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Enquadramentos são estruturas cognitivas básicas que guiam a percepção e a representação da realidade. Na totalidade, enquadramentos não são produzidos conscientemente, mas são adotados inconscientemente no curso do processo comunicativo. Em um nível muito banal, enquadramentos estruturam quais partes da realidade se torna notícia. (KOENIG, 2004a, p. 2, tradução nossa)34

O responsável pela ontogênese dessa abordagem é o sociólogo norte-americano Erving Goffman. Apesar de o próprio Goffman afirmar que o conceito tem sua origem em outros autores da tradição fenomenológica, foi ele quem desenvolveu a primeira articulação teórica mais sistemática, aplicando-o à análise das interações sociais (PORTO, 2004). Com base na Sociologia e aplicado em estudos de comunicação para referir-se às propriedades construtivas das representações jornalísticas, Goffman, em sua obra Frame Analysis: An essay

on the organization of experience, afirma:

Eu assumo que definições de uma situação são construídas de acordo com os princípios de organização que governam os eventos […] e o nosso envolvimento subjetivo neles; enquadrar é a palavra que eu uso para referir a esses elementos básicos como eu sou capaz de identificar (GOFFMAN, 1974, p. 10, tradução nossa).35

Porto (2004), ao interpretar o texto de Goffman, afirma que:

Tendemos a perceber os eventos e situações de acordo com enquadramentos que nos permitem responder à pergunta: ‘O que está ocorrendo aqui?’ Neste enfoque, enquadramentos são entendidos como marcos interpretativos mais gerais, construídos socialmente, que permitem às pessoas dar sentido aos eventos e às situações sociais. (PORTO, 2004, p. 78, grifos no original) Fisher (1997), em seu estudo que revisa o conceito de enquadramento, lembra que Goffman não investiu muito esforço no desenvolvimento do conceito, mas foi o responsável por iniciar um ramo da literatura de análise. Todavia, nos anos que se seguiram, outros estudos buscaram aplicar e desenvolver o conceito de enquadramento. Em seu estudo clássico sobre a cobertura dada aos ativistas e aos movimentos de paz durante a guerra do Vietnã pela mídia americana, Todd Gitlin (1980) apresenta uma síntese do conceito de enquadramento, considerada importante para a evolução da definição do conceito:

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“In other words, frames are basic cognitive structures which guide the perception and representation of reality. On the whole, frames are not consciously manufactured but are unconsciously adopted in the course of communicative processes. On a very banal level, frames structure, which parts of reality become noticed.” 35“I assume that definitions of a situation are built up in accordance with principals of organization which

govern events […] and our subjective involvement in them; frame is the word I use to refer to such of these basic elements as I am able to identify.”

Enquadramentos são princípios de seleção, ênfase e apresentação compostos de pequenas teorias tácitas sobre o que existe, o que acontece e o que é importante. [...] [Enquadramentos mídiáticos são] padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os detentores de símbolos organizam de forma rotineira o discurso, seja verbal ou visual. (GITLIN, 1980, p. 6-7, tradução nossa)36

Nesse momento, o enquadramento passa a ser visto como uma estruturada organização do texto pelo emissor, mesmo que suas intenções do emissor sejam inconscientes (SCHEUFELE, 1999). Anos mais tarde, o pesquisador Robert Entman foi o responsável pela integração do conceito original de enquadramento com a noção de hegemonia midiática, através de sua famosa definição de framing:

Enquadramento envolve essencialmente ‘seleção’ e ‘saliência’. Enquadrar é ‘selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou um recomendação de tratamento’ para o item descrito. (ENTMAN, 1993, p. 52, grifos no original, tradução nossa)37

Assim, a partir dessa definição, Entman (1993, p. 52) defende que os enquadramentos (1) definem problemas – ao determinar o que um agente causal está fazendo com quais custos e benefícios; (2) diagnosticam uma causa – identificando as forças que criaram o problema; (3) fazem julgamento moral – ao avaliar os agentes causais e seus efeitos; (4) sugerem remédios – ao oferecer ou justificar tratamentos para os problemas e predizer seus efeitos. Segundo Porto (2002), esta definição resume os aspectos centrais do conceito, principalmente das suas aplicações na análise de conteúdo da mídia. O pesquisador brasileiro acredita ser mais apropriado definir enquadramentos como recursos heurísticos que estimulam um padrão específico de interpretação:

A ênfase em enquadramentos, atalhos e interpretação nos permite não só ir além do plano da informação, mas também preencher importantes lacunas na teoria política. Existe uma quantidade significativa de estudos sobre opinião pública e comportamento eleitoral, mas são raras as pesquisas sobre o processo pelo qual estas opiniões são formadas, mantidas e modificadas. (PORTO, 1999, p. 18)

36“Frames are principles of selection, emphasis and presentation composed of little tacit theories about what exists, what happens, and what matters. […][News frames are] persistent patterns of cognition, interpretation, and presentation, of selection, emphasis, and exclusion, by which symbol-handlers routinely organize discourse, whether verbal or visual.”

37“Framing essentially involves selection and salience. To frame is to select some aspects of a perceived reality and make them more salient in a communicating text, in such a way as to promote a particular problem definition, causal interpretation, moral evaluation, and/or treatment recommendation for the item described.”

Entman (2003), em seu estudo sobre a cobertura da mídia quanto ao terrorismo após o episódio de 11 de Setembro de 2001, escreve sobre a capacidade de distinguir e mensurar os enquadramentos:

Enquadrar significa ‘selecionar e enfatizar alguns aspectos de eventos ou temas e fazer conexões entre eles para, então, promover uma particular interpretação, avaliação e/ou solução’. As palavras e imagens que criam os enquadramentos podem ser distinguidas do resto do noticiário por sua capacidade de estimular o apoio ou oposição a um lado em um conflito político. Nós podemos medir essa capacidade pela ‘ressonância cultural’ e pela ‘magnitude’. Aqueles enquadramentos que empregam mais termos ressonantes culturalmente têm maiores chances de influência. Eles usam palavras e imagens altamente salientes na cultura, o que quer dizer ‘noticiável, entendível, memorável e emocionalmente carregado’. A magnitude explora a ‘proeminência’ e a ‘repetição’ das palavras e imagens enquadradas. Quanto mais ressonância e magnitude, mais provável o enquadramento evoca pensamentos e sentimentos similares em grandes porções de audiência. (ENTMAN, 2003, p. 417, grifos no original, tradução nossa)38

No mesmo estudo, Entman (2003) afirma que a ressonância pode superar algumas vezes a necessidade de magnitude. Algumas palavras e imagens possuem ressonâncias suficientes para impressionar por elas mesmas a consciência pública sem requerer um significante número de exposição.

38“Framing entails selecting and highlighting some facets of events or issues, and making connections among them so as to promote a particular interpretation, evaluation, and/or solution. The words and images that make up the frame can be distinguished from the rest of the news by their capacity to stimulate support of or opposition to the sides in a political conflict. We can measure this capacity by cultural resonance and magnitude. Those frames that employ more culturally resonant terms have the greatest potential for influence. They use words and images highly salient in the culture, which is to say noticeable, understandable, memorable, and emotionally charged. Magnitude taps the prominence and repetition of the framing words and images. The more resonance and magnitude, the more likely the framing is to evoke similar thoughts and feelings in large portions of the audience.”