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De acordo com Gil (2008, p. 08), o método científico corresponde ao “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento”. Para o

desenvolvimento da presente pesquisa, optou-se por adotar como método a Complexidade, conforme proposta por Edgar Morin (2001; 2003; 2005), que, pela natureza do tema de pesquisa, pareceu ser a base lógica mais adequada para a análise. Sua adoção se dá, entre outros fatores, em função da necessidade que o tema apresenta, exigindo um diálogo rotativo entre diferentes áreas do saber, na tentativa de compreender a relação complexa entre cultura e natureza, tanto no que se refere à percepção da paisagem, quanto no que se refere à articulação dessa relação cultura-natureza dentro de um contexto fronteiriço e sua percepção pelos sujeitos residentes e turistas. Conforme o próprio termo explicita, “complexo” deriva de complexus, que significa originariamente “o que se tece junto” (MORIN, 2003), levando ao entendimento de ser através da concepção multidimensional que o Pensamento Complexo propiciaria o melhor modo de conduzir a presente pesquisa, e, portanto, os procedimentos metodológicos adotados. Segundo Morin (2008, p. 13):

[...] há uma inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre as disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários.

Vive-se em uma realidade multidimensional, simultaneamente econômica, mitológica, sociológica, porém tais dimensões são estudadas separadamente, e não umas em relação às outras (MORIN, 2003). Nessa concepção de conhecimento, as ciências humanas não teriam consciência das características físicas e biológicas dos fenômenos humanos, assim como as ciências naturais não teriam consciência da sua inscrição em determinada cultura, numa sociedade, integrante de uma história. Consequentemente, as ciências não teriam consciência de seu papel na sociedade.

Nesse sentido, ao explicitar a necessária consideração da relação entre diferentes áreas de conhecimento e sua contextualização, a utilização desse método pareceu adequada ao estudo proposto, pelo trânsito que se apresenta entre diversas áreas de conhecimento. O Pensamento Complexo propõe que as disciplinas sejam ao mesmo tempo abertas e fechadas, ou seja, mantenham seu núcleo de conhecimento, porém dialoguem e se abram para ligações globais, uma vez que a hiperespecialização fragmentaria o tecido complexo das realidades. O limite das disciplinas conduziria a uma fragmentação do saber, inviabilizando a concepção do todo. A especialização abstrai, extrai um objeto de seu contexto e de seu conjunto, rejeita os laços e a intercomunicação do objeto com seu meio, inserindo-o no compartimento da disciplina, cujos limites quebram arbitrariamente a relação sistêmica da parte com o todo e a

multidimensionalidade dos fenômenos. Distante de uma suposta neutralidade científica atemporal, a Complexidade propõe que o processo investigativo, seu método e sua redação são uma arte a ser exercitada pelo sujeito cognoscente em sua busca pelo saber (PIMENTEL, 2010).

O turismo, percebido como um fenômeno de natureza multidimensional, parece carecer não só de uma interdisciplinaridade, ao apropriar-se de conceitos e pressupostos de várias áreas de conhecimento, mas também de uma transdisciplinaridade, de um diálogo comum, inter-relacionado e circular entre elas. Constituindo-se em um objeto de pesquisa rico e diversificado, o turismo abre um leque de possibilidades de pesquisa, envolvendo diferentes temas e vieses, como parece ser a prática (e necessária teorização) do turismo na fronteira. Dentro dessa perspectiva, as fronteiras – vistas como a manifestação espacial de uma determinação de cunho político e como construção simbólica – e suas áreas circundantes apresentam-se também como objeto de aproveitamento ou interesse turístico, para além de sua vocação comercial estimulada pelos free-shops.

De acordo com Morin (2008), uma das maiores dificuldades em pensar o Estado- Nação reside em seu caráter complexo, uma vez que se trata de um ser ao mesmo tempo territorial, político, cultural, histórico, místico, religioso. Pensa-se ser a fronteira e as áreas de fronteira, como sua extensão e resultado direto, revestidas das mesmas características, da mesma natureza complexa, ainda agravadas pela negociação cultural permanente e diária entre os habitantes de dois países. Trata-se de uma realidade multifacetada, em seus aspectos físicos, políticos, sociais e culturais, e que, portanto, para ser compreendida, requer um olhar também multifacetado, um olhar que transcenda os limites das divisões das áreas de saber, uma ótica (trans)disciplinar e (trans)fronteiriça, uma vez que as configurações físicas do espaço e as culturas não são regidos necessariamente pela mesma lógica política que estabelece a divisão de soberania nacional. “As fronteiras do mapa não existem no território, mas sobre o território, com os arames farpados e os aduaneiros” (MORIN, 2005, p. 7).

Morin (2008, 2005), enumera sete princípios, complementares e interdependentes, que ajudam a pensar a Complexidade. No caso desta investigação, a abordagem detêm-se em quatro princípios:

Princípio Sistêmico ou Organizacional: Esse princípio liga o conhecimento das partes ao

conhecimento do todo, segundo o elo indicado por Pascal, que considera impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. Em oposição à visão reducionista, a concepção sistêmica entende que “o todo é mais do que a soma das partes”, uma vez que a organização do todo, seja no que se refere à

bactéria, ao indivíduo ou à sociedade, produz qualidades ou propriedades novas em relação às partes consideradas isoladamente. A tais propriedades, resultado da interação entre as partes, Morin (2003) denomina “emergências”. O todo é, ao mesmo tempo, menos do que a soma das partes, cujas qualidades são inibidas pela organização do conjunto. Dentro dessa perspectiva, coloca-se a Paisagem Cultural compreendida como uma emergência.

Princípio Hologramático: Inspira-se na figura do holograma, no qual cada ponto contém a

quase totalidade da informação do objeto representado. Esse princípio coloca em evidência o aparente paradoxo das organizações complexas, em que não apenas a parte está no todo, mas o todo se inscreve na parte. Nesse caso, enquadrar-se-iam os marcos fronteiriços analisados, a ponte e o rio, que aparentemente refletem não apenas sua materialidade, mas ainda o simbolismo inerente à linha limite, e aos vários limites simbólicos que ela implica aos sujeitos fronteiriços.

Princípio do Circuito Recursivo: este princípio aponta para a circularidade, para a retroação

da causa sobre o efeito, deste sobre a causa e assim sucessivamente. Trata-se da relação estabelecida por um anel gerador, na qual os produtos e os efeitos são produtores e causadores do que os produz. A partir desse princípio se pode compreender tanto a fronteira, na qual a esfera política age sobre a cultural, e reciprocamente, como a paisagem cultural, dentro da leitura de Berque de paisagem-marca e paisagem matriz, no qual o concreto/material atua sobre o simbólico/intangível, e o mesmo se processa em movimento inverso, considerando que cada esfera atua sobre a outra continuamente, em um movimento circular de causa e efeito que configura e transforma a paisagem.

Princípio Dialógico: Esse princípio permite assumir racionalmente a associação de noções

contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo, permitindo manter a dualidade no seio da unidade. Une dois princípios ou noções que deveriam excluir-se mutuamente, mas que são indissociáveis numa mesma realidade. O princípio dialógico no Pensamento Complexo conduz à concepção da dialógica ordem/desordem/organização no mundo, desde seu nascimento. Sob as mais variadas formas, a dialógica entre ordem, desordem e organização, através de inúmeras inter-retroações, está constantemente em ação nas esferas física, biológica e humana. As áreas de fronteira parecem ser regidas por este princípio, uma vez que se percebe a convivência de duas (ou mais) lógicas de apropriação desse espaço: existe uma lógica política que indica a separação, o limite da soberania nacional, e, ao mesmo tempo, uma lógica social que, pela proximidade, concebe a fronteira (linha) como cruzamento, permeabilidade e oportunidade.

O Pensamento Complexo defende a não-existência de uma verdade científica definitiva, mas sim a existência de verdades provisórias, que se sucedem, ou como Morin o afirma, “verdades biodegradáveis” (2005, p. 48), isto é, mortais, e, ao mesmo tempo vivas, superando-se momento a momento. Se encararmos o processo de produção de conhecimento como efetivamente um processo, podemos pensar tratar-se o conhecimento de um movimento de superação constante. Tal entendimento contribui para caracterizar o aspecto evolutivo tanto das concepções a respeito das fronteiras – da percepção de linha limite para, numa ótica contemporânea, de esfera de contato – quanto da valorização patrimonial da paisagem – em que a noção de patrimônio cultural evolui da consideração exclusiva de bens arquitetônicos para a compreensão do simbolismo das paisagens e de elementos naturais, atribuindo à natureza um caráter cultural. O entendimento da provisoriedade das verdades científicas conduz a outro princípio importante do Pensamento Complexo e que, de certa forma, influencia a análise desse estudo, que afirma que “todo conhecimento é uma reconstrução/tradução por um espírito/cérebro numa certa cultura e num determinado tempo” (MORIN, 2003, p. 28-29).

Em função do diálogo estabelecido entre natural-cultural, objetivo-subjetivo, material- simbólico, a leitura das paisagens se apresenta como tarefa multidimensional, valendo-se de variados instrumentos de análise para sua compreensão. Segundo Cosgrove (1998, p. 103), “revelar os significados na paisagem cultural exige a habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de maneira auto-consciente e, então, re-presentar essa paisagem em um nível no qual seus significados possam ser expostos e refletidos”. Interpretar uma paisagem exigiria não apenas a leitura das manifestações culturais presentes no território, mas ainda a percepção das formas como a paisagem atua sobre as atividades ali desenvolvidas, uma relação mútua que influi, condiciona ou determina manifestações culturais.

O tipo de evidência utilizado atualmente para interpretar o simbolismo das paisagens culturais, e desse modo, compreender a sua importância para a população envolvida, ampliou- se muito em relação aos métodos utilizados no passado. Vale-se de evidências materiais no campo e outras fontes documentais e cartográficas, orais, de arquivos, sujeitos a uma análise objetiva. Mas embasam-se ao mesmo tempo nos próprios produtos culturais: pinturas, poemas, produção literária, contos populares, mitos, músicas, e filmes (COSGROVE, 1998). Tais elementos podem fornecer uma base a respeito dos significados que determinadas paisagens possuem, expressam e evocam. Acima de tudo, diante da importância da dimensão temporal da paisagem, é essencial uma sensibilidade histórica e contextual, motivo pelo qual buscou-se sua contextualização histórica através da pesquisa bibliográfica e documental.

A linguagem também desempenha um papel fundamental no processo de interpretação do significado de uma paisagem. O texto resultante da análise da paisagem constitui-se no meio através do qual transmitimos seu significado simbólico, através do qual representamos esses significados (COSGROVE, 1998). Além disso, necessita-se do conhecimento da linguagem de determinado grupo, pois os símbolos e seus significados dentro dessa cultura se manifestam em grande parte por meio da linguagem. A partir dessa percepção, a presente pesquisa vale-se de diferentes instrumentos de análise da paisagem, envolvendo desde o levantamento e caracterização de sua configuração física e geográfica, no caso a região de fronteira Brasil/Uruguai, até a utilização de outros instrumentos que permitem a interpretação da representação simbólica daquele espaço para a comunidade que o habita e o transforma diariamente. Com isto, pretende-se compreender a relação que se estabelece entre o meio físico, que serve de suporte à ação humana, e a forma de sua apropriação pelo grupo, relação essa que caracteriza o entendimento de Paisagem Cultural.