• Nenhum resultado encontrado

JAGUARÃO, RIO GRANDE DO SUL – BRASIL

Jaguarão integra a rede de cidades marco que definiu a linha divisória das posses territoriais das coroas ibéricas nesta região (MARTINS, 2001). Atualmente, conta com uma população estimada de 27.931 habitantes, distribuídos em uma área de 2.054 km2 (IBGE, 2010). Sua economia é baseada na pecuária, com predominância de rebanhos bovino e ovino, e agricultura, principalmente a cultura de arroz, além do setor de serviços. Possui uma grande importância rodoviária, sendo o menor caminho entre a capital do Estado, Porto Alegre, e a capital do Uruguai, Montevidéu, igualmente a cerca de 380 km de cada cidade.

A história da ocupação da cidade de Jaguarão remonta a disputa de terras entre as Coroas Portuguesa e Espanhola, desde o interesse pelo Rio da Prata e a fundação da Colônia de Sacramento, porém vem a efetivar-se por ocasião do Tratado de Santo Ildefonso, firmado em 1777. Inicialmente, essa ocupação se deu por meio de sesmarias concedidas pela Coroa Portuguesa, já a partir de 1790, junto à costa do rio Jaguarão, da Lagoa Mirim e seus afluentes, sem maiores atenções às regras estabelecidas no Tratado de Santo Ildefonso. Neste mesmo período, como reação frente ao expansionismo português, as forças espanholas fundam quatro guardas, entre as quais uma na margem esquerda do rio Jaguarão, no que corresponderia aos subúrbios da atual cidade de Jaguarão (FRANCO, 1980).

A questão da delimitação dos poderes das Coroas acirrou-se por ocasião da Guerra de 1801, quando a Espanha, na figura do rei Carlos IV, declara guerra a Portugal, com a invasão de Alentejo. Nesse momento, mesmo findo o período da curta batalha – de março a junho do mesmo ano – sendo Espanha a vencedora do conflito, ocorrem uma série de enfrentamentos entre lusitanos e espanhóis nas áreas meridionais do território em disputa na América, resultando no translado das forças espanholas para Cerro Largo, no Uruguai, e no estabelecimento dos portugueses na porção de terras próximas ao Rio Jaguarão, antes pertencentes aos inimigos. Com isso, os militares garantiam a localização estratégica para a instalação de sua guarda, através de uma via navegável para o porto de Rio Grande, e assim conseguindo obter mais facilmente mantimentos para os combatentes. Nesse sentido, a comunicação fluvial, diante da escassez de estradas, fora fator decisivo para a mudança do acampamento de Jaguarão-Chico, onde estavam aquarteladas as forças portuguesas, para um lugar mais próximo à barra do rio. Sobre este assunto versa uma correspondência enviada pelo Cel. Manoel Marques de Souza, em 1801:

Torno a participar a V. Sa. que toda esta tropa está sumamente mal assistida e beneficiada, por falta de meios. O que mais me aflige é todos os dias aumentar-se o número de doentes e não ter coisa alguma para os contentar. Para podermos ser mais socorridos, lembra expor a V. Sa., no caso que os espanhóis se diminuam, irmos

acampar na Barra do Jaguarão, aonde pode vir um iate trazer mantimentos, etc., e ali termos a Estância de El-Rei com bastante gado, e não fazer-se essa despesa, além da boa comodidade para as cavalhadas. O lugar em que estamos, além de ser longe, é muito áspero para o transporte de carretas, que são poucas, enfim V. Sa. queira ter a bondade insinuar-me a este respeito. (MARQUES

DE SOUZA apud FRANCO, 1980, p. 22, grifo nosso).

Se em período anterior a economia estava centrada na pecuária e nas estâncias, a partir da guarda militar estabeleceram-se as bases para o desenvolvimento da estrutura urbana residencial e comercial. Além das sesmarias já concedidas antes do acirramento das disputas territoriais, grande parte dos oficiais que tiveram participação nos combates de 1801 já eram ou viriam a ser concessionários de terras na região disputada (FRANCO, 1980), incrementando o povoamento e intensificando a exploração pecuária na região. Segundo Martins (2001), é neste período de estabelecimento da fronteira entre as possessões espanhola e portuguesa que se alicerçam as bases para o seu desenvolvimento e da áreas adjacentes: a questão militar, a criação de gado e o comércio, legal e ilegal. Ainda segundo o autor, a questão referente à posição geográfica de Jaguarão na linha de fronteira será um elemento influente em todas as etapas de desenvolvimento da cidade, tanto por sua distância dos centros urbanos, quanto por estar submetida às flutuações econômicas e políticas que se processavam na outra margem do rio Jaguarão.

Com a diminuição das hostilidades ocorre o desenvolvimento das atividades pastoris e comerciais pelos militares e outros comerciantes que ali se estabeleceram. Inicialmente, em função do perigo iminente representado pela linha de fronteira, a população que se estabeleceu na área próxima à fortificação era composta de pequenos comerciantes que abasteciam os soldados, oficiais e a população dispersa no meio rural, que também se aproveitavam da condição fronteiriça e do conseqüente trânsito dos viajantes que cruzavam a fronteira pelo rio Jaguarão. A fixação de povoado nesta área tornava-se uma preocupação para o Comando da Guarda de Fronteira que, temendo a proximidade da guarda espanhola, objetivava o estabelecimento do núcleo populacional longe das margens do rio. Entretanto, a presença da guarda portuguesa e a vizinhança com o território da Banda Oriental, que propiciava a intensa circulação de pessoas, constituíam-se em fatores estimulantes à formação do povoado, além da facilidade de comunicação com outras regiões através do rio. Em 1802, é erigida a primeira casa de residência para os comandantes na atual área central de Jaguarão, e, em 1811, são concedidos os primeiros terrenos urbanos na Guarda do Serrito. Já no ano

seguinte, em função do crescimento do núcleo, impulsionado pela movimentação militar, comércio e criação do gado, Jaguarão é elevado à categoria de Freguesia, através de Resolução Régia de 31 de janeiro de 1812, na qual o Bispo do Rio de Janeiro, D. José Caetano da Silva Coutinho, enfatiza a escolha do local de construção da Capela:

E havendo de dar o Assento da Igreja Parochial no logar mais accomodado ás circunstancias, parece-me que deva ser a Capella denominada a Guarda da Lagoa, e não o oratório da Fazenda de Manoel Jerônimo, como dizem; a qual Capella, posto que não seja o ponto mais central do referido espaço, hé contudo o mais

acompanhado de moradores, o mais fértil, e mais bem disposto para o estabelecimento das Charqueadas, e próximo ao Rio Jaguarão para facilitar a exportação dos seus generos, e por tudo isto promete a mais rápida e florente população. (COUTINHO apud FRANCO, 1980, p. 46, grifo nosso).

Já em 1815, na então Freguesia do Espírito Santo do Serrito de Jaguarão, estão estabelecidas duas praças que ainda figuram no centro histórico de Jaguarão. São elas: a Praça do Desembarque ou da Marinha, e também chamada de Praça do Comércio (possibilitado em parte pelo escoamento da produção por via fluvial), e a Praça Militar, atualmente denominada Dr. Alcides Marques. Ainda em 1815 é apresentado o primeiro plano urbanístico para a povoação da freguesia, sob autoria do sargento-mor do real Corpo de Engenheiros, João Vieira de Carvalho. Segundo Miranda (2002), as características do processo de ocupação dessa faixa de fronteira, baseada na pecuária extensiva, pouco exigente em mão-de-obra, acabaram por configurar os espaços fronteiriços como áreas de baixa densidade demográfica e propícia ao desenvolvimento comercial. Colaboraram para essa configuração demográfica o estabelecimento de políticas fundiárias que resultaram em latifúndios, além de doações de sesmarias a militares, como pagamento simbólico, tanto por espanhóis quanto por portugueses, em grandes extensões de terras. As cidades, por ficarem isoladas de centros maiores, e mesmo distantes entre si, vieram a originar a presença de equipamentos relativamente significativos quanto a serviços e comércio (SCHÄFFER 1990).

No caso de Jaguarão, as trocas comerciais oficiais e oficiosas remontam à fundação das guardas militares, diante da escassez de produtos disponibilizados. O local de arranchamento das tropas da Guarda do Serrito e da Lagoa passou, gradualmente, a ser lugar de trocas entre soldados e a incipiente população já instalada. O comércio, inicialmente, reunia criadores e lavradores de áreas próximas. As relações de troca estendiam-se além fronteiras quando, nos períodos de paz, fazia-se intercâmbio com a tropa espanhola da Guarda de Arredondo, instalada na outra margem do rio Jaguarão, no território que viria a dar origem

à cidade uruguaia de Rio Branco. Eram negociados tecidos, fumo, gado, charque, entre outros produtos (FRANCO, 1980).

A estrutura urbana de Jaguarão encontrou-se marcada em seus primórdios por sua função militar, que corresponde à causa fundacional dos principais municípios fronteiriços do Estado do Rio Grande do Sul (MIRANDA, 2002). Gerava-se ao redor das guardas militares uma pequena economia urbana, voltada para o comércio da população local. As vias públicas passam a se estabelecer em função dos requerimentos dos comerciantes, constituídos em grande parte pelos pecuaristas criadores de ovelha e gado. A partir das concessões de 1811, seguiram-se outros comerciantes e moradores que foram ocupando os caminhos que circundavam a Praça Militar ou Matriz, hoje Dr. Alcides Marques, e as chácaras adjacentes à área urbana, as quais proviam o abastecimento de gêneros alimentícios, dada a escassez dos mesmos na cidade. As primeiras ruas estabeleceram-se na margem do rio Jaguarão, em função do seu porto. Esse primeiro núcleo urbano, criado segundo o plano de urbanização de 1815, dividia-se em duas áreas muito próximas e integradas: a cidade baixa, na beira do rio, e a cidade alta, ao redor da então Praça Militar.

Na área do porto e nas margens do rio, assim como ocorreu em cidades como Porto Alegre e Rio Grande, desenvolvia-se o comércio, principalmente atacadista, além de atividades portuárias e alfandegárias. Note-se inclusive que o mercado público das três cidades está localizado próximo à área de desembarque dos navios que atracavam no porto. Já na cidade alta, instalaram-se as atividades administrativas, a igreja matriz e as residências das pessoas de maior poder aquisitivo. Muitas vezes, havia casas que também desenvolviam o comércio, na qual a edificação exercia dupla função. Esta área, no entorno da atual Praça Dr. Alcides Marques, concentra parte dos 800 imóveis que formam o patrimônio tombado de Jaguarão.

Ao plano urbanístico de 1815, seguiu-se o de 1872, que manteve em certo modo as características do primeiro, evidenciando a permanência da reticularidade e rigidez do traçado, de origem militar, na expansão urbana de Jaguarão. Essa característica militar manifesta-se, inclusive, em marcos referenciais urbanos, como a Rua das Trincheiras, atual rua Odilo Marques Gonçalves, que divide o território em duas áreas: a cidade velha e a cidade nova. Nesta, o traçado permaneceu fiel ao do restante da cidade, porém as ruas se tornaram mais largas e, com isso, foram implantadas árvores em canteiros no centro das vias públicas (MIRANDA, 2002). Até o início do século XX, todas as ampliações urbanas de Jaguarão seguiram o traçado elaborado ainda no período colonial, na incipiente povoação do início do

século XIX. A importância da presença militar na cidade fora marcante ao longo de sua trajetória.

O primeiro plano urbanístico de Jaguarão foi elaborado por militares; o primeiro administrador da povoação foi o próprio Comandante da Guarda, e, após a elevação do núcleo à categoria de Vila e Cidade, os militares sempre estiveram presentes entre os agentes construtores desta povoação, onde muitos misturaram sua milícia com a de políticos, criadores de gado e agricultores. (MARTINS, 2001, p. 104).

À época da elevação de Jaguarão à Vila, em 1832, o território administrativo compreendia os atuais municípios de Arroio Grande, Herval e Piratini. Predominava ainda a atividade pastoril como principal setor econômico, abastecendo as cidades de Rio Grande e Pelotas, que apareciam como os principais mercados consumidores. Neste mesmo período, irrompe a Revolução Farroupilha no território hoje do Rio Grande do Sul, causando um arrefecimento do funcionamento da dinâmica local, que se encontrava então sem força política e sem recursos para a implementação da vila. Após o fim do conflito, as estâncias e campos foram abandonados e as charqueadas arruinadas. Jaguarão reiniciava as atividades praticamente despovoada, com terrenos urbanos vazios, obras inacabadas e casebres fechados, em vista da fuga de muitas famílias. Enfrentava-se um período de recuperação lento, agravado pela falta de recursos para as construções urbanas e distribuição dos terrenos, após a paralisação das atividades administrativas por cerca de dez anos. Apesar das crises, do isolamento e das dificuldades em geral, a localização estratégica de Jaguarão garantiu a manutenção de seu comércio, que se viu impulsionado por ocasião das guerras no Prata, uma vez que era ponto de passagem obrigatória do Exército Imperial e de outras autoridades, e ocasionalmente de permanência de pessoas que transladavam-se para a outra margem em função dos conflitos platinos.

Jaguarão terá seu período áureo de crescimento na metade do século XIX. A partir desse momento, a paz na fronteira, a movimentação crescente do comércio, a retomada dos negócios de criação de gado, se reflete na procura de terrenos e no crescimento das construções residenciais e comerciais. Tal prosperidade viria a ocasionar sua elevação à categoria de cidade em 1855, quando, inclusive, verifica-se a abertura de um hotel, justificado pelo crescimento do trânsito de viajantes em função da condição fronteiriça. No mesmo ano, Jaguarão mergulha em uma epidemia de cólera, que provocaria o abandono da cidade por dois terços de sua população, inclusive por ocupantes de cargos administrativos, levando a um novo período de estagnação no processo de desenvolvimento local. Durante o período da epidemia, não havia, inclusive, marinheiros para o serviço de travessia para o lado uruguaio.

As charqueadas locais foram proibidas de produzir e distribuir a carne e o matadouro da cidade ficou fechado por quase três meses quando, em janeiro de 1856, a diminuição de casos leva ao retorno dos moradores e das atividades da cidade (MARTINS, 2001).

Na década de 1860, Jaguarão depara-se com uma nova crise, advinda dos enfrentamentos bélicos do Brasil com o Uruguai, e posteriormente com o Paraguai. A cidade é invadida pelos blancos, facção do exército uruguaio, em janeiro de 1865. Apesar das forças uruguaias serem em número e recursos bélicos muito superiores aos existentes para a defesa de Jaguarão, e dos grandes prejuízos causados, a cidade, através de suas forças militares, conseguiu manter-se sem ser entregue ao inimigo. A partir deste episódio, Jaguarão passou a se auto-intitular como “cidade heróica”, título que se mantém até os dias de hoje, integrando os símbolos municipais como brasão e bandeira. No que se refere ao enfrentamento com o Paraguai, que se inicia um ano antes da invasão uruguaia, e se estende até 1870, uma das principais conseqüências para Jaguarão fora a convocação de grande parte de sua força produtiva, levando a outro período de estagnação econômica e social na cidade. Novo agravante desta situação foi a nova epidemia de cólera que se abateu sobre a cidade, porém de menor intensidade do que a primeira, que matou 200 pessoas.

A partir do final da década de 1860 e inicio da década de 1870, a cidade novamente se reestrutura. Em 1890, Jaguarão concentra uma população de cerca de 10 mil habitantes em todo o município. A pecuária despontava como principal atividade econômica, e o comércio, aproveitando-se da localização fronteiriça e das facilidades do porto do rio Jaguarão, tinha uma abrangência que se estendia até o município de Bagé, no Rio Grande do Sul, e às vilas de Melo e Trinta y Tres, no lado uruguaio. As instalações militares garantiam um contingente populacional importante para uma cidade de pequeno porte (MARTINS, 2001). No decorrer do século XX, essa região fronteiriça continua voltada ao setor primário de produção: pecuária extensiva e agricultura em grandes latifúndios, caracterizando-se por uma população rarefeita, com cidades de porte médio e uma extensa área rural. O comércio perde grande parte de sua importância, com a ligação ferroviária de Bagé ao porto de Rio Grande, o que leva consequentemente à perda de importância do porto jaguarense.

Em decorrência do tratado de limites entre Brasil e Uruguai, em 1909, e do Tratado da Dívida, em 1918, foi esboçado o desejo de se construir uma ponte internacional que unisse as duas cidades, separadas pelo rio Jaguarão. Entretanto, as obras somente foram iniciadas em 1927 e concluídas em 1930. Assim, no início do século XX, com a chegada da rede ferroviária e a construção da ponte internacional sobre o Jaguarão, novos vetores da vida social, política e econômica vêm alterar a fisionomia da cidade, ampliando a malha urbana e

consolidando a área no entorno da praça militar, onde se situa a Igreja Matriz. A zona portuária passou a sofrer alterações, em função da preferência por outros meios de transporte, como ferroviário e rodoviário.

Jaguarão apresenta um rico acervo arquitetônico preservado, composto, em sua maioria, por residências particulares, o que demonstra um esforço majoritariamente privado de preservação do conjunto arquitetônico. Este movimento de preocupação com a preservação do patrimônio cultural da cidade, em nível institucional, iniciou-se, segundo constam as pesquisas e documentos referentes ao tema, em 1983, com o Projeto Jaguar. Como uma de suas metas, propunha-se a realização de um inventário dos prédios representativos dos momentos de formação do município e de períodos representativos para a história local. Aproximadamente dez anos depois, em 1992, a partir do convênio nº 1/91/UFPel/PMJ estabelecido entre a Prefeitura Municipal de Jaguarão e a Universidade Federal de Pelotas, denominado Revitalização e Preservação Paisagístico-Cultural de Jaguarão, ocorre a criação do Projeto de Revitalização Integrada de Jaguarão – PRIJ.

Atualmente, Jaguarão figura como uma das 173 cidades brasileiras contempladas pelo Programa de Aceleração do Crescimento - PAC Cidades Históricas, do Governo Federal, com diversos projetos de revitalização e refuncionalização do patrimônio arquitetônico e cultural, entre eles o Teatro Esperança, o antigo Fórum Municipal, hoje Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, e a Ponte Internacional Barão de Mauá, que a liga à cidade-gêmea uruguaia de Rio Branco. No dia três de maio de 2011, Jaguarão foi tombada como Conjunto Histórico e Paisagístico pelo IPHAN, e no mesmo ato, a Ponte Internacional Barão de Mauá foi tombada como Monumento Nacional, constituindo-se no primeiro bem binacional tombado pela instituição, pois a ponte já era considerada bem patrimonial pelo Governo Uruguaio desde a década de 1990 (anexo B).