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OS ESPAÇOS PÚBLICOS FORTES NO CENTRO DE ARACAJU

B. Rua João Pessoa (2º momento)

Os anos 60 trouxeram a consolidação da Rua João Pessoa como um espaço público relevante na vida da cidade. Ao contrário do entorno da Estação Rodoviária, no entanto, que tendia a uma certa homogeneização concentrando um comércio mais popular, na Rua João Pessoa existiam estabelecimentos comerciais dos mais diversos tipos e destinados às mais diversas classes sociais, inclusive às mais abastadas. Essa foi uma mudança significativa que a rua sofreu em relação às décadas passadas, quando era basicamente um espaço da burguesia.

Figura 26: Rua João Pessoa na década de 60.

Fonte: http://www.infonet.com.br/cidade/antigas.asp.Acesso em 01/10/2009.

O período agora em foco representa uma fase de valorização do solo urbano central para atividades comerciais e financeiras, assim como para o uso institucional. O centro tradicional adquire gradualmente qualidades monofuncionais que conduzem a uma deterioração da qualidade de vida (poluição atmosférica e sonora, congestionamento de tráfego etc.) e à expulsão da população residente de status social mais elevado para bairros próximos, como São José, 13 de Julho e Salgado Filho – o que, por sua vez, reforça o alto valor da terra urbana para comércio e serviços. Com exceção do núcleo do bairro Siqueira Campos, os subcentros comerciais ainda são frágeis, em processo de formação – linearmente ao longo das avenidas Barão de Maruim, Francisco Porto, por exemplo – e esta “rigidez de localização do centro tradicional em relação ao restante da cidade permite-lhe extrair ‘vantagens’ relevantes no mercado imobiliário” (Loureiro, 1983, p. 81).

135 adensamento de sua área central, mas isso não significou um movimento de verticalização intenso. Segundo a mesma autora, o obstáculo para isso foram as pequenas dimensões dos terrenos centrais, com uma largura média entre 8 e 10 metros, pois a implantação de edifícios altos implicava em aglutinar dois ou mais lotes. A intensificação do uso do solo não se torna viável economicamente em terrenos exíguos, e para contornar isso o empreendedor precisaria negociar com vários proprietários.

Neste contexto de expansão do comércio e especialização funcional do centro, a Rua João Pessoa manteve, no entanto, sua condição de espaço público forte. Um fato fundamental foi a transformação dos três trechos da rua em via exclusiva para pedestres (“calçadão”) em 1978, segundo projeto do arquiteto e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner, seguindo a tendência no urbanismo daquela época, popularizada pelo próprio arquiteto em sua cidade. Anos depois, em 1983, também a Rua Laranjeiras virou calçadão nos seus trechos de rua contíguos à João Pessoa. Esta intervenção urbanística intensificou a utilização da principal rua comercial como espaço de sociabilidade e lazer. Ressalte-se que a apropriação do espaço era feita por diversas classes sociais nesta época, como já observado. Como registra Ribeiro (1989, p. 109), “observa-se que (no final de década de 70) esta área central se tem popularizado. A Rua João Pessoa, que se caracterizava por um comércio de luxo (...), tem sofrido um processo de substituição por estabelecimentos comerciais populares, mas de boa apresentação (sic)”. O comércio destinado às classes mais abastadas segue o mesmo caminho tomado pelo seu público-alvo e busca se instalar nos bairros residenciais da zona sul. A Av. Barão de Maruim, avenida larga na transição para o bairro São José, é um desses espaços que substituem o uso residencial por estabelecimentos comerciais ao longo dos anos 70 e 80, até mesmo em função da melhor adequação do seu espaço físico para os automóveis. “A expansão da cidade, a descentralização do comércio, o pulular de boutiques por bairros e ruas, o ineficiente transporte urbano, foram afastando o aracajuano de sua velha rua que, pelos anos 70, perdeu o seu esplendor”, descreve Porto (2003, p. 116-117), referindo-se de forma nostálgica à Rua João Pessoa.

É de se concluir que este esplendor, na opinião do autor, provavelmente estaria relacionado apenas ao comércio de luxo, representado pelas boutiques, e que este “aracajuano” que se afasta nos anos 70 da sua velha rua pertença à elite econômica. Entretanto, verifica-se que, até o início da década de 90, a Rua João Pessoa ainda era um espaço de sociabilidade importante para diversos grupos sociais e, analisando sob este ponto de vista, ela ainda estava em seu “esplendor”. Esta situação é, em boa parte, resultado de certa diversidade funcional: nesta

136 década de 80, os cinemas estavam em pleno funcionamento; praticamente todos os órgãos públicos se localizavam no centro tradicional; o Hotel Palace, como principal da cidade, mantinha um restaurante conceituado que funcionava como ponto de encontro da classe política e da alta sociedade; em bares como o tradicional Cacique Chá, no Parque Teófilo Dantas, aconteciam movimentados encontros de executivos e políticos – e a Rua João Pessoa era o eixo central de todos estes espaços e, desta forma, corredor de passagem quase obrigatória para todos.

Diversos registros de jornais do ano de 1989 ilustram a dinâmica deste espaço urbano – ao longo dos três trechos da rua (e suas adjacências) localizada entre duas praças e suas respectivas edificações mais representativas: de um lado a Praça General Valadão, com o Hotel Palace, de outro a Praça Fausto Cardoso, com o Palácio Olimpio Campos, sede do governo estadual. A respeito do Hotel Palace, lemos que ele “continuará sendo o preferido por executivos e empresários do sul do país, por sua invejável localização”, como afirma o colunista Jurandyr Cavalcanti76.

A Rua João Pessoa é espaço para manifestações políticas de diversos tipos, como comícios e atos públicos de campanha eleitoral. Como não poderia deixar de ser, juntamente com a Praça Fausto Cardoso, ela vai ser um espaço efervescente durante a campanha para a primeira eleição presidencial direta no Brasil após a redemocratização, em 1989. “O presidenciável Leonel Brizola virá a Aracaju em 18 de junho e realizará comício no calçadão, em frente à Brizolândia77”, noticia o Jornal da Cidade. Meses depois, na campanha para o 2º turno da eleição presidencial, o candidato Lula visita Aracaju: “Partidários do candidato Lula, da Frente Brasil Popular, preparam a sua chegada a Aracaju no dia de hoje. Haverá showmicio na Praça Fausto Cardoso e no calçadão será montado banquinha para venda de material de campanha”78.

A tradicional esquina com a Rua Laranjeiras é localização quase obrigatória para os eventos que desejam visibilidade pública. Um fato interessante é que, em agosto daquele ano, em plena campanha eleitoral, o vigário da pequena Igreja São Salvador, localizada nesta esquina, mostra-se incomodado com as manifestações públicas, provavelmente devido à poluição sonora, o que atesta a grande freqüência destes eventos ao longo daqueles meses. Vejamos: “Ontem o juiz José Rivaldo Santos decidiu proibir a realização de manifestações políticas no

76

Jornal da Cidade, coluna Notas e Comentários, 21/04/1989, p. 14.

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Jornal da Cidade, coluna Periscópio, 25/05/1989, p. 3. “Brizolandia” era denominado o espaço onde se aglomeravam no calçadão partidários da campanha presidencial de Leonel Brizola, com venda de material de divulgação.

78

137 cruzamento dos calçadões de Laranjeiras com João Pessoa, ponto mais tradicional da cidade. Atendeu apelo do vigário da Igreja”79.

Além dos eventos programados e organizados por entidades, o lugar é também ponto de encontro informal e bate-papos descompromissados, à forma de uma ágora. Muitas pessoas se dirigiam ao tradicional calçadão para se encontrar com amigos, sentar nos bancos e observar o fluxo incessante de pessoas. Em determinada matéria cobrando uma melhor manutenção do espaço por parte da Prefeitura, o Jornal de Sergipe dá voz a um usuário da rua: “(a degradação) poderá provocar o afastamento da população que às tardes procura o local para uma troca de idéias e de outras informações”80.

Nas diversas colunas dos jornais diários, era comum a expressão “comenta-se no calçadão que...” ou algo semelhante, muito embora este também pudesse ser um expediente dos jornais com o objetivo de “plantar” uma notícia política ou fazer uma denúncia vaga, de forma anônima. Um exemplo: “o servidor estadual de Alagoas não recebe dinheiro há três meses. A noticia foi revelada ontem no calçadão por um alagoano...”81. Em uma outra edição, a coluna política Painel reverbera as queixas de fornecedores do Governo pelo atraso no pagamento de faturas, “segundo consta de vários comentários no Calçadão”82.

Era esse o espaço público onde conversas e conchavos, críticas ou troca de informações no âmbito da política aconteciam, em boa parte, em função da proximidade com as sedes das principais instituições públicas do Estado e do Município: na Praça Fausto Cardoso estavam localizados os três poderes estaduais (o Palácio Olimpio Campos, sede do governo, a Assembléia Legislativa e o Tribunal de Justiça), no Parque Teófilo Dantas, próximo à Catedral Metropolitana, estavam o Palácio Inácio Barbosa, sede da Prefeitura, e a Câmara Municipal. Desta forma, os parlamentares e funcionários públicos circulavam com desenvoltura pelos espaços públicos do centro, entre sessões do parlamento, uma parada para um cafezinho no Cacique Chá, um bate-papo com amigos ou eleitores sentado num banco da Rua João Pessoa. O Jornal da Cidade noticia: “O presidente do PPS, Luiz Machado, e o deputado do PMDB, Rosendo Ribeiro, passaram a tarde de ontem fazendo compras juntos em lojas do calçadão da João Pessoa, enquanto discutiam política local e sucessão presidencial”83. O Jornal de Sergipe noticia em novembro de 1989 que o governador Antonio Carlos Valadares

79

Jornal de Sergipe, coluna Painel, 15/08/1989, p. 8.

80

“Descaso total: calçadão da João Pessoa abandonado”, Jornal de Sergipe, 03/10/1989, p. 15.

81

Jornal da Cidade, coluna Periscópio, 07/05/1989, p. 3. Notar que o então candidato à Presidência da República, Fernando Collor, havia sido governador de Alagoas.

82

Jornal de Sergipe, 24 a 26/12/1989, p. 10.

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138 (PFL) fugiu da rotina imposta pelo cargo e apareceu em público sem a presença ostensiva de seguranças. Num final da tarde, ele havia saído do Palácio Olimpio Campos acompanhado de dois secretários de governo e “percorreu todo o calçadão da João Pessoa, onde foi abordado por populares, correligionários e até por adversários políticos”. Deu uma parada “no chamado Cantinho da Esquerda, espaço ocupado por intelectuais que militam nas forças progressistas em frente a uma livraria na João Pessoa”84.

Em maio de 1989 é inaugurado o primeiro shopping center, o Riomar, na Coroa do Meio. O impacto sobre o comércio do centro é perceptível nos meses iniciais devido à novidade. Os consumidores são atraídos pelo “novo estilo de fazer compras”, mas especialmente se utilizam do “moderno” espaço como ponto de encontro e lazer: “O calçadão sempre foi local onde os boatos ganhavam corpo... e viravam verdades. Mas hoje em dia, são poucos os grupos formados ao longo da João Pessoa. A crise está atingindo até as mentiras...”85.

Ao longo década de 90, como será abordado posteriormente, veremos como o centro da cidade se enfraquece, perdendo diversas outras atividades e instituições, assim como práticas sociais.

Figura 27 Rua João Pessoa em 2007. Foto do autor, 2007.

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“Valadares surpreendeu populares no calçadão”, Jornal de Sergipe, 2 e 3/11/1989, p. 3.

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139 No capítulo seguinte veremos como esta dinâmica em torno dos espaços públicos fortes no centro da cidade de Aracaju será modificada e rompida a partir de um novo padrão de estruturação urbana com base não apenas na expansão territorial (horizontal e vertical, como vimos neste último período dos anos 60 aos 80), mas também na dispersão de grandes estruturas urbanas pelo território da cidade, processo este já perceptível nos anos 80 com a implantação de alguns equipamentos como o campus universitário, a nova estação rodoviária e, especialmente, com o primeiro shopping center da cidade. Esta nova dinâmica significará um deslocamento das atenções do centro tradicional para outras novas centralidades. Os novos espaços fortes são públicos?

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Capítulo 3