• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5: Análise e Discussão dos Dados

5.1 Affordances presentes nas narrativas

5.1.4 Jogar

Os jogos foram um dos elementos mais usados pelos participantes ao longo da aprendizagem de inglês de maneira informal, segundo as narrativas analisadas. Murray (1997, p.99) diz que “[a] experiência de ser transportado para um lugar cuidadosamente simulado é prazerosa por si só, independentemente do conteúdo da fantasia. Nós nos referimos a essa experiência como imersão”26 (tradução nossa). A autora compreende que o jogo traz uma

26 The experience of being transported to an elaborately simulated place is pleasurable in itself, regardless of the

experiência narrativa no ciberespaço, possibilitando que o usuário viva uma imersão nessa

realidade construída. É possível, todavia, aplicar essa experiência aos jogos que não são

on-line, visto que eles também fazem parte de um lugar simulado.

Vejamos um dos excertos em que o narrador dá detalhes sobre como os jogos fizeram parte de sua vida.

Quando eu era criança, meus irmãos costumavam jogar videogames e eles aprenderam inglês traduzindo RPGs. Então, quando eu comecei a jogar RPGs, eles me ajudavam a entender os personagens conversando. (Adriana, 20)

Em sua narrativa, Adriana relembra que o seu interesse por jogos foi estimulado ao ver seus irmãos jogando, isto é, a relação com a aprendizagem informal não permaneceu apenas entre ela e os jogos, pois houve outros agentes envolvidos nessa aprendizagem. Dessa maneira, temos um exemplo da inter-relação ecológica do aprendiz com os ambientes e outros agentes que neles habitam. As interações que nos afetam não são apenas aquelas que nós temos com o outro e com o ambiente. Com o exemplo da narrativa de Adriana, notamos que perceber as interações dos outros também afeta o aprendiz. Ainda que as affordances sejam percebidas de maneira distinta, ao ver outro agente interagindo com elementos informais, Adriana sentiu-se estimulada a estabelecer uma relação com esses mesmos elementos.

Tal interação possibilitou que Adriana percebesse os jogos como affordances além de obter orientações dos irmãos para a compreensão das falas dos personagens em inglês. Estamos diante de uma interação que foi estimulada por outrem e foi bem-sucedida. Isso poderia ser reflexo do bom relacionamento com os irmãos, havendo uma conexão emocional que contribuiu para a percepção dessa affordance.

Outro exemplo de participante que relatou a sua experiência com os jogos se encontra a seguir:

Eu comecei a estudar inglês na escola por volta de 11 anos, mas eu comecei a ter contato com a língua por volta dos 9 anos com jogos de RPG. Os role play games que são jogos que surgiram nos EUA e na época eram jogos de livros e tabuleiros, não eram os World

of Warcrafts que existem por aí. Existiam poucos desses jogos traduzidos para o

português, e o jogo ícone que era o Dungeons and Dragons não tinha tradução, só viria a ser traduzido em meados dos anos 90. Então, pra eu jogar esse jogo, eu precisava conhecer o vocabulário das regras que estavam todos em inglês e, a partir disso, os computadores começaram a ficar mais populares e tinham jogos que vinham na tradição dos jogos de RPG. Então era muito natural que eu me interessasse por esses jogos e me sentisse estimulado a ler os textos que acompanhavam esses jogos. (Arthur, 34)

Arthur relata que, para que pudesse entender o jogo, era preciso conhecer o vocabulário em inglês presente nas regras, sendo uma espécie de necessidade. Contudo, mesmo com o caráter de necessidade, o aprendiz não viu isso como uma dificuldade negativa. Ao contrário, esse

constraint da época, que era o fato de o jogo não ter tradução para o português, foi um ponto

limitador que o estimulou a ler os textos e aprender a língua inglesa para jogar. Isso prova que o constraint não é o oposto de affordance.

Mais uma vez, apresenta-se o caráter da variabilidade quando se pensa no comportamento de cada aprendiz diante de uma mesma situação. O constraint que emergiu da indisponibilidade de tradução de Dungeons and Dragons, apesar de ser um limitador, foi superado por Arthur, que decidiu aprender o vocabulário necessário para jogar. Possivelmente nem todos as pessoas que tiveram contato com o jogo tomaram a mesma decisão de Arthur. Porém, muitos podem ter seguido o mesmo caminho e usado esse constraint como forma de aprender, enquanto os demais podem - e devem - ter esperado o lançamento da versão do jogo em português. Essa situação retrata como a forma como affordances e constraints se apresentam gera impactos diferentes em cada aprendiz.

Outros narradores têm uma visão similar à de Arthur:

Quando eu tinha 5 anos, eu já estava jogando um monte de RPGs japoneses em inglês que eram bem densos em narrativas. Então tinha muito texto, muito diálogo e, à medida que eu ia jogando, eu meio que descobria o inglês ao longo do processo. (Valdir, 22) Minha aprendizagem ocorreu principalmente através de elementos informais, então quando eu comecei a aprender inglês foi mais através de videogames porque... porque eu tinha que saber o que estava acontecendo no jogo pra poder avançar e, também, para entender (inaudível), as razões pelas quais aquilo estava acontecendo, as histórias por trás de cada personagem, etc. (Rodrigo, 26)

E eu não acho que foi uma decisão, uma decisão consciente de começar a aprender inglês daquela maneira porque eu tinha 7 anos. E eu acho que eu só queria entender os videogames que eu jogava. Eu queria aprender mais que novos jogos. (Leandro, 23)

Percebemos que, nos casos de jogos de RPG, para compreender o jogo seria preciso compreender as narrativas presentes neles. Dessa maneira, aprender inglês não era o objetivo dos participantes, mas, sim, compreender o jogo e passar de fase. Mesmo nos casos de Rodrigo e Leandro, que não mencionam RPGs, a necessidade sentida por eles também não se referia à aprendizagem do idioma como fim.

Tal fato associa-se à questão da imersão abordada por Murray (1997), na medida em que fazer parte de uma realidade simulada se torna uma experiência agradável, fazendo com

que a aprendizagem ocorra de maneira espontânea. Além disso, segundo Sockett (2014), na aprendizagem informal não há a intenção de se aprender a língua, pois as prioridades são outras - passar de fases no jogo, entender o que o personagem está dizendo -, sendo o ato de aprender um resultado desse processo.