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Sociabilidade e a publicações de livros.

2. Um novo ambiente para as mulheres: descobrir-se escritora no Brasil

2.2 Sociabilidade e a publicações de livros.

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Susan K. Besse. Op. Cit., p. 27.

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Quanto ao livro que Júlia Lopes escreveu em conjunto com sua irmã Adelina, Contos infantis, em 1886: elas tiveram a sua obra publicada apenas em 1891 mas, por decisão da Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária da Capital Federal, o livro foi adotado nas escolas primárias do Rio de Janeiro e posteriormente em todo o Brasil. De acordo com Annibal Freire da Fonseca, Filinto de Almeida foi fundamental para a intermediação da publicação e uso do livro Contos infantis nas escolas brasileiras. Além de as autoras terem prestígio com os escritores, principalmente no Rio de Janeiro, Filinto empenhou-se nas realizações de contatos de que dispunha como jornalista e valeu-se de sua inserção política.114 Vindo ao encontro da afirmativa de Annibal Freire, mas sob o ponto de vista das primeiras produções dos livros infantis nos primórdios da República, Marisa Lajolo acentua a presença dos intelectuais em diferentes circuitos, como meio de viabilizar seus projetos editoriais, e assim, a autora nos apresenta a questão:

“Tratava-se, é claro, de uma tarefa patriótica, a que, por sua vez, lhe faltavam também os atrativos da recompensa financeira: via de regra, escritores e intelectuais dessa época eram extremamente bem relacionados nas esferas governamentais, o que lhes garantia a adoção maciça dos livros infantis que escrevessem”.115

Conhecidos como um casal distinto e de relevante presença nas rodas intelectuais, Júlia e Filinto ofereciam sua própria residência no morro de Santa Tereza para a

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Verificamos que logo após a naturalização de Filinto de Almeida como cidadão brasileiro em 1889, ele foi convidado a assumir, temporariamente, o cargo de Júlio de Mesquita como redator chefe no jornal O Estado de São Paulo, forçando-o, assim, a mudar para São Paulo com a família no mesmo ano. Em 1896, como jornalista, Filinto teria a incumbência de dirigir, na Europa, a impressão dos Anais do Congresso do Estado. Republicano e redator de debates do Congresso, foi deputado estadual para a legislatura de 1902 a 1904 pela província de São Paulo, onde residiu pouco tempo. Assim que terminou seu mandato, a família Almeida retornou ao Rio de Janeiro, e Filinto iniciou atividades em empresas comerciais, além de retomar suas amizades no circuito literário. In: Annibal Freire da Fonseca. Filinto de Almeida e Roberto Simonsen. p. 22-23. Segundo Maria de Lourdes Eleutério, em sua obra Vidas de romances, Filinto de Almeida capitalizava relações de influência, como, por exemplo, redigindo cartas ao poeta Raimundo Correia, em que pedia sua interferência junto ao Conselho Superior de Instrução do estado de Minas Gerais para que se fizesse adotar o livro Contos infantis, de Júlia e Adelina, já aprovado pela Instrução Pública Federal e de outros estados. M. de Lourdes Eleutério. Op. Cit.,p.89.

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realização de salões literários nos fins de semana. Conhecido como Salão Verde, contava com a presença de escritores, jornalistas, músicos e pintores, como Valentim Magalhães, Araripe Jr., Olavo Bilac, Lúcio de Mendonça, João Luso, Francisco Alves, João do Rio, Antonio Parreira, Amoedo, entre outros.

João Luso, um dos freqüentadores do Salão Verde, assinalou, anos depois, aproximadamente 33 anos, lembranças das agradáveis reuniões de que participara nas tardes de domingo com os anfitriões. No Jornal do Comércio, comenta o lançamento da obra realizada em conjunto pelo casal Almeida, A Casa Verde.116 Em seu relato, indica que muito do que se passou ao longo daquelas tardes no Salão Verde, ele reconheceu na obra: passagens que pertenceram ao circuito de amigos intelectuais e que usufruíam com deleite.

“Releio agora A Casa Verde, Deus sabe com que emoção [...]. Os lugares descritos nestas páginas lembram-me com ar de poesia que o tempo vai formando[...]

Tive continuamente, além da sensação de beleza que o livro a toda gente deve produzir, a impressão pessoal, bem íntima e bem egoísta, de ouvir os próprios narradores na sua, na ‘nossa’ sala de Santa Tereza, revelando as inteligênciase as vozes no desenvolvimento da obra comum. Era D. Júlia com a fidalguia carinhosa do seu coração, a índole tão generosa que sem deixar de dar aos filhos o máximo de ternura vigilante [...] Depois falava Filinto, com a sua autoridade de erudito, a sua clarividência de observador, o seu amplo descortino de comendador e sobretudo, a sua exaltação de poeta:[...].

116 A Casa Verde. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1932 (em colaboração com Filinto de

Almeida e publicado no Jornal do Comercio, Rio de Janeiro, de 18 de dezembro de 1898 a 16 de março de 1899, com o pseudônimo comum de “A. Julinto”).

O ambiente era ao mesmo tempo patriarcal e artístico. As estantes, o piano, quadros e estatuetas, a vasta mesa de trabalho formavam um cenário em que o lar e o atelier se conjugavam fraternalmente.

[...] A Casa Verde reconstituiu ontem para a minha emotividade esses aspectos e esta atmosfera [...] por longos anos nos reunimos, em tardes de domingos que tão ditosamente nos compensavam das fadigas e das ansiedades da semana inteira [...]”.117

O interesse pelos romances no Brasil não era, como vimos, um fenômeno apartado do que se passou na Europa no século XIX. Eles despertavam particular interesse no público feminino por tratarem de tramas que continham uma gama imensa de ingredientes. Eram: culpas, conversões, ardis, adultérios, dramas amorosos, loucura, compaixão, enfim, enredos que poderiam ser edificantes ou reveladores de contradições de um comportamento imerso em confissões condizentes com a essência humana, mas também não deixavam de fazer um retrato da vida urbana, desnudando a sociedade carioca que até então tinha passado ilesa pelos romances românticos.

De fato, a literatura russa e francesa chegava ao Brasil pelas obras de Tolstói, Flaubert, Stendhal, Alexandre Dumas, Victor Hugo, entre outros, as quais, por sua vez, eram traduzidas para atender à recepção do reduzido público leitor.

“Na primeira metade do século XIX, surgiram os primeiros profissionais competentes: Visconti Coaraci, Antonio José Fernandes dos Reis, Paula Brito, Júlio César Muzzi, Augusto de Castro, Emílio Zaluar; traduzindo obras de Eugène Sue, Victor Hugo, Alexandre Dumas, Edmundo Dante”.118

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João Luso, Jornal do Comércio, 3. Jul.1932. In: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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Na segunda metade do século, o cenário de tradutores sofre mais uma modificação: também passou a contar com mulheres tradutoras, além de escritoras, como foi a presença da poetisa Francisca Julia, que verteu, para o português, obras dos poetas Goethe e Heine, editadas em francês.119

Gradualmente a acolhida às escritoras mudou de tom, e os elogios vinham até mesmo de forma exagerada; no entanto, confirmavam a permanência das mulheres no cenário literário, participando de palestras e concursos. Por Max Fleiuss, na obra Recordando, percebemos a presença das autoras Júlia Lopes de Almeida e Francisca Julia da Silva.

“Duas Grandes Julias: Júlia Lopes de Almeida e Francisca Julia.

Júlia Lopes de Almeida foi, sem contestação razoável, a maior de nossas escritoras. Maior pelo talento e pela formosura do quanto escreveu.

Raramente freqüentou A Semana de meu tempo, porém todos nós rendamos- lhe a homenagem de admiração e respeito a que se impunha. Individualmente fui, por várias vezes, em suas palestras encantadoras.

Era uma senhora da maior latitude da palavra e de airosidade irradiante. Atraía pela bondade, sem o menor preciosismo, de uma lhaneza que cativava.

Dona Júlia, como a chamávamos, tomou parte dos concursos do A Semana, alcançando esplêndida colocação, ao lado de João Ribeiro e de João Luso.

Lúcio de Mendonça, um dos julgadores, assim se expressou: -‘In Extremis. Magnífico; original na concepção, sóbrio e magistral na execução’. Juízo com que concordaram Coelho Neto e Urbano Duarte.” 120

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Márcia Camargos. Op. Cit.,p. 26

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Entusiasmado com as conferências que vira em Paris no ano de 1905, Medeiros de Albuquerque propôs a Olavo Bilac que, mediante remuneração, escritores pudessem realizar o mesmo tipo de atividade na cidade do Rio de Janeiro. Em julho, no salão de concertos do Instituto Nacional de Música, cedido por seu diretor, Alberto Nepomuceno, a abertura do evento ficou sob a responsabilidade de Coelho Neto, que conferenciou sobre As mulheres da Bíblia e Olavo Bilac, que discorreu sobre a Tristeza dos poetas brasileiros121. Após alguns anos, acerca do evento assim, declarou João do Rio, de forma irônica: “foi um desdobrar de coisas eruditas, inteligentes, ensinadoras” 122, e Brito Broca avaliou como

“um desencadear amplo, largo e irrefreável de oratória, não só em conferências, como também nos discursos que se multiplicavam em sessões solenes, comemorações, benefícios, etc. Todo o fluxo de uma vasta literatura oral, de circunstância, que passaria com a guerra, quase sem deixar vestígios”.123

Júlia Lopes foi uma das poucas mulheres a participar da série de conferências, em 1912. A escritora falava sobre o Padre José Maurício, deixando as seguintes impressões: “[...] o talento admirável de Júlia Lopes revelou mais uma vez uma faceta de seu engenho”.124

(...) Quanto à Júlia Francisca, afirmou Brito Broca, que os elogios glorificam a poesia da obra Mármores.

Ler em francês, recitar poemas, vestir-se à moda francesa, viajar para a França, cumprimentar-se nas ruas com algumas palavras estrangeiras distinguiam as pessoas entre si, eram ao mesmo tempo sinais de boa educação e negação de um sentimento

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Márcia Camargos. Villa Kyrial, p. 75.

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Em registros deixados por João do Rio, no volume Psicologia Urbana de 1911; In: Wilson Martins. História da inteligência brasileira, p. 312.

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Brito Broca. Op. Cit., p. 270.

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provinciano, considerado por alguns símbolos de um país atrasado e pouco civilizado. Lembrando ainda que a moda por aqui seguia passo a passo as tendências francesas - não apenas na literatura – apontando para um cosmopolitismo intenso, profundamente identificado com a vida parisiense.