• Nenhum resultado encontrado

3 MERCADO DE NOTÍCIAS: OS JORNAIS E A POLÍTICA

3.3 JORNALISMO DE INFORMAÇÃO SINDICAL

Um sindicato, como nós entendemos o termo, é uma associação contínua de assalariados com a finalidade de manter ou melhorar as condições de suas vidas de trabalho33 (WEBB; WEBB, 1950, p. 1, tradução nossa).

O jornalismo possui especificidades, em função do público-alvo e da área de atuação. Uma de suas modalidades é o jornalismo sindical, cujos aspectos formais são distintos do modelo comercial/industrial. Em alguns pontos, o jornalismo sindical aproxima- se do jornalismo operário, sendo ambos direcionados à função de informar a classe trabalhadora. Um jornal desta natureza deve, portanto, considerar as qualidades distintivas do seu público-alvo, a fim de ―transmitir a notícia que reflete o mundo de quem irá ler esse jornal‖ (GIANNOTTI, 2004, p. 12). A preocupação maior, segundo Vito Giannotti (2004) é com a linguagem do jornal operário, com a compreensão do que está sendo veiculado. Percebe-se que existe uma assimetria entre enunciador (jornal) e enunciatário (leitor/trabalhador), que poderia equacionada por meio da assunção do papel pedagógico pelo primeiro. Entretanto, em muitos casos, o jornal sindical não apresenta uma assimetria tão expressiva, ou pelo menos ela ocorre em menor nível. O problema da linguagem, portanto, depende da escolarização média do segmento trabalhista representado por cada sindicato. No caso de um sindicato de professores (como a APEOESP), a linguagem pode representar um obstáculo menor, considerando a formação exigida formalmente para o exercício do magistério. Ainda assim, é preciso que os veículos, de modo geral, cumpram o papel pedagógico com relação às questões políticas, esclarecendo-as ao seu público-alvo.

33No original: ―A trade union, as we undestand the term, is a continuous association of wage-earners for the

A autonomia do jornalismo sindical em relação ao jornalismo comercial deve ser ponderada, levando-se em conta que ambos constituem-se numa mesma configuração histórica e compartilham regimes de verdade, especialmente certos discursos provenientes dos campos da comunicação e da política. Vladimir Caleffi Araújo (2004, p. 20-21) aponta um exemplo desta situação: ―Nas relações de poder e contrapoder que se estabelecem no interior das organizações sindicais, as equipes de redação encontram-se em desvantagem (geralmente em situação de grande dependência) em relação aos dirigentes‖. Segundo o autor, as rotinas de produção de notícias na imprensa comercial constituem a própria profissionalização do jornalista, enquanto as rotinas de produção na imprensa sindical são marcadas pela dependência do jornalista em relação às fontes sindicais (dirigentes e militantes sindicais), que ―constituem o núcleo informador desse jornalismo‖ (ARAÚJO, 2004, p. 17-18).

Esta situação cria uma tensão entre o modo de atuar dos sindicalistas e dos jornalistas, produzindo efeitos que caracterizam o próprio modo como o jornalismo sindical tem se constituído atualmente. Entretanto, as competências profissionais do jornalista são aspectos importantes nas relações de poder específicas do jornalismo sindical. De acordo com Araújo (2004, p. 24), esta modalidade de jornalismo apresenta cada vez mais possibilidades criativas, produzindo mudanças nas rotinas tradicionalmente instituídas:

Essa competência profissional constitui-se, portanto, em trunfo das redações, que dela tiram partido para resistir às pressões, estender seu espaço de liberdade jornalística e ampliar o controle sobre a produção da redação. O movimento crescente de profissionalização da informação sindical, a evolução dos meios e das técnicas de imprensa (surgimento de revistas de grande sofisticação editorial, informatização dos sistemas redacionais, criação de paginas na web propondo informações e serviços, produção de boletins eletrônicos, etc.) só fazem aumentar o caráter imprescindível de competências específicas.

Em meio aos conflitos e particularidades neste campo do jornalismo sindical cabe destacar outra questão importante, que diz respeito ao papel dos intelectuais responsáveis pela produção do jornal sindical. Foucault problematiza a função conscientizadora assumida pelos intelectuais, neste caso, uma função partilhada entre as lideranças sindicais e os jornalistas, afirmando que estes também fazem parte do sistema de poder. O fato é que as massas são capazes de saber e produzir conhecimentos sem a necessária mediação das lideranças. ―Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber‖ (FOUCAULT, 2005, p.71). A preocupação de Foucault é a de lutar contra a ordem do saber e possibilitar a destruição do sistema de dominação, o que não significa lutar para uma ―tomada de consciência‖ (2005, p. 71).

Assim como os meios de comunicação de massas, os jornais de cunho ideológico participam das estratégias de governamentalidade, ainda que seu campo de atuação seja tão complexo quanto a diversidade dos movimentos sociais e sindicais. Então, seria apropriado verificar qual o significado da diferença, independência e mesmo da liberdade supostamente atribuídas ao jornalismo sindical. Num campo dominado pelas lutas ideológicas, os indivíduos não elaboram os discursos apesar das condições em que estão inseridas. A crítica da realidade, no jornalismo sindical, é mediada pela visão de mundo dos representantes sindicais, o que significa imprimir certa perspectiva da realidade. Contudo, esta leitura da realidade não está desconectada de um contexto histórico e de um regime de verdade. Neste sentido, afirmar que um jornal sindical assume a luta pela liberdade indica também que esta luta só poderá se expressar por meio de um jogo discursivo historicamente situado. Segundo Thiago Fortes Ribas, a crítica à tradição só pode ser elaborada a partir das condições e dos instrumentos disponíveis historicamente. ―Se flertamos com a possibilidade de sermos diferentes do que somos em face de algumas situações, isso não se dá porque alcançamos a liberdade em algum lugar não histórico‖ (RIBAS, 2009, p. 154-155). Em outros termos, um jornalismo diferente, que se opõe à dominação, deve recusar ser porta-voz da verdade, buscando estratégias que viabilizem desconstruir a legitimidade dos instrumentos discursivos de dominação.

O jornalismo sindical possui características, potencialidades e possibilidades interpretativas diferenciadas do jornalismo comercial e factual. Atribui-se ao jornal sindical uma função mais abrangente do que noticiar fatos, incluindo a análise e interpretação da situação política, o que exige romper com os critérios de objetividade e imparcialidade dos grandes veículos. As ideias discutidas neste tipo de jornal são constituídas a partir de um movimento coletivo e pretendem questionar e modificar a realidade. Por isso, este jornal é ―uma forma de militância e tradução de preceitos políticos‖ (PENA, 2010, p. 172). A expressão da subjetividade, portanto, não deveria ser uma característica negativa neste tipo de jornal, ao contrário do que se verifica na imprensa comercial.

A questão da objetividade e imparcialidade tem uma dinâmica diferente num jornal sindical, como o Jornal da APEOESP. Embora, algumas vezes, um fato relacionado ao SARESP seja noticiado, há também momentos em que existe uma ―oportunidade‖ de resistência fora da lógica adotada pela imprensa comercial. O Jornal da APEOESP não responde, necessariamente, aos fatos, pelo menos não da mesma forma como a Folha de S. Paulo responde. Mesmo porque estes jornais possuem características e objetivos diferentes.

Um dos principais pensadores a desenvolver uma teoria de imprensa revolucionária, que relaciona as funções da imprensa com as lutas proletárias, foi Antonio Gramsci. Em suas análises sobre a participação da cultura nos movimentos estruturais da sociedade, Gramsci descreveu a ―hegemonia‖ como um movimento que busca equilibrar-se, ―sem que a força suplante o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – jornais e associações‖ (2000, p. 95). Desta forma, a eficiência dos processos de dominação está ligada à força que certas ideias adquirem, considerando sua difusão, especialmente pelos meios de comunicação de massas.

A questão do conflito é central na filosofia da práxis, permeando todo o projeto revolucionário. Em relação ao jornalismo, devido à própria experiência neste campo de atuação, ―Gramsci defendeu a participação da imprensa na formulação de um novo consenso, baseado na racionalidade dos valores universais comunistas‖ (FARIAS, 2012a, p. 1375). Segundo Nelson Traquina, a influência destas ideias podem ser encontradasnas ―teorias de ação política‖, que surgiram na década de 1970. Para estas teorias, o estudo das notícias deve levar em conta as ―distorções‖ da realidade, produzidas em função dos ―interesses políticos de certos agentes sociais bem específicos que utilizam as notícias na projeção da sua visão do mundo‖ (TRAQUINA, 2005, p. 163).

Em suma, a filosofia da práxis discute ―o conteúdo ideológico da imprensa‖ e, com isto, ―destaca o problema da parcialidade das notícias e das informações, buscando, superá-lo por meio de um projeto revolucionário‖ (FARIAS, 2012a, p. 1375). Entretanto, é uma teoria direcionadaao―aprimoramento social baseado na ideia de progresso‖ (p. 1367), objetivo defendido com base no consenso sobre um conjunto de ―verdades‖ revolucionárias. ―Sua maior contribuição, contudo, está na análise do jornalismo como atividade eminentemente política, sujeita às relações de poder historicamente constituídas‖ (p. 1375). 3.4 SÍNTESE DA SEÇÃO

Um dos aspectos relacionados à imprensa é que sua atuação participa da construção social da realidade. Isto significa que o modo como os indivíduos concebem o mundo e atuam são mediados por um conjunto complexo de relações e de práticas discursivas, nas quais o dispositivo midiático cumpre um importante papel. Contudo, cada vez mais as práticas discursivas da imprensa constituem inter-relações com outros dispositivos, exigindo uma constante reorganização estratégica.

Em meio a esta dinâmica, contudo, os atores sociais não são apenas receptores, pelo contrário, ao expressarem suas experiências cotidianas por meio de enunciados, tornam- se simultaneamente produtores e participantes do que se denomina realidade.

Como resultado da expansão econômica, a imprensa desenvolveu novas técnicas para criticar, sem comprometer seus interesses comerciais. Além disto, para seduzir a população e conquistar os leitores (consumidores), novas estratégias foram estabelecidas, dentre as quais os critérios de imparcialidade. Isto significa que a imprensa assumiu o desafio de mostrar a realidade com a maior isenção possível – ou pelo menos, criou táticas para transmitir esta ideia.

Durante a implantação da reforma neoliberal, em meados dos anos 1980, a Folha de S. Paulo também passou por reformas estruturais, implantando um novo padrão competitivo de jornal, o que a fez distanciar-se de um padrão que viabilizasse a autonomia dos seus jornalistas. Com as mudanças ocorridas no cenário político e no âmbito dos grandes jornais comerciais, as características profissionais também são reorientadas, especialmente em função das rotinas de produção de notícias e a constituição de uma cultura das redações. Isto se dá ao mesmo tempo em que as práticas jornalísticas passam a ser conduzidas segundo as demandas da industrialização e massificação dos jornais, quando são introduzidas nas redações eficientes instrumentos de racionalização.

O avanço tecnológico contribuiu muito para o estreitamento das relações entre jornalismo e política, produzindo um campo de atuação de interesse recíproco. O discurso da objetividade resulta numa produção jornalística que rejeita as opiniões e as expressões de subjetividade, tornando legítimas as interpretações da realidade baseadas em critérios objetivos. Deste modo, o jornalismo passa a atuar como intérprete da realidade, na medida em que o discurso da objetividade atribui valor legitimação às notícias. Também os critérios de seleção das notícias são instrumentos considerados eficientes para determinar a noticiabilidade, isto é, o valor das notícias.

Diante disto, os novos instrumentos de avaliação, como o Exame Nacional de Cursos (Provão) e o SARESP tornam-se um material de grande noticiabilidade à imprensa, por conta da divulgação de resultados, expressos na forma de rankings. A noticiabilidade destes resultados, inclusive, representa um aspecto de como a imprensa tomou parte nas estratégias de governação, contribuindo para que o discurso do SARESP se tornasse aceitável pela população.

Outro aspecto da mídia convertido em práticas de assujeitamento diz respeito à espetacularização, pois atribui grande valor ao modo de vida e aos fatos extraordinários. Este poderoso recurso também é mobilizado como tática de governação, na medida em que possibilita a legitimação dos discursos contidos nas políticas educacionais.

Quando a imprensa atribui valor aos acontecimentos não cotidianos, entram em cena as estratégias dos atores para garantir a visibilidade. As táticas compõem uma espécie de estética midiática, ou mise en scène (encenação). Este é um exemplo de como as práticas discursivas se constituem no campo de intersecção entre mídia e política.

A formação da opinião pública, outra questão muito discutida na área da comunicação, é bastante utilizada como categoria explicativa, contudo, é possível argumentar com base na formação do discurso e de seus efeitos. Esta noção também é mais ampla, pois o discurso resulta do encadeamento de diversas práticas e exercícios de poder, de modo que não enfatiza as informações transmitidas pela mídia.

A partir do que foi discutido, percebe-se que o jornalismo pode apresentar especificidades, como é o caso do jornalismo sindical, entretanto, não é possível afirmar que esta seja uma atividade autônoma em relação ao jornalismo comercial. Ambos partilham regimes de verdade e aspectos da profissionalização. Diante disto, inclusive, os jornalistas que trabalham com veículos de informação sindical tem a possibilidade de romper com a dependência em relação às fontes sindicais verificada nas redações dos sindicatos. Outro fator específico do jornalismo de informação sindical é a menor intensidade com que os valores do jornalismo factual agem sobre a construção das notícias. Isto permite que se rompa com a lógica da objetividade, dando mais espaço às opiniões.

Foram discutidos alguns aspectos do pensamento de Gramsci, apresentando uma leitura sobre o papel político da imprensa, considerando sua participação na constituição da cultura.Contudo, a defesa do aprimoramento social está ligada às formas de pensar o mundo a partir dos aspectos da dominação estrutural e do discurso como manifestação ideológica. Há, portanto, um claro contraste com a forma de pensar as relações de poder e as práticas discursivas adotadas na pesquisa. Ainda assim, compreende-se que a contribuição do pensamento gramsciano à análise do jornalismo seja a sua caracterização como atividade política, sujeita às manifestações do poder.