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UM JOGO QUE SE ESCUTA ENCONTROS COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

5 ESTADO DE ESCUTA E EXTRAVAGÂNCIA: DOIS EXERCÍCIOS

6 UM JOGO QUE SE ESCUTA ENCONTROS COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Antes de nos aproximarmos do jogo disparado no encontro com os alunos, é importante apresentar um breve panorama da Educação Integral no Brasil, uma vez que esses encontros se desdobram no interior de uma proposição desse tipo.

É importante situar as propostas de Educação Integral como uma tentativa recente de qualificação da educação pública. No fim da década de 1990 e início dos anos 2000, o desafio que se colocou para a educação brasileira foi o de garantir o acesso de todos a escolarização. Apesar de não ter se alcançando a universalização, houve uma sensível melhora no percentual de crianças e adolescentes na escola nos últimos anos e, em 2013, essa taxa atingiu 93,6% da população de 4 a 17 anos.

É certo que os 6,4% que ainda não frequentavam a escola naquele mesmo ano representam muitas crianças e jovens em número absoluto, especialmente se considerarmos as dimensões continentais do país (o que significa dizer que quase 3 milhões de pessoas em idade escolar estavam fora da escola). Entretanto, é preciso valorizar o investimento nas políticas públicas que garantiram tal melhora, o que representou um aumento de 5,9% de crianças e adolescentes na escola em 10 anos.

Após a delimitação e o enfrentamento da questão da universalização da educação básica, ainda que ela não tenho sido plenamente alcançada, a atenção, em termos de política pública, se volta para a qualidade do ensino. É neste horizonte que se inseriram práticas de avaliação externa para acompanhar o desempenho dos alunos50. Além de práticas avaliativas, o governo federal criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – um fundo que deve ser usado para qualificação da educação por meio do pagamento de educadores, formação continuada, aquisição de equipamentos e custeio de atividades que visem a melhoria da qualidade da Educação. A criação do Fundeb permitiu uma distribuição mais equitativa de recursos, já que ele considera o número de alunos em cada estado. Possibilitou também a organização da escola em torno de atividades complementares às desenvolvidas em sala de aula, com vistas a promoção da qualidade do ensino.

Somados a criação do Fundeb, diferentes marcos legais permitiram o contorno da Educação Integral como uma forma de operacionalizar práticas educativas a partir da escola, mas não restritas a ela, no cenário nacional. A Constituição Federal de 1988 colocou a

50 Tais como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e a Prova Brasil, e o Índice de

educação como um direito de todos e que deve ser assegurado pela família, sociedade e Estado. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990) fala em desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes e marca a importância do acesso a equipamentos de cultura, esporte e lazer. Ambas iniciativas do campo jurídico, dão margem para pensar na educação como uma prática que amplia o campo educacional para além do escolar e abre espaço para que se paute o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.

A Lei de Diretrizes e Bases – LDB (BRASIL, 1996) define que o Ensino Fundamental deve se dar em tempo integral e propõe que isso aconteça de forma progressiva até incluir a totalidade dos alunos. Em 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) lança o Programa Mais Educação na tentativa de induzir programas de educação integral em todas as escolas brasileiras e, com isso, ampliar o tempo de atendimento dos alunos em atividades educacionais. Tanto a LDB como o PDE consideram a ampliação do tempo como uma variável importante para a garantia de uma educação integral e de qualidade.

Desde a Constituição de 88, quando se menciona a ideia de desenvolvimento pleno e se pressupõe um conjunto de esforços e investimentos para garanti-lo, outras camadas de sentido e muitas experiências ganham consistência no campo da educação brasileira51. É importante notar que o primeiro movimento de composição entre garantia do desenvolvimento pleno em educação se dá a partir da ideia de ampliação do tempo do aluno na escola. Entretanto, essa abordagem parece insuficiente para pensar em desenvolvimento integral, uma vez que isso envolve uma multiplicidade de encontros e experiências e não responde a uma lógica que pressupõe que mais/menos tempo na escola significa mais/menos aprendizagem.

Um exemplo simples que se contrapõe a essa relação é a manutenção do aluno por mais tempo na escola fazendo atividades semelhantes ou organizadas do mesmo modo que a configuração escolar tradicional, ou o “mais do mesmo”. A variável tempo deve ser considerada, mas não basta para garantir o desenvolvimento integral, é preciso lançar mão de múltiplas estratégias que afetem a proposição e a organização da experiência escolar para ampliar o campo de aprendizagens.

A ideia de oferecer um panorama das ações que engendraram as propostas de Educação Integral interessa para localizar as linhas de força e de investimento que culminaram na afirmação do campo da Educação Integral como uma linha significativa de qualificação do ensino no cenário nacional. Outro ponto importante é marcar que esta

51 Das quais se destacam as experiências de bairro escola em São Paulo, Nova Iguaçu, a proposta da Escola

configuração de um campo que tem a educação integral como um horizonte possível é o desdobramento processual de lutas concretas e investimentos de especialistas e ativistas do campo da educação e da cultura infanto-juvenil. Assim, a discussão que se coloca atualmente diz respeito ao currículo e ao tipo de desenvolvimento que se quer engendrar a partir das propostas educativas que se relacionam com a Educação Integral. Pautadas as questões do acesso, da permanência e da qualidade da escola, o desafio da participação dos estudantes ainda permanece pouco elaborado.

Educação Integral em Itabira, Minas Gerais

Em 2015, a Secretaria Municipal de Educação de Itabira, Minas Gerais, fez uma parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) para planejar a ampliação do atendimento dos alunos da Rede em um programa que se insere no campo da Educação Integral, chamado Programa Aprender Mais. Trata-se de uma ampliação da compreensão de currículo escolar para um campo de aprendizagens que não se limita às disciplinas escolares e tem em vista o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. Com isso, há uma ampliação do tempo e da abrangência das atividades oferecidas em torno da escola.

Os encontros de escuta com os alunos de Itabira se entrelaçam com o horizonte do que se coloca como Educação Integral, no que se refere à necessidade de considerá-los forças pensantes do processo educacional. Sua participação é entendida não como um fim ou como uma possibilidade de ensiná-los a participar, ainda que isso seja importante; o principal objetivo é oferecer campo de circulação e inscrição de ideias e experiências singulares dos alunos para que esse conjunto afete o planejamento das atividades escolares, concepções de educação integral e o campo da educação mais geral. Como o pensamento dos alunos pode fazer o campo da educação ressoar?

Observa-se, pela crescente proposição de políticas públicas em torno da Educação Integral, a intenção de ampliar o campo educacional por meio de atividades e funcionamentos que não se restringem à sala de aula ou à escola. Essa ampliação pode funcionar como um vetor que potencializa o aprendizado de crianças e adolescentes no que concerne à experiência de novos conteúdos, a circulação por espaços não escolares e ao encontro com diversas pessoas e situações. Pode oportunizar, também, alguma experimentação por parte dos educadores, já que os planos pedagógicos se tornam mais flexíveis e amplos do que os propostos na escola formal. Por outro lado, esta ampliação pode ser operada de modo a visar o

controle e, assim, alinhar-se ao que se identifica como “pedagogização da vida” ou “pedagogização do social”, uma forma crítica de se referir aos processos que escolarizam as experiências, restringindo-as ao território das aprendizagens que podem ser identificadas, mensuradas e avaliadas.

Diante de tal complexidade, é importante pôr em operação práticas que se coloquem a favor dos movimentos vitais da escola e favoreçam a passagem de múltiplos fluxos, ao mesmo tempo em que evitem a cristalização dos processos pedagógicos em arranjos que fortaleçam prioritariamente o domínio institucional. Isso significa ampliar o campo de produção de singularidades e projetar horizontes educacionais e institucionais correspondentes.

Neste sentido, como parte das ações integrantes da elaboração do Plano de Educação Integral do Município, foram realizados três encontros com alunos do Ensino Fundamental52. Colocou-se em operação uma prática de escuta marcada por uma atitude não avaliativa e que se avizinha do território clínico no que se refere ao engendramento de um campo de conversa que não interdita falas consideradas inadequadas do ponto de vista de uma moralidade escolar. Com isso, buscou-se delinear um campo de falas atravessadas por experiências sensíveis e indicativas de modos de funcionamento institucionais ou, mais precisamente, do entrecruzamento entre aluno e instituição.

Os grupos contaram com quarenta alunos das diferentes escolas que formam a Rede Municipal. Sua organização teve a multiplicidade como um princípio e a heterogeneidade dos participantes como um critério, o que resultou no envolvimento das diferentes séries do Ensino Fundamental e na mistura de idades e regiões da cidade; contou, ainda, com meninos e meninas com diferentes percursos e desempenhos escolares. Os quarenta alunos foram distribuídos em dois grupos que se encontraram três vezes, entre junho e setembro de 2015, durante quatro horas. Coube à equipe técnica do Cenpec propor a organização destes encontros53.

Com o objetivo de apresentar as linhas gerais dos encontros e poder vagar por eles mais livremente em seguida, uma breve descrição do planejamento de cada dia.

52 Também foram realizados, por outros pesquisadores, grupos de escuta de pais e de professores dentre as ações

do Projeto.

53

As atividades propostas nos três encontros foram planejadas de modo a promover a escuta dos alunos. Para tanto foram produzidas pautas específicas que indicam uma sequência possível dos momentos de escuta. Essas pautas estão anexas a este documento.

Encontro 1 No primeiro encontro foi proposta uma conversa sobre a experiência escolar dos