• Nenhum resultado encontrado

O positivismo de cariz analítico começa a receber seus primeiros passos com Jeremy Bentham (1748-1832) e John Austin (1790-1859). Ambos os autores serão

126 Valendo a ressalva de que existem exceções em posturas que auto reivindicam a nomenclatura de positivistas inclusivos (ou incorporacionista) É o caso de Jules Coleman. Dworkin afirma, em Justiça de Toga, que Coleman ao reconhecer isso já não é mais “positivismo nenhum” e que a obra de Coleman “não parece positivismo; parece mais Hércules e seus colegas trabalhando”. Dworkin identifica uma contradição na obra de Coleman, pois não seria possível tratar o Direito como uma questão de convenção e, ao mesmo tempo, reconhecer que juízes divergem sobre o que é o Direito: “Coleman segue essencialmente a influente versão do positivismo de H. L. Hart. Hart afirmava que todo sistema jurídico depende necessariamente de uma regra dominante, ou ‘regra de reconhecimento’, para identificar toda e qualquer proposição de direito válida. Essa regra só existe porque é aceita (pelo menos pelas autoridades públicas) como uma questão de convenção. Se essa tese estiver correta, o positivismo estará justificado, pois as convenções jurídicas são formadas pelos comportamentos e atitudes complexos das autoridades e de outros participantes do processo de formação e aplicação do direito, e por mais nada. Contudo, é exatamente por esse motivo que a afirmação de Coleman de que o direito se fundamenta na convenção parece estar em conflito com sua admissão de que os juristas e os juízes frequentemente divergem sobre o que é direito de uma maneira que reflete divergência moral, inclusive divergência sobre o real propósito das instituições jurídicas” (grifou-se). DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 269.

127 Cf. RAZ, Joseph. La autoridad del derecho: ensayos sobre derecho y moral. Trad. de Rolando Tamayo y Salmorán. México: Universdad nacional de méxico, 1985.

de fundamental importância para Herbert L. A. Hart edificar o seu The Concept of Law, no ano de 1961.

Jeremy Bentham geralmente é mais reconhecido pela sua construção na filosofia moral do que na filosofia do Direito, na medida em que foi o “pai fundador”128 do utilitarismo em sua formação clássica129. Entretanto, no que diz respeito à Teoria do Direito, o positivismo jurídico em todas as suas vertentes, especialmente as contemporâneas “somente conseguiu se consolidar com a teoria jurídica de Jeremy Bentham, que teve o grande mérito de trazer as discussões acerca da natureza do direito para o centro dos debates sobre a argumentação jurídica”130.

De forma muito sucinta, é possível dizer que o jusfilósofo inglês esteve preocupado em refutar Blackstone, um dos autores mais influentes no Direito inglês do século XVIII. A grande oposição de Bentham se dava pelo fato de que Blackstone sustentava a ideia de que o Direito inglês estaria baseado no Direito natural. Bentham, por outro lado, acreditava que isso seria incorreto por uma série de motivos, dos quais se destaca o argumento de que isso seria confundir o que o Direito é com o que o Direito deveria ser131.

Tendo esse status quæstionis colocado, Bentham faz uma conhecida divisão entre expository jurisprudence e censorial jurisprudence, sendo que a primeira estaria preocupada em lidar e demonstrar como o Direito é, ao passo que a a

128 Para uma explicação das origens da máxima utilitarista “a maior felicidade para o maior número” e das influências que Bentham teve, Ver SCHOFIELD, Philip. Utility and democracy: the political thought of Jeremy Bentham. New York: Oxford University Press, 2006. p. 2 e ss.

129 Cf. Schofield, a posição utilitarista de Bentham pode ser resumida da seguinte forma: “A ‘partisan’ of the principle of utility was concerned with calculating the balance of pleasure and pain produced by an action. Such a ‘partisan’ would approve of any action which increased happiness (understood in terms of a preponderance of pleasure over pain), and disapprove of any action which increased suffering (understood in terms of a preponderance of pain over pleasure). He would take into account each and every individual affected by the action in question. Where only one person was affected, the extent would be equal to one, but where more than one person was affected, then the extent would be equal to the total number of those affected. Once extent had been taken into account, the ‘partisan’ of the principle of utility would then judge whether the action in question was deserving of approval or disapproval, or, to put this another way, judge whether the action was morally right or morally wrong. This judgment, therefore, was determined by a question of fact— namely the quantity of pleasure and pain which had been brought into existence by the action in question”. SCHOFIELD, Philip. Utility and democracy: the political thought of Jeremy Bentham. New York: Oxford University Press, 2006. p. 40. Assim, uma ação utilitarista seria aquela que “the tendency it has to augment the happiness of the community is greater than any it has to diminish it”. BENTHAM, Jeremy. An introduction to the principles of morals and legislation. Kitchener: Batoche Books, 2000. p. 15.

130 BUSTAMANTE, Thomas. A breve história do positivismo descritivo. O que resta do positivismo jurídico depois de H. L. A. Hart? Revista Novos Estudos Jurídicos (Eletrônica), Santa Catarina, v. 20, n. 1, p. 310, abr. 2015.

131 NALBANDIAN, Elise G. Early legal positivism: Bentham & Austin. Mizan Law Review, Nova Scotia, v. 2, n. 1, p. 148, jan. 2008.

segunda estaria preocupada em prescrever como o Direito deveria ser. Veja-se a passagem específica constante em An Introduction to the Principles of Morals and Legislation:

A teoria do Direito é uma entidade fictícia: nem pode ser encontrado qualquer significado para a palavra, mas colocando-a em companhia de alguma palavra que seja significativa de uma entidade real. Para saber o que se entende por teoria do Direito, devemos saber, por exemplo, o que se entende por um livro de teoria do Direito. Um livro de teoria do Direito pode ter apenas um ou outro de dois objetos: 1. Verificar o que a lei é: 2. Verificar o que deveria ser. No primeiro caso, pode ser denominado como um livro de teoria do Direito expositive [analítica]; no segundo, um livro de teoria do Direito censorial [normative]: ou, em outras palavras, um livro sobre a arte da legislação132.

Com efeito, é indiscutível que reside aí o berço da teoria juspositivista analítica, uma vez que no ponto está o locus fundamental da tese da separabilidade entre o Direito e a moral, que se dá na adoção do método descritivo, pois “a existência da lei é uma questão; os elementos morais por trás dela são outra”133. Fica evidente, portanto, o germe da contemporânea discussão entre teorias analíticas- descritivas e normativas-prescritivas.

Interessa notar, conforme referido, que Bentham expõe essa diferenciação em uma obra publicada em 1781. Nessa obra, o jusfilósofo inglês chega a citar David Hume134, mas não cita a obra Tratado da natureza humana. Em que pese Bentham não assuma taxativamente essa influência advinda de Hume quando trabalha o Direito, parece claro que a distinção entre expository e censorial jurisprudence tem como base a filosofia humeniana135. Jes Bjarup, ao comentar a questão, é enfático quando afirma que “a filosofia de Hume forma a base da

132 Tradução livre. No original: “Jurisprudence is a fictitious entity: nor can any meaning be found for the word, but by placing it in company with some word that shall be significative of a real entity. To know what is meant by jurisprudence, we must know, for example, what is meant by a book of jurisprudence. A book of jurisprudence can have but one or the other of two objects: 1. To ascertain what the law is: 2. to ascertain what it ought to be. In the former case it may be styled a book of expository jurisprudence; in the latter, a book of censorial jurisprudence: or, in other words, a book on the art of legislation”. BENTHAM, Jeremy. An introduction to the principles of morals and

legislation. Kitchener: Batoche Books, 2000. p. 234.

133 STRECK, Lenio Luiz; RAATZ, Igor; MORBACH, Gilberto. Desmistificando o positivismo de Jeremy Bentham: sua codificação utilitarista e a rejeição ao stare decisis como autorização para errar por último. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 25, n. 99, p. 221-242, set. 2017.

134 BENTHAM, Jeremy. An introduction to the principles of morals and legislation. Kitchener: Batoche Books, 2000. p. 52 e 71.

135 Cf. José de Souza e Brito, “In fact, one of the major features of Bentham’s legal theory is a sharp distinction between what the law is and what the law ought to be. In a language which is full of tacit references to Hume [...]”. SOUZA E BRITO, José de. Hume’s law and legal positivism. In: Memoria del X congreso mundial ordinario de filosofía del derecho e filosofía social. Mexico. Anais… México: Universidad Nacional Autónoma de Mexico, 1982. p. 246.

distinção de Bentham entre expository e censorial jurisprudence”136 e, embora Bentham não assuma a influência taxativamente no Direito, acaba assumindo na moral137-138.

Com efeito, ao observar isso tudo parece seguro afirmar que Bentham toma como fundamento a filosofia de David Hume para formar o fio condutor do seu projeto139. Bentham, assim, acreditava que uma Teoria do Direito prescritiva seria responsável pela arte da legislação140, vale dizer, baseado em suas concepções

acerca do dever ser do Direito, propugnava uma reforma absoluta do Direito inglês, mediante uma codificação ex novo que substituiria o Direito consuetudinário que pautava o common law141. Isso é algo que, guardadas as devidas proporções, reflete

o modo como a Teoria do Direito contemporânea percebe o fenômeno jurídico: à Teoria do Direito cabe descrever o Direito como ele é; à Política (que conforma a legislação) cabe prescrever como o Direito deve ser.

Abre-se aqui um parêntese para trazer uma questão curiosa que remete à ligação indireta entre Bentham e Hume – embora, ao que se sabe, jamais tiveram

136 BJARUP, Jes. Continental perspectives on natural law theory and legal positivism. In: GOLDING, Martin P.; Edmundson, William A. (ed). The blackwell guide to the philosophy of law and legal

theory. Oxford: Blackwell Publishing, 2005. p. 288.

137 Cf. Bentham, “Some fourscore years ago, by David Hume, in his Treatise on Human Nature, the observation was, for the first time (it is believed) brought to light—how apt men have been, on questions belonging to any part of the field of Ethics, to shift backwards and forwards, and apparently without their perceiving it, from the question what has been done, to the question, what ought to be done, and vice versá". BENTHAM, Jeremy. Chrestomathia. In: BOWRING, Sir John (ed.). The works of Jeremy Bentham. v. 8. Edimburgo: William Tait, 1843. p. 128.

138 Cf. James Crimmins, “In reading Hume’s Treatise of Human Nature (1739–40)—which declared that all social inquiry should be based on the “experimental Method of Reasoning”—Bentham found virtue equated with utility, at which he “felt as if scales had fallen from my eyes” (1977, 440n). Having borrowed the nomenclature of utility from Hume, Bentham then turned to De l’esprit (1758), in which Helvétius delineated the potential for utility to act as a guide to human conduct by making a connection “between the idea attached to the word … ‘happiness’ … and the ideas attached to the words ‘pleasure’ and ‘pain’”. This meant, as he recalled in the “Article on Utilitarianism” (1829), that “attached to the words ‘utility’ and ‘principle of utility’ were now ideas in abundance”, from which “a commencement was made of the application of the principle of utility to practical uses” (1983a, 290)". CRIMMINS, James E. Jeremy Bentham. In: ZALTA, Edward (Ed.). The Stanford

encyclopedia of philosophy. Stanford: Metaphysics Research Lab, Stanford University, 2017.

Disponível em: <https://plato.stanford.edu/archives/fall2017/entries/bentham/>. Acesso em 09 fev. 18.

139 A preocupação de Bentham com a questão do ser e dever ser é tamanha que o leva a desenvolver instrumentos para a análise do discurso jurídico: “Os principais instrumentos benthamianos para a análise da linguagem jurídica [...] são quatro: 1. A distinção entre a forma gramatical e a forma lógica dos enunciados; 2. A distinção entre termos e expressões valorativos e termos e expressões neutros; 3. A distinção entre termos reais e termos fictícios; 4. A distinção entre discursos em função descritiva e discursos em função prescritiva”. CHIASSONI, Pierluigi. O enfoque analítico na

filosofia do direito: de Bentham a Kelsen. São Paulo: Editora Contracorrente, 2017. p. 54.

140 BENTHAM, Jeremy. An introduction to the principles of morals and legislation. Kitchener: Batoche Books, 2000. p. 234.

141 BENTHAM, Jeremy. The rationale of judicial evidence. In: BOWRING, Sir John (ed.). The works of

contato direto – que se dá através do jusfilósofo alemão Rudolf Von Jhering (1818- 1892), especialmente o “segundo Jhering142. Jhering, conforme atestam Jefferson Guedes e Thiago de Pádua, comumente era mencionado como o “Bentham alemão” dado o fato de que ambos os juristas estavam inseridos em um período de transição de pensamento, especialmente voltados ao combate das posições excessivamente especulativas e idealistas no meio jurídico143. Tendo isso posto, há uma passagem no Tratado que Hume se insurge contra a “doutrina da infinita divisibilidade”, na qual Hume está, em suma, se posicionando no sentido de que a ideia tem um grau mínimo, não podendo ser mais reduzida, sob pena de ser aniquilada. Dessa forma, afirma o filósofo que “quando alguém me fala da milésima e da décima milésima parte de um grão de areia, faço uma ideia distinta desses números e de suas diferentes proporções, mas as imagens que formo em minha mente [...] não diferem em nada uma da outra”144 .

Com efeito, na passagem mencionada, Hume em sua crítica aos escolásticos e racionalistas afirma que “a ideia de um grão de areia não é distinguível, nem separável em vinte e menos ainda em mil, dez mil, ou em um número infinito de ideias diferentes”145. Agora voltando à crítica Jhering, lembra-se que o jusfilósofo alemão criticou os juristas de sua época, de forma bem-humorada, falando do Begriffshimmel (Paraíso dos Conceitos). O referido paraíso dos juristas seria o local onde se encontrariam engenhocas exóticas, tais quais “o pau de sebo dos problemas jurídicos” “máquina da ficção”, “máquina de conciliar passagens contraditórias”, a “furadeira dialética”, e a famosa “máquina de dividir cabelos”, que consistiria em um aparato capaz de dividir um fio de cabelo em 999.999 partes idênticas146. Embora Jefferson Guedes e Thiago de Pádua atestem que as

142 Para uma distinção entre as fases de Jhering, consultar STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de

hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da Crítica Hermenêutica do

Direito. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2017. p. 103-114.

143 CARÚS GUEDES, Jefferson; AGUIAR DE PÁDUA, Thiago. Paraíso dos conceitos jurídicos, de Jhering, é notável contribuição ao Direito. Consultor Jurídico, São Paulo, 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-fev-06/livro-paraiso-conceitos-juridicos-inspirou-direito-

brasileiro#_ednref8>. Acesso em 22 out. 17.

144 HUME, David. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais. Trad. de Débora Danowski. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora UNESP, 2009. p. 52-53.

145 HUME, David. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais. Trad. de Débora Danowski. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora UNESP, 2009. p. 53.

146 CARÚS GUEDES, Jefferson; AGUIAR DE PÁDUA, Thiago. O paraíso dos conceitos jurídicos do jurista alemão Rudolf Von Jhering (parte 2). Consultor Jurídico, São Paulo, 2017. Disponível em:

metáforas de Jhering e as análises de Bentham não sejam coincidentes, não deixa de ser curioso como a postura anti-especulativa, tanto de Hume falando da divisão de grãos de areia, como a de Jhering – o “Bentham alemão” – e a divisão de fios de cabelo, chegam no mesmo resultado.

Outra ligação indireta entre Jeremy Bentham e David Hume se dá através de Isaac Newton. Como pôde ser observado no primeiro capítulo da presente dissertação, as influências de Isaac Newton em David Hume são tamanhas ao ponto de pautarem todo o seu projeto filosófico. Isso fica claro já no subtítulo de sua obra mais importante, a saber, uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais. Jeremy Bentham, por sua vez, com o desenvolvimento de sua censorial jurisprudence, buscou estruturar uma teoria da legislação da forma mais ampla e sistematizada possível, algo que lhe rendeu a alcunha de “Newton da legislação” 147. Tal referência advém de postura cientificista e meticulosa148 adotada para abordar o tema da legislação, assim como Hume fez no Tratado.

Fechado o parêntese, fica evidente que aqui tem-se o início daquilo que hoje é conhecido como positivismo analítico. Jeremy Bentham, autor de caráter mais progressista em sua censorial jurisprudence, busca reestruturar todo o Direito inglês através da elaboração de uma codificação completa149. Contudo, por influência da filosofia humeniana desenvolveu – ainda que timidamente – as premissas iniciais daquilo que hoje se tem como juspositivismo analítico. Importa notar que a expository jurisprudence, vale dizer, a Teoria do Direito que se limita a descrever o Direito vigente apresenta uma das primeiras (senão a primeira) noção metodológica- cientificista no Direito.

<https://www.conjur.com.br/2017-fev-20/direito-civil-atual-paraiso-conceitos-juridicos-jurista-alemao-

rudolf-von-jhering-parte>. Acesso em 22 out. 17.

147 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 91.

148 Uma das tantas curiosidades que envolvem Jeremy Bentham e sua inventividade com terminologias, tal como sua intromissão nas mais variadas áreas. Bobbio relata que “Em 1971, o nosso autor escreve para seus amigos da Assembleia Nacional um Ensaio de tática política, com o objetivo de comunicar aos franceses os resultados da experiência inglesa no campo da política constitucional; no mesmo ano enviou à Assembleia francesa um projeto de prisão moderna, que permitiria vigiar simultaneamente todos os detentos de um ponto de vista estratégico (e, como Bentham tinha não só a mania de inventar caracteres sociais, como também a de cunhar novos termos – se atribui a ele a introdução na língua inglesa dos termos codification e international -, esse projeto foi batizado por ele de Panoptican)”. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 93.

149 FERRARO, Francesco. Adjucation and expectations: Bentham on the role of the judges. Utilitas, Cambridge, vol. 25, n. 2, p. 140-160, jun. 2013.

Com efeito, ao enfrentar Blackstone e, nas palavras de Bentham, a confusão que o referido jusnaturalista fazia entre o Direito vigente como ele é (ser) e o Direito como ele deveria ser (dever ser), Bentham acabou por dar início ao juspositivismo descritivo. A premissa da unidade do método científico, explorada em capítulo pretérito, começa a ganhar força na esfera jurídica, na medida em que a noção de atividade científica adota, por excelência, a metodologia descritiva.

É oportuno lembrar, ainda, que a obsessão pela cientificidade de Bentham era tamanha que ao falecer, teve como último desejo que seu corpo fosse mumificado com o intento de explicitar os benefícios dos órgãos de doação para pesquisa médica. Tal atitude do filósofo também pode ser encarada como “uma tentativa de encontrar um substituto secular para os rituais e práticas da religião convencional” 150.

Disso tudo, pode-se inferir inevitavelmente que Bentham sofre uma forte influência de David Hume. Seu projeto filosófico procura, dessa forma, abandonar as concepções filosóficas pretéritas, demasiado abstratas, para trazer para o âmbito das ciências sociais um novo ideal de cientificismo. O que é imperioso que fique claro no ponto é que a Teoria do Direito começa a ser pensada de forma científica em sentido mais estrito, vale dizer, começa-se, já em Bentham, uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais.

Nesse ambiente, um discípulo e aluno de Bentham chamado John Austin dará continuidade ao seu legado, especialmente a sua expository jurisprudence, desenvolvendo uma teoria analítica preocupada em esclarecer as diferenças nas relações entre Direito e moral. Assim, em Austin se dá uma continuação/aprimoramento da metodologia de Bentham acerca do papel da Teoria do Direito enquanto Teoria do ser e não do dever ser.