. Não temos apenas a reafirmação, mas também a ampliação do princípio de liberdade.

A seguir, na ordem política — que também se abre para as perspectivas místicas da polis celeste — temos a reafirmação e a ampliação do princípio de igualdade. Os homens já não são iguais somente perante a lei, no plano dos direitos convencionais, mas também e sobretudo perante a sua funcionalidade, a sua função na ordem cósmica. A igualdade humana rompe as comportas do convencionalismo, supera os conflitos do organocentrismo — provenientes da extrema variabilidade orgânica no plano étnico — e projeta-se como realidade extrafísica, superando o existencial (que no caso se apresenta simplesmente como o circunstancial) para afirmar-se como essencial. Os homens são essencialmente iguais, como o comprova a observação de suas possibilidades mentais, intelectuais e emocionais (ou estéticas) na própria observação comum. A natureza mesma das funções psi, como manifestações de um psiquismo primitivo comum aos animais e ao homem, revelando apenas graduações evolutivas, demonstra a igualdade psíquica fundamental como potencialidade sujeita às mesmas leis e aos mesmos processos de atualização, de maneira universal. Assim como no plano biológico o recém nascido é potencialmente igual ao adulto, no plano psíquico a igualdade potencial se apresenta válida, e ainda mais, enriquecida pela irredutibilidade e a irreversibilidade do psiquismo. As experiências de psi com retardados mentais demonstrou que a atrofia psíquica é apenas decorrente das deficiências orgânicas do plano físico, podendo os retardados, como os psicopatas em geral, exercer suas funções psi tão bem ou melhor que os indivíduos normais.

No tocante à economia, psi nos arranca da infra-estrutura material como o mineiro que arrancasse minérios das entranhas da terra para convertê-los em utilidades da superestrutura cultural. A economia de psi não é simplesmente econômica, mas ético- econômica. Nesse novo plano da ético-economia nossos conceitos se elevam acima da matéria e da energia, para atingirem, além do que conhecemos comumente por psiquismo, a área de psi propriamente dita. Nessa área temos uma superestrutura de funções psíquicas onde a fraternidade se apresenta como lei. As experiências parapsicológicas revelam a inviabilidade de psi entre pessoas que não se estimam. A simpatia é condição básica para a sintonia mental e psíquica que produz os resultados significativos na experimentação de laboratório. Simpatia, sintonia, harmonia, eis os termos que nos podem abrir as portas da concepção ético-econômica do Universo, reafirmando e ampliando o princípio da fraternidade.

Dessa maneira vemos que psi nos aparece como a seqüência lógica do processo histórico do Cristianismo. A revolução cristã, que minou a estrutura de injustiças do mundo clássico e preparou o advento do mundo contemporâneo através do Renascimento e da Revolução Francesa, renova-se e amplia-se na conquista desta nova concepção do homem e do mundo que a Parapsicologia nos propõe. Não nos esqueçamos de que, segundo

Wilhelm Dilthey e Whitehead, o milênio medieval não foi mais do que a preparação do Renascimento, predispondo o homem para a volta à cultura clássica, mas através do enriquecimento conceptual do Cristianismo. Psi prossegue essa revolução ao provar cientificamente a transcendência do homem.

Estamos no fim de outra fase de preparação histórica. O processo dialético se evidencia novamente: à fase teológica do medievalismo (com acentuação metafísica) sucede a fase positiva da era científica. Aquela preparou o advento da razão, esta prepara o advento da intuição. As formas fragmentárias —. porque racionais, analíticas, da percepção e do conhecimento — sucedem-se as formas gestálticas da percepção intuitiva que proporcionam o conhecimento global. Passamos da tese teológico-metafísica à antítese científico-positiva, e desta à síntese psicológica que se inicia com as investigações da Parapsicologia. Aos três estados da lei positivista de Augusto Comte o Prof. Rhine acrescenta o estado psicológico, com a descoberta científica das funções psi, repetindo o gesto de Kardec em abril de 1868, como se pode ver na "Revue Spirite ".

No documento Parapsicologia Hoje e Amanhã (páginas 81-83)