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1.2 Censura e Rede Globo

1.2.1 O Jornal Nacional

“O Jornal Nacional pretende ser a síntese da primeira página de um jornal impresso” (NOGUEIRA, 1988, p. 89 apud REZENDE, 2000, p. 171)

Com o avanço tecnológico e o desejo da integração nacional por meio das telecomunicações, o governo militar implanta no Brasil um sistema de transmissão via satélite, em janeiro de 1969. “Essa conjuntura abriu as perspectivas para o lançamento, em

setembro de 1969, do ‘Jornal Nacional’, transmitido simultaneamente, ao vivo, para o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Brasília” (REZENDE, 2000, p. 109). Muitos defendem que existiu uma forte relação entre a Globo e o governo militar.

Na edição de estréia, o locutor Hílton Gomes anunciava, como manchete do dia, que o Governo do país passava temporariamente o controle aos três ministros militares, por causa da doença do Presidente da República, general Costa e Silva. O acaso evidenciava o que para muitos significava mais do que uma simples coincidência. A integração nacional pela notícia, via ‘Jornal Nacional, e o endurecimento da ação do governo militar começavam no mesmo dia. (REZENDE, 2000, p. 110)

Outra característica do Jornal Nacional é a presença do “Padrão Globo de Qualidade” que influencia toda a programação da emissora. O JN eliminou o improviso, impôs uma duração rígida no noticiário, preocupou-se com a estética e aparência física dos apresentadores e do cenário, deu ritmo à notícia na relação texto-imagem, a voz dos apresentadores deviam ter um timbre adequado. (REZENDE, 2000, p. 113-115).

A hegemonia da TV Globo começa a ser construída lentamente, a partir da década de 1970, com a introdução do Padrão Globo de Qualidade, uma concepção de Walter Clark e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, no sentido de dar uma unidade estética e artística para a imagem da emissora. É um período de grande transformação, pois a emissora abandona a linha dos programas extremamente populares, que haviam sido sua marca até então. (HYNGST, 2004, p. 32)

Pode-se observar que a década de 1970 é marcada por um avanço nos formatos e padrões jornalísticos, contudo seu conteúdo não acompanhou seu desenvolvimento, principalmente por conta do período de ditadura. Outros poucos telejornais apostaram em “alternativas” criativas à censura e ao governo militar, mas a grande maioria não sobreviveu. Enquanto isso, o JN se fortalecia, mesmo que “afastado da realidade brasileira” (REZENDE, 2000, p. 115). “A superficialidade no tratamento dos fatos impedia a prática de um jornalismo mais denso e crítico. Mas isso não era algo que preocupava a direção da Globo”.

No início da década de 1980, a censura já estava mais branda e o governo militar não tinha o vigor de antes. Porém, o jornalismo herdado do período militar demorou a modificar- se. Houve uma espécie de nova cultura da censura: a autocensura. Assim, tanto os jornalistas quanto as empresas de comunicação ficaram receosos de realizar seu papel social e fazer uma cobertura midiática mais crítica pós-ditadura. Tais posturas foram se modificando com o passar do tempo, mas, ainda hoje, pode haver uma preocupação entre os profissionais ligados à mídia ao falar mal do Exército ou de militares, principalmente ligado à política e ao período da ditadura no Brasil.

Um ponto muito destacado desse período é o silêncio das emissoras de televisão, principalmente da Rede Globo, com relação às “Diretas-Já!”. Apesar do espaço conquistado nos jornais impressos e em praças públicas, o telejornalismo da época parecia não querer divulgar as manifestações políticas.

O comício da Praça da Sé, em São Paulo, no dia 25 de janeiro de 1984, espelhou muito bem esse boicote. Enquanto a TV Cultura era a única a realizar a cobertura direta do comício (o que lhe valeu um aumento vertiginoso de audiência), pressionada pelo vigor popular e pela insatisfação de seus próprios funcionários, a Globo resolveu dar uma breve notícia sobre o fato no ‘Jornal Nacional’. Mesmo assim, referiu-se ao comício como se ele fizesse parte das comemorações do 430º aniversário da capital paulista e não tivesse qualquer conotação política. Apesar de distorcer o caráter do evento, a transmissão do ‘flash’, decidida em clima de tensão pelo presidente do grupo, Roberto Marinho, significou uma vitória contra a intransigência da Globo. (REZENDE, 2000, p. 124)

Alguns meses depois, houve uma eleição indireta para Presidente da República e a vitória foi de Tancredo Neves, que adoeceu nas vésperas de sua posse. Assumiu José Sarney, que presidiu o primeiro governo civil depois do golpe em 1964. “A Nova República se instaurava com a perspectiva de se ter de novo uma imprensa livre da censura oficial. E assim foi, em partes apenas” (REZENDE, 2000, p. 125). Isso porque, as concessões dos canais de radiodifusão serviram como moeda de troca para a manutenção do poder de Sarney por 5 anos. O que a Globo tem a ver com esse período de transição? Armando Nogueira, na época diretor de jornalismo da Rede Globo, declarou:

Sofri mais pressão na época da Nova República do que na época do regime militar, até porque nessa época todos nós sabíamos que estávamos censurados mesmo, e segundo porque os militares (por falta de ideologia, por falta de alguém que verbalizasse o que porventura tivessem na cabeça) usavam muito pouco o veículo. Usavam mais para não deixar noticiar certas coisas do que para noticiar outras tantas (...). O Governo Sarney usava para impedir que você noticiasse um lado e para noticiar massacradamente outro lado. No episódio da disputa por quatro ou cinco anos de mandato, o Planalto exerceu sobre a TV Globo uma pressão sufocante. Obviamente que havia também uma cumplicidade da alta direção da empresa. (REZENDE, 2000, p. 125-126)

A Globo não parou com suas preferências editoriais conservadoras. A edição do debate eleitoral de 1989, entre Fernando Collor de Melo e Luis Inácio “Lula” da Silva, foi um fato extremamente coberto por pesquisas acadêmicas e mostra o nível do jornalismo praticado pela Rede Globo naquele determinado período. “A montagem considerada tendenciosa e prejudicial ao candidato Lula que o ‘Jornal Nacional’ exibiu do debate foi o estopim de um desentendimento interno no jornalismo da Rede Globo” (REZENDE, 2000, p. 129).

Um dado positivo da Globo, nesse período, foi mais uma vez ligado ao aspecto estético com a “saída do estúdio” dos apresentadores. A entrada de apresentadores “ao vivo” em outras partes do Brasil ou do globo, diretamente onde estavam as notícias, deu ao Jornal Nacional um diferencial dos outros telejornais que tinham os âncoras opinativos. Na Globo, o âncora não opinava, mas explicava, interpretava e passou a estar no local da notícia (REZENDE, 2000, p. 130)14.

Em primeiro de abril de 1996, houve uma grande mudança no JN: os dois apresentadores símbolos do telejornal, Cid Moreira e Sérgio Chapelin, foram substituídos por dois jovens jornalistas, William Bonner e Lílian Witte Fibe. “As modificações, na realidade, abrangiam todos os programas jornalísticos da TV Globo e não se limitavam à troca de apresentadores” (REZENDE, 2000, p. 133). Outras emissoras também passavam por mudanças estruturais, por exemplo, depois de 9 anos como âncora no Telejornal Brasil, Boris Casoy deixa sua função para o substituto Hermano Henning e estreou, no dia 14 de julho de 1997, no Jornal da Record, telejornal da emissora com o mesmo nome, tendo como proprietário o bispo evangélico Edir Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus (REZENDE, 2000, p. 134-135).

Um ano após a mudança dos apresentadores do JN, em primeiro de abril de 1997, “um fato tornou-se emblemático da nova linha editorial do ‘Jornal Nacional’: a reportagem do jornalista Marcelo Rezende sobre a truculência policial em Diadema, na Grande São Paulo. A notícia baseava-se em gravação em vídeo da pancadaria feita por um anônimo cinegrafista amador” (REZENDE, 2000, p. 140, grifos no original). É em momentos como esse que a Globo deixa seu Padrão de Qualidade de lado para investir na melhora de seu telejornalismo. Preocupando-se com a comunidade e, inclusive, com a audiência das camadas mais populares.

Uma outra característica do Jornal Nacional é o ritmo de dar as notícias. Geralmente é muito dinâmico e, sempre que possível, cada notícia conta com um auxílio videográfico para complementar as informações em áudio.

O pique do ‘JN’ segue, por sua vez, o ritmo de toda a programação da Rede Globo. O toma-lá-da-cá corre num timing de uma agilidade impressionante para oferecer o maior número de notícias no menor tempo possível. A ordem é não desperdiçar nenhum segundo, para não perder o vínculo com o telespectador. (REZENDE, 2000, p. 173, grifos no original)

14 A apresentação da edição do JN por William Bonner, diretamente do Vaticano, após a morte do Papa João

Paulo II, é um exemplo recente e marcante. Há outros mais comuns, como a ida da Fátima Bernardes para cobrir as Olimpíadas “de perto”; e, as entradas “ao vivo” dos correspondentes internacionais, como os freqüentes de Nova Iorque, Londres e Roma.

De qualquer forma, a década de 1990 foi marcada por uma clara tendência a uniformização dos conteúdos informativos das redes de tevê. Os telejornais se assemelhavam muito entre sai ponto de não se saber qual estão está no ar, pois a pauta é praticamente idêntica. (REZENDE, 2000, p. 136). Essa homogeneização do conteúdo mídiático pode não ser um evento ocorrido apenas no Brasil, mas a partir das trocas de informações e da busca pela audiência, tanto emissoras como jornais impressos, passam a ter os mesmos assuntos e os mesmos pontos destacados da ordem do dia. A criação de agências de notícias e da troca de imagens televisuais entre as emissoras pode ter contribuído para tal característica.

Na década 1990, duas coisas influenciaram as audiências do JN: a não-passividade dos telespectadores frente ao péssimo jornalismo exercido e a implantação da TV por assinatura no país. No primeiro caso, os telespectadores parecem ter aprendido com os escândalos provocados pelo JN em momentos como: da edição do resumo do debate presidencial de 1989 entre Lula e Collor (como foi visto); de ter chamado de “senil” o político Leonel Brizola em 1992 e o direito de resposta dele lido em 1994 por Cid Moreira, entre outros. É possível afirmar que os telespectadores sabem o que querem e o que não querem na telinha, desde que lhe sejam dadas opções de escolhas. “Aos olhos dos telespectadores da grande São Paulo, o telejornalismo brasileiro aparentava mais defeitos do que qualidades (com poucas exceções, casos do ‘Jornal da Manchete’ e do ‘Jornal da Cultura’)” (REZENDE, 2000, p. 137). E, em segundo lugar, o aumento de assinantes de televisão paga fez com que a audiência de toda a televisão aberta diminuísse lentamente ao longo dos anos.

O crescimento da TV por assinatura acabou se transformando por outro lado numa causas da queda da audiência das televisões abertas, com clara repercussão na área do telejornalismo. Por levantamento em boletins do Ipobe, a ‘Folha de S. Paulo’ verificou um declínio progressivo de público da Globo de 1989 até 1994. O ‘Jornal Nacional’, por exemplo, teria perdido, nesse período, 23 pontos de audiência, caindo de 60 para 37 (FOLHA DE S. PAULO, 1997, p. 10-11 apud REZENDE, 2000, p. 139).

Em fevereiro de 1998, Lílian Witte Fibe é substituída pela esposa de Wiliam Bonner, Fátima Bernardes. O casal passou a ser referência de credibilidade, tendo a sua vida particular15 estampada nas capas de revistas de “Televisão/Sociedade”16, como Caras – a de maior prestígio no ramo. Esta é a história do modelo tão admirado e criticado do telejornal brasileiro líder de audiência. O ‘Jornal Nacional’ ainda é a principal, quando não a única, referência informativa para a maioria dos brasileiros (REZENDE, 2000, p. 143).

15 O nascimento e a vida com seus filhos trigêmeos foi freqüentemente noticiada por este segmento de

informação.