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3.1 O CRONOGRAMA DAS REUNIÕES

3.1.2 Jaicós – Angical dos Magos

Em Angical dos Magos, parte dos agricultores familiares é filiada à Cooperativa Mista Agropecuária de Jaicós (Comaj), que é vinculada à Cocajupi e dispõe de uma minifábrica de beneficiamento de castanha de caju. Outra parte dos produtores locais que produzem mel é ligada à Cooperativa dos Apicultores do Piauí (Melcoop) e fazem a gestão de uma casa do mel. Participaram do diálogo 19 agricultores familiares de ambas as cooperativas.

Angical dos Magos fica distante de Picos 60 km e a uns 15 km da sede da cidade de Jaicós. A comunidade é composta por 39 famílias, situada em local de difícil acesso. O caminho é formado por uma estrada estreita, em trechos com muita pedra, outros com muita areia. O mel produzido e beneficiado pela comunidade é consumido na Europa e América do Norte, por ter a sua produção certificada como orgânica, porém, as pessoas vivem lá sem energia elétrica; inclusive os equipamentos da casa do mel funcionam manualmente.

A estrutura de produção da comunidade e as condições de vida mostraram-se bastante precárias. No dia que estávamos lá não havia água disponível. O equipamento,

também movido a óleo diesel, para bombear a água do poço, o único para todas as famílias, não estava funcionando.

Realizamos a reunião em uma sala de aula da escola. Esta fica no centro da comunidade e conta com duas salas, só que sem água e sem energia elétrica. Quando chegamos, as crianças estavam almoçando. A refeição era servida em um prato plástico, aparentemente um arroz com alguma carne ou algo parecido. O cheiro da comida não era bom. Lembrava ração animal!

Mesmo com todas as limitações, as famílias de agricultores de Angical dos Magos produzem mel e beneficiam a castanha de caju na minifábrica, que fica fora da comunidade, na estrada de acesso a Jaicós, onde há energia elétrica.

As famílias iniciaram a lida com as abelhas em 1967 de forma bastante rudimentar, conforme relato do seu Guilherme:

“Eu era caçador de mel a vinte anos atrás. A gente corta a árvore pelo meio com a faca, quando enchia a vasilha, aí a gente espremia o meu com a mão, quando o mel enchia a cuia, colocava em uma cabaça. O mel ficava na árvore, no oco, onde tinha oco a abelha ia enchendo até completar. Então, cortava a árvore com machado, tirava o mel e deixava os filhos lá pra eles continuarem a coleta, mas primeiro dava um grande fogo. (Guilherme João da Costa, agricultor).

O cultivo do caju remonta à década de 1970, em Angical dos Magos:

O caju na época do nosso pai passava dez anos pra poder botar [cajueiro gigante] e hoje você planta esse ano e ano que vem já está produzindo [cajueiro anão precoce]. Aqui tem caju plantado em 1971, ainda hoje tem o pé e ainda produz. O precoce tem uma melhoria na frente do gigante, mas só que o gigante na castanha é melhor, o gigante ele produz mais. O anão a bondade é porque chega cedo à precisão do pobre e ele dá todo igual. (José Roberto de Lima, cajucultor).

Tem que ter tanto o precoce como o gigante, se, por exemplo, vier um tempo que não tiver inverno, talvez o precoce não produza nada e o gigante ainda pode produzir. Aí se você ficar só com o precoce corre o risco de em uma safra você não tirar nada, só que quase ninguém mais planta o gigante, os que têm é 20 anos atrás. (Floriano Longuin da Costa, cajucultor).

A estrutura associativa, considerando o nível de organização social e de confiança mútua, é muito forte, principalmente porque quase toda a comunidade faz parte de duas famílias: os Costa e os Lima. Praticamente, todos da comunidade são filiados à cooperativa:

Só teve acesso a um custeio esse ano quem é sócio, quem é filiado a uma das cooperativas, porque tem o problema do índice de inadimplência, quando chega a 30%, o banco não quer mais fazer custeio e nem projeto de financiamento e aí ele abriu exceção para os produtores que são sócios e a gente chegou a [acessar] alguns custeios, alguns financiamentos no ano de

2009. A partir do momento que você está organizado, está se mostrando comprometido, outros parceiros começam a acreditar no nosso empreendimento. (João Paulo de Lima Costa, ADRS).

A Casa do Mel, toda equipada, que fica junto à comunidade, funciona parcialmente, porque a maioria dos equipamentos novos precisa de energia elétrica. O beneficiamento do mel está sendo feito na casa do mel, porém, ainda usam uma centrífuga movida manualmente, como antigamente:

Fazia uma barraca com pau e usava a centrífuga, que no ano de 2000 nós fizemos um projeto e conseguimos uma centrífuga e uma mesa de inox. Foram 13 produtores que acessaram esse crédito, aí nem todos receberam colmeias: era caju e colmeia. Aí começou, tinha uma barraquinha que era do pai dela aí [Francisca Josefá de Sousa Veloso], que antes era um chiqueiro de bode. Aí ele deixou de botar os bodes lá [passou a ser a Casa do Mel]; a gente limpou tudo e ficamos até o ano de 2006. (Gabriel da Silva Costa, agricultor e presidente da Associação dos Apicultores de Jaicós). Começou a construção da Casa do Mel em 2006 e estava pronta em 2007. Aí a gente teve até uns cursos para aprender a manipular o mel na Casa do Mel, higienização e tudo, lavar, higienizar. Agora está diferente: agora usa avental, máscara, luva. Hoje nós somos certificados para vender o mel orgânico, e se cair um cabelo dentro do mel... Tem que ter higiene. (Idem). Quanto ao acompanhamento da estrutura de comercialização, os cooperados demonstraram confiança nos EES, porém, muitas vezes, pela necessidade objetiva, comercializam sua produção por meio de atravessadores:

Hoje tem um gargalo, não é total, mas tem uma dificuldade para compras, para pagar o produto do produtor. A Casa Apis, este ano, já está pagando logo após a venda, mas a cooperativa do caju, até o ano passado, ela sofreu, ela não está capitalizada. Então como é esse pessoal todinho que trabalha aí, quando eles tem a castanha em sua casa, eles tem também necessidade de ganhar dinheiro, faz com que as vezes ele até desvie o produto, porque o comprador externo está mais preparado. Aqui eles fazem assim, bota a castanha lá pra classificar, as classificadas eles deixam na cooperativa e aquela não classificada eles levam para vender na feira ou vende com outro preço. (João Paulo de Lima Costa).

No ano passado, nós mandamos um mel para lá e teve até uma demora para receber. Neste ano já foi bem melhor, nós mandamos mel no dia 19, que aí tem uns dias para análise; no dia 30 a gente recebeu o dinheiro. (Gabriel da Silva Costa).

A avaliação que os cooperados têm sobre os EES é positiva: “Nós aqui podemos dizer que alcançamos o melhor de nós, porque a renda é tirada dos nossos produtos do mel, do caju e da criação de animais. Então, dá pra ver que nós chegamos onde a gente queria a dez anos atrás”, enfatiza João Paulo, ADRS.

A preocupação e ansiedade apresentadas na reunião dizem respeito a possibilidade e aparente proximidade da instalação da energia elétrica na comunidade. Trata-se de ação do programa federal Luz Para Todos. “Eu acho que acontece que essa energia é do governo federal e que tem que ter alguém representando a comunidade no município. Aí a nossa localidade não tem ninguém lá, aí vem um representante de outra localidade e leva”, reforça Gabriel.

No final da reunião foi debatido o tema da energia elétrica e proposto pelos participantes a criação de uma comissão de cooperados para saber como o assunto da eletrificação está sendo conduzido pelos governos municipal e estadual, com o objetivo de encontrar formas de dar rapidez ao processo de instalação da energia na comunidade. 3.1.2.1 Um pedaço da história dos Costa e dos Lima

Relatos do Seu Guilherme, Seu Domingos, Gabriel, João Paulo e muitos outros. Aqui são quarenta famílias de dois irmãos. Primeiro meu pai morava em um lugarzinho chamado de Casa de Pedra, ainda hoje é uma fazenda. Lá não era suficiente para criar os filhos, aí meu pai comprou isso aqui, onde nós habitamos bem. Começamos a vida embaixo de um pé de jurema: papai deixava mamãe com um monte de filho, a velha era de coragem, porque ele ia trabalhar e ela ficava só. Tinha raposa doida! Quando as raposas chegavam os cachorros corriam atrás e os meninos saltavam tudo na saia dela. Os maiores papai carregava e os miudinhos ficam com ela. Quando as raposas chegavam, ela que salvava tudinho.

Quando ele chegou só trouxe a mulher com nove filhos e trinta cabeça de bode; esses bodes a onça comeu quase tudo! Quando papai chegou aqui tudo era emprestado. Ele não tinha uma alavanca para cavar o chão para fazer um buraco pra juntar água, a terra era muito dura! Ele chegou aqui em 1948 e, antes de morrer ele dividiu aqui com a família: 1200 hectares de terra. Deixou todo mundo aqui bem.

E a partir daí, a gente tinha a cultura do trabalho, basicamente era a mandiocultura para fazer a farinha, e o feijão, mais eu posso dizer que ainda participei do tempo mais difícil. Aqui carregava água era de jumento, a mais de seis km e ia buscar com oito jogos de âncora, duas vezes ao dia. Eram 16 cargas de água por dia. Aí era aquela coisa, eu também ainda carreguei água tocando jumento.

Era difícil, depois de 1970 tinha uma evasão aqui, porque o pessoal que ia ficando maior de idade saía, porque só da mandioca e do feijão era difícil uma sustentabilidade. O pessoal queria comprar uma roupa mais bonita, um perfume melhor, ou ter uma namorada, aí eles acabavam indo pra São Paulo. Da geração mais primeira tem muita gente em São Paulo. A partir que se descobriu esses benefícios, a trabalhar em grupo, a castanha, a plantar o caju anão precoce que começa a botar mais cedo, eles estão voltando.

Os filhos que estão hoje aqui estão estudando, porque o pai pode dar mais sustento. Por exemplo, tem esse rapaz aqui que tem quatro filhos homens: o mais velho concluiu o ensino médio com 18 anos, e outro já está concluindo. Tem também gente aqui em cima que está se formando para ser engenheiro agrônomo. Tem gente que já concluiu administração de empresas, que é o filho do tio Zé. Enfim, por essas melhorias as pessoas começaram a traçar outras metas, buscar objetivos melhores, e hoje a gente só pensa em aumentar mais esses benefícios, a gente faz de conta que chegou aonde a gente queria, mas tem que melhorar o que a gente tem.