• Nenhum resultado encontrado

3.3 Conhecimento como conquista de um agente

3.3.1 John Greco

A proposta provavelmente mais fraca de agência epistêmica relacionada com a aquisição de conhecimento é o que Greco chama, às vezes, de confiabilismo do agente. Ela é fraca porque, a rigor, qualquer organismo que seja capaz de manifestar uma disposição cognitiva pode ser um agente, independentemente de como ele adquire ou exercita essa disposição. A noção de agência, como o exercício de virtude intelectual, é reivindicada indiretamente, à medida que ele denota o modo como nossas crenças verdadeiras são adquiridas, particularmente se elas são aptas para figurar como conhecimento. Para ser um agente basta que o conhecedor possa ser creditado pelo seu conhecimento (basicamente por sua crença não ser “gettierizada”111 ou resultado de sorte), mesmo que, no final, isso não envolva qualquer ação intencional de sua parte.112

Como Sosa, Greco compartilha a visão confiabilista de que o conhecimento deve ser explicado causalmente por certas habilidades ou disposições cognitivas. Porém dizer que o conhecimento é o resultado do exercício de habilidades ou disposições não diz nada sobre a suposta agência que ocorre quando o sujeito instancia ou exerce essas capacidades. Ou seja, a pessoa pode manifestar uma competência ou uma capacidade e, em decorrência disso, adquirir um determinado estado, sem agir. “Isto é compatível com a conversa de que uma competência assim adquirida é um estado, e assim algo que não está sob o poder do agente, mesmo que possa ser creditado a ele (Engel 2010: 21).

“doing,” including all of the agent’s thinking, as well as her choosing and acting. Expanding the notion of agency this way continues to identify luck with that which is external to agency, but now includes the agent’s cognitive activities as internal to agency.”

111 “Gettierização” é um termo técnico para uma vasta gama de casos que desafiam a definição clássica de conhecimento, como crença verdadeira justificada. Não farei essa discussão aqui.

112 É importante notar aqui uma das sutilezas do confiabilismo do agente de Greco. Como já antecipei, Greco entende que uma noção ampliada de agência deve incluir dois tipos de avaliação do agente: a avaliação que diz respeito a responsabilidade (que depende de fatores extrínsecos, como sorte moral ou epistêmica) e a avaliação que diz respeito a virtude interna do agente (que é imune a influência da sorte ou de qualquer fator extrínseco). Para ilustrar seu ponto, Greco descreve o caso de dois motoristas que dirigem para casa alcoolizados: o primeiro sai da pista e mata um pedestre e o segundo sai da pista, corrige a direção e segue para casa. O segundo motorista teve sorte. Não matou ninguém. A responsabilidade de ambos é diferente, mas a virtude interna de suas agências (ou a falta dela) recebe a mesma avaliação negativa (Greco 2006).

A crítica mais geral que recai sobre as teses confiabilistas de virtude epistêmica é a mesma que se faz ao confiabilismo como teoria de justificação epistêmica: uma suposta circularidade estrutural que nos impede de responder adequadamente porque temos conhecimento e não apenas crença verdadeira. Se a crença verdadeira surge como resultado de um processo confiável de formação de crença, qual é o input desse processo senão uma sequência de causas e efeitos que ocorrem no cérebro e resultam numa crença verdadeira?113

Na versão mais recente de sua teoria, apresentada em Achieving Knowledge: A

Virtue Theoretic Account of Epistemic Normativity (2010), Greco retoma a noção

aristotélica de virtude moral, explorada anteriormente por Zagzebski. Sua expectativa é de que a virtude moral ofereça o aspecto motivacional requerido para que se possa falar em ação intencional e, assim, em agência epistêmica. Isto é, que se possa atribuir o crédito ao agente por algo que ele realmente faz – por algo que ele possa ser responsabilizado – e não por algo que simplesmente acontece com ele.

Greco observa que, em Aristóteles, virtudes morais envolvem ambos, o componente motivacional e o componente da confiabilidade do processo e que há, portanto, um elemento de “escolha” ou de “responsabilidade”, a partir do qual seria possível relacionar conceitualmente e causalmente o crédito do agente em alcançar determinada meta com as propriedades normativas relevantes que o conhecimento requer.

Essas propriedades, segundo ele, envolvem responsabilidade, definida como crença apropriadamente motivada por disposições intelectuais de crer a verdade e confiabilidade, descrita como disposições intelectuais estáveis que objetivamente produzem crenças verdadeiras. Assim, a crença de S que p é epistemicamente virtuosa se

113 Trata-se de um tipo de circularidade não necessariamente lógica, no sentido da conclusão do argumento ser idêntica a premissa que lhe confere validade, mas epistêmica, à medida que sua verdade é requerida para garantir a premissa. Essa circularidade surge em conexão com crenças sobre a confiabilidade de nossas fontes de crenças, como mostra a conhecida objeção de Richard Fumerton e Jonathan Vogel aos chamados circular track record arguments. Esses argumentos incluem premissas (usadas para confirmar que uma determinada fonte de crença produziu crenças verdadeiras em ocasiões no passado) crença essa que é produzida por essa mesma fonte. Em geral, são argumentos com a seguinte forma:

1. Formei a crença perceptual C1 em t1. 2. C1 era verdadeira em t1.

3. Formei a crença perceptual C2 em t2. 4. C2 era verdadeira em t2.

. . .

n. Portanto, a maioria das minhas crenças perceptuais foram verdadeiras. C. Portanto, minha percepção é confiável.

Uma análise detalhada da objeção de Fumerton e Vogel, acompanhada de uma tentativa de defesa deste tipo de circularidade, é feita por Michael Bergmann, no livro Justification without Awareness: A Defense

e somente se, ambos, (a) a crença de S que p é epistemicamente responsável e (b) S é objetivamente confiável em crer que p. O que Greco pretende, resumidamente, é tão somente estabelecer a conexão conceitual entre justificação epistêmica e o crédito do agente, que para muitos é justamente o que falta às versões confiabilistas de virtude epistêmica.

Ocorre que diferentemente da noção de virtude em Aristóteles, onde a conexão entre a virtude e o seu fim – a felicidade humana – é estritamente conceitual, em Greco e nos demais confiabilistas, seguindo a tradição moderna, a virtude tem obviamente uma função causal. Assim, o que torna o agente merecedor de crédito não é nada mais que uma disposição, inata ou adquirida, para alcançar um determinado fim. E explicar qual é exatamente o papel causal desta disposição na ação humana e, assim, apresentá-la como um caso genuíno de agência epistêmica, é provavelmente o principal desafio dessas teorias.