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4. O CAMPO MIDIÁTICO CARIOCA: UM ESTUDO SOBRE AS

4.2 Análise das notícias

4.2.3 Jornal O Dia

O jornal O Dia publicou, entre junho de 2016 e maior de 2017, um total de 10 notícias relacionadas à população de rua no Rio de Janeiro e região metropolitana. Dentre os veículos pesquisados, foi o que demonstrou menor incidência com relação ao assunto em questão. Apesar da caracterização da editoria, notaremos a partir dos dados obtidos que os principais assuntos giram em torno de temas policiais e assistencialistas.

Todas as suas notícias, independente do tema, foram alocadas na editoria Rio, uma espécie de editoria geral, que publica variados assuntos, desde temas policiais até problemas políticos. No âmbito da pesquisa, 70% do total de notícias publicadas referem-se a capital, reservando 20% das suas publicações para a cidade de nova Iguaçu e 10% para o munícipio de são Gonçalo. O veículo costuma não dar voz aos moradores de rua, tendo apenas o morador presente em 3 das 10 matérias publicadas.

Fazendo uma síntese das principais palavras utilizadas nos títulos das matérias, os termos mais utilizados são moradores de rua, com 7 menções, Defensoria Pública, morto e denúncias com duas menções. A partir da análise das palavras utilizadas em seus textos, identificamos os seguintes resultados: além da menção “morador de rua”, repetida 12 vezes ao longo das matérias, palavras como ferir, vítima, dormir e polícia aparecem um total de seis vezes cada. Importante salientar a importância do número com relação ao universo aqui trabalhado, que totaliza 10 notícias. Abaixo (figura 18), podemos ver uma tabela com os resultados das principais menções reunidas:

Figura 18: Número de menções por expressão nas notícias

Expressão Número de menções

Morador de Rua 12 Ferir 7 Vítima 7 Polícia 6 Rua 6 Denunciar 5 Prefeitura 5

9 O jornal foi fundado em 5 de junho de 1951 pelo então deputado Chagas Freitas, futuro governador dos estados

da Guanabara e do Rio de Janeiro. Em 1983, O Dia foi comprado pelo jornalista e empresário Ary Carvalho. Inicialmente um veículo de forte apelo popular, voltado para notícias policiais e de violência, o jornal passou por ampla reforma no início da década de 1990, com a intenção de competir por leitores com os mais tradicionais. Em abril de 2010 a Editora O Dia vendeu parte do seu capital para a EJESA, Empresa Jornalística Econômico SA, que publica o Brasil Econômico, por US$ 75 milhões.

Suspeito 5

Violação 5

Importante também levar em consideração palavras como denunciar, prefeitura, suspeito e violação, que obtiveram um total de 5 menções. Tais palavras contribuem para uma construção subjetiva do perfil da população de rua idealizado pelo jornal e passado aos seus leitores através das matérias.

As matérias que apresentaremos a seguir expõem um viés predominantemente do morador enquanto vítima, na linha utilizada pelo jornal diante do assunto. O morador de rua é colocado, na maioria das vezes, em posição de oprimido, vitimizado, seja por conta do poder público ou por conta da sociedade. Em outra situação, é exposto o morador de rua em um papel atípico – de algoz, réu confesso de assassinato – com relação aos demais fatos.

Em texto publicado no dia 11 de agosto de 2016 (figura19), o jornal noticiou a denúncia que seria movida pela Defensoria Pública da União contra a Prefeitura do Rio de Janeiro. A notícia explica que a ação movida pela defensoria se dava por conta da política truculenta de expulsão de moradores de rua das zonas turísticas da cidade por conta das olímpiadas. A notícia apesar de ter sido publicada em agosto, tem relação com uma notícia publicada pelo jornal O Globo (figura 9) acerca do corte da distribuição de comida à moradores de rua na zona central da cidade. As duas falam sobre um mesmo fato, a problemática da população de rua e as olímpiadas. Enquanto o globo direciona para um viés mais assistencialista, mostrando o posicionamento da prefeitura na disponibilização de albergues na zona oeste da cidade, O Dia expõe a situação do morador enquanto vítima do Estado, que age de maneira dura e assertiva contra a presença dos moradores nas zonas centrais da cidade.

Figura 19: Jornal O Dia, 11 de agosto de 2016

Aqui podemos enxergar claramente a diferença da abordagem de dois veículos sobre um mesmo assunto. De um lado, o discurso assistencialista tendo a prefeitura e instituições religiosas como fonte. Do outro, um texto de denúncia contra a prefeitura, que age de maneira agressiva.

Em outra matéria do jornal (figura 20), temos a fala do morador presente, colocada em tom também de denúncia as ações promovidas pelo poder público. Ainda na comparação com a notícia do jornal o globo, perceba que aqui o morador assume um peso maior no texto, logo que vem endossar uma denúncia contra a prefeitura, sua voz assume tom de mais ativo, sendo considerada como fonte que referencia o fato noticiado.

Figura 20: Jornal O Dia, 14 de agosto de 2016

Fonte: jornal O Dia

Como demonstrado, o jornal adota uma abordagem diferente com relação ao tratamento de notícias. Considera-se tal narrativa relevante, logo que, num total de 10 matérias, o jornal adota tal discurso em pelo menos 5 matérias. Não queremos dizer que outras narrativas não estejam presentes nas matérias publicadas pelo jornal, como mostraremos mais à frente, mas sim que a temática de vitimização do morador de rua se faz presente na maioria dos conteúdos. O Dia também expõe a visão da população de rua atrelada a representação do crime (Figura 21). Além da posição de vítima apontada – seja vítima de violência institucional ou vítima de crimes cometidos contra a vida – houve 1 caso onde o morador foi colocado no papel invertido. Na matéria abaixo, o morador de rua, não identificado, é suspeito de assassinato. Não se sabe o desfecho do acontecimento, pois o jornal não publicou mais notícias sobre o assunto.

Figura 21: jornal O Dia, 16 de dezembro de 2016

Fonte: Jornal O Dia

Apesar da divulgação do acontecimento, não faz parte do posicionamento do jornal criminalizar a população de rua, levando em consideração que o valor-notícia aqui aplicado é o fato extraordinário (assassinato), seja ele com o morador de rua ou não.

Pelo ponto de vista do discurso assistencialista, o jornal traz em uma de suas matérias(figura 22) um tipo de narrativa que não foi identificada nos demais textos com o mesmo viés: o do “salvamento” do ambiente da rua. A notícia aponta a rua como um local mortificado, degradado. A presença da palavra resgate no lead demonstra a visão do jornal com relação ao fato relatado.

Figura 22: Jornal O Dia, 22 de outubro de 2016

Fonte: Jornal O Dia

Ao olharmos a nuvem de palavras abaixo (figura 23), construída a partir das menções presentes nas matérias dos jornais dentro do universo da população de rua, podemos perceber a presença de termos como violação, truculência e denúncia, inexistentes nas notícias dos outros jornais analisados.

Figura 23: Nuvem de palavras Jornal O Dia

O viés de subhumanização e de salvamento norteia as matérias publicadas. O jornal marca a diferenciação do indivíduo com relação aos demais moradores de rua através da sua profissão, nomeando-o enquanto trabalhador, não morador de rua. A visão que o jornal passa pode ser minimamente comparada ao conceito de Instituições Totais definido por Erving Goffman

Pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.[...] Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por tais disposições. Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas Instituições Totais, começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu Eu é sistematicamente, mortificado. (GOFFMAN, 1961, p.11-24, grifo do autor)

Com base nas análises dos dados, conclui-se que o jornal não cria um perfil diferenciado acerca da população de rua, porém, salienta estereótipos já presentes na sociedade, usando de suas notícias para reafirmar um discurso de indivíduo a mercê das instituições, necessitando ser “resgatado” da situação degradante que se encontra.

4.3 Rio Invisível: as redes sociais e o discurso do morador de rua por uma via alternativa

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