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Jornais e Livros:um comércio ambulante.

1. Um país a ser transformado: as fontes de inspiração de Júlia Lopes de Almeida

1.2. Jornais e Livros:um comércio ambulante.

Pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, a leitura que mais agradava ao gosto popular muitas vezes não vinha das livrarias, mas das bancas empoadas ou dos tabuleiros improvisados, montados nas estreitas calçadas. O comércio ambulante era intenso: andava-se pelas ruas, bairros, centro da cidade e morros com cestos de frutas, legumes, verduras, amendoim, flores, peixes e o que fosse possível carregar nos braços. Pendurados nos ombros de negros e dos imigrantes, era possível ver à venda: vassouras, espanadores, tecidos, alho, pencas de banana, tranças de cebolas. Nos tabuleiros, que podiam ser carregados na cabeça ou estabelecidos em lugares onde o trânsito de pessoas fosse maior, viam-se doces, carne-seca, rapadura, frutas e livros.

Os livros encontrados em tabuleiros eram sortidos e dividiam espaço com jornais; ficavam expostos ao sol e ao pó, deixando suas capas envergadas e espessas. Exibidos de forma aleatória, apenas à espera de um comprador, os tabuleiros eram uma amostra do gosto da leitura popular, sendo que os livros mais vendidos, de acordo com seus vendedores, eram modinhas, orações, livros de sonhos; quanto aos grandes autores nacionais ou estrangeiros, estes permaneciam muito mais tempo expostos ao sol.52

Também intrínsecas ao gosto, à atividade literária, encontravam-se discussões entre os intelectuais que refletiam a nossa origem nacional, forçavam um olhar menos

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João do Rio. Os mercadores de livros e a literatura das ruas. Impressa na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, 1906. In: A Alma encantadora das ruas, p.136.

oblíquo em relação à nossa população, avançando no debate abolicionista, republicano sobre as condições de cidadania. O jornal tornou-se um veículo para as leituras de deleite e de debates políticos. Mesmo de vida curta, alguns jornais e magazines, que pareciam piscar como vaga-lumes em suas rápidas passagens de existência, tiveram o efeito de preocupar os autores de livros ou escritores quanto à ameaça que os jornais passariam a exercer.

Os jornais atendiam aos contornos da vida urbana e moderna, além de serem resultado do empreendimento em novas tecnologias gráficas. O tempo exigido para a leitura de um jornal era bem menor que o de um livro; mais barato, mais leve, fácil de portar, tinha conteúdos diversificados. Numa passada de olhos, era possível ter acesso aos fatos nacionais e internacionais, acompanhar os últimos escritos românticos e, então, passá-lo adiante para outro leitor curioso ou embrulhar peixe.

Raros eram os escritores que se tornavam notórios por seus livros, e mais raros ainda aqueles que conseguiam sobreviver desse gênero de letras, pois mesmo os mais empenhados passavam por dificuldades financeiras vez por outra. Segundo Nelson Werneck Sodré,

“os homens de letras buscavam encontrar no jornal o que não encontravam no livro: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível”.53

O problema da sobrevivência dos intelectuais e a pouca leitura dos brasileiros transpareciam sistematicamente nas obras dos escritores. Como veremos a seguir, em um trecho do romance A Silveirinha, de Júlia Lopes, a insegurança dos escritores quanto a conseguir manter-se, forçava-os a adotar mais de um emprego; geralmente escolhia-se o emprego público para sua maior garantia. Tal prática - adotar o Estado como porto seguro financeiro - era conhecida entre os intelectuais, como José de Alencar, Joaquim

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Manoel de Macedo, Machado de Assis, José Veríssimo, Euclides da Cunha, Manoel de Oliveira, Baltazar de Albuquerque, Hermes Fontes, Manoel Bonfim, José Pereira da Graça Aranha,54 entre tantos outros escritores. Essa realidade apenas sinalizava a precariedade e fragilidade de seu meio.

Júlia incorpora sistematicamente em suas obras as agruras dos intelectuais, a penosa tarefa de escrever um livro e posteriormente ser lido por um público ainda restrito, sinalizando um limite de ação para os escritores. A existência de jornais também vinha como meio para ganhar algum dinheiro e ventilar o nome do escritor seria um passo intermediário para a divulgação de seu livro. Quanto aos efeitos do jornalismo na literatura, Júlia revela que este trouxe maiores condições de uma vida literária e assim comenta:

“Nós todos somos um resultado do jornalismo. Antes da geração dominante não havia bem uma literatura. O jornalismo criou a profissão, fez trabalhar, aclarou o espírito da língua, deu ao Brasil os seus melhores prosadores”.55

Confirmando a profissionalização dos escritores e a adesão destes junto aos jornais, constatamos em nossa pesquisa a intensidade com que nossa autora colaborava em revistas e jornais, obtendo além de reconhecimento também remuneração por seus escritos. Seu primeiro artigo foi escrito para a Gazeta de Notícias de Campinas, mas a lista de jornais comque a escritora colaborou foi extensa, escrevendo muitas vezes para dois jornais ao mesmo tempo, como ocorreu com A Bruxa (1897), A Semana (1885- 1887 e 1889).

A autora acreditava que a produção intelectual brasileira encontrava-se limitada pela falta de educação e cultura da população. Em vista disso, os jornais eram uma

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Afrânio Peixoto. Panorama da literatura brasileira, p. 509-510.

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alternativa inquestionável para a existência e profissionalismo dos escritores, mas não era o espaço de suas maiores realizações, conforme observamos no breve diálogo a seguir, registradono romance A Silveirinha, em uma conversa de salão:

“– Para mim, o defeito capital da nossa sociedade é ser muito pouco culta. – Não estou de acordo.

– Como não?!

– Todo mundo sabe que o Brasil é o país mais intelectual da América do Sul. – É um argumento ousado.

– Incontestável. Nenhum outro tem uma produção científica e literária da importância da nossa. Você sabe que eu sou o homem das estatísticas. E para exemplo basta-nos ver...

– Como os nossos literatos vivem bem! – Isso é outra coisa.

– Como assim? Numa terra em que se lê, os literatos de talento enriquecem. Não precisam apegar-se, para viver, à função depauperante do jornalismo ou a empregos públicos [... ]”.56

Júlia não estava isolada em seu ajuizamento a respeito da profissionalização da atividade de escritor, impulsionada pelos jornais. Pelo romance de Coelho Neto A Conquista, A. L. Machado Neto nos sinaliza que, em especial esta geração de escritores que se formou a partir de 1870, conseguiu o seu reconhecimento profissional, apresentando-nos a seguinte questão:

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“Nessa época é que se podia ainda dizer que não havia sequer a profissão do escritor, especialmente quando a afirmação partia dos jovens da geração boêmia dos fins do século, contemporânea das lutas da abolição e da república. Depois que essa geração assumiu a vigência intelectual e social de seu tempo e consagrou essa vigência na institucionalização da profissão intelectual através da criação da Academia Brasileira de Letras (1897), não há como negar que essa profissão já estava socialmente aceita e acatada, em particular por meio do prestígio social que o escritor obteve através do jornalismo, em que pesem o imenso trabalho e os poucos ganhos que ela representava”.57