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Jornalismo desportivo: As mulheres ‘invadem o campo’

No documento Tese de Mestrado Liliana Pêgo (páginas 55-60)

3. Breves notas sobre o jornalismo desportivo em Portugal – do final do século XIX aos dias

3.7. Jornalismo desportivo: As mulheres ‘invadem o campo’

Como vimos anteriormente, o jornalismo desportivo é pouco estudado mas há outra categoria que recebe ainda menos atenção.

“Se já de si os estudos de género em qualquer disciplina são limitados, no âmbito

concreto da comunicação as contribuições reduzem-se consideravelmente” (Gallego, in

Silveirinha, 2004: 55). Se falarmos de mulheres no jornalismo, os casos estudados diminuem, e baixam significativamente para uma taxa residual, se nos referirmos ao jornalismo feito por mulheres na área do desporto.

Esta área sempre foi mais direcionada para os homens, e o jornalismo associado às modalidades desportivas seguiu o mesmo caminho.

É inegável que o jornalismo desportivo é dos tipos de jornalismo especializado mais importantes em termos de consumo mas, apesar disso, é ainda pouco estudado na generalidade. Torna-se mais raro ainda se falarmos das modalidades e na vertente feminina do desporto, quer em termos de prática desportiva como nas redações:

“Os periódicos desportivos tornaram-se no século

XX na principal área informativa especializada

(…) junto do leitor português (infantil, juvenil e

adulto, sobretudo na dimensão masculina, com a

presença, embora residual, do feminino). (…)

Inicialmente era uma imprensa de homens, escrita por homens, feita para homens, em que eles eram os únicos intervenientes e a única origem dos

temas”.

(Pinheiro, 2003: 41)

Em pleno século XXI, surgiu a pertinência de saber se esta questão ainda se aplica, e se se comprova que as mulheres já têm espaço nas redações dos meios ligados à temática.

E se à partida as mulheres estavam afastadas das redações de órgãos de comunicação social ligadas ao desporto, houve quem tenha singrado na profissão mas

muito lentamente. “Leonor Pinhão (…) explica estar convicta de que as suas conquistas

teriam chegado mais cedo caso fosse homem. Isto é, o facto de ser mulher ter-lhe-á dificultado os passos que deu” (Ventura, 2009: 129), e tal não é caso único.

Continua a ser “visto como algo curioso uma mulher que parece entender de

exportes” (Coelho, 2003: 35), em pleno século XXI.

Esta situação parece explicar-se pelo facto de as mulheres terem sido, anteriormente afastadas do desporto, levando-as a perder o interesse:

“Era quase impossível ver mulheres no esporte até

o início dos anos 1970. A coisa mudou. Não que hoje as redacções esportivas tenham o mesmo número de mulheres com relação ao contingente masculino. Mas é possível até que o índice feminino na redacção reflicta o interesse da

população”.

(idem, 34)

Durante séculos a mulher foi vista como, esposa e dona de casa, e a sua condição física deveria apenas servir para desempenhar as suas funções domésticas, e ter filhos.

Como tal, a prática de desporto era algo tido como exclusivamente para homens pois apenas eles, com os seus corpos atléticos e fortes teriam capacidade para o fazer.

Esta situação levou a que houvesse um distanciamento face ao tema. “As mulheres

jovens das classes populares partilham as paixões desportivos dos «seus homens»” (Bourdieu, 1998: 94), já que o afastamento levou, em certa altura, que o gosto pelo desporto tivesse apenas por base os gostos dos maridos, pais, ou companheiros.

Ainda assim, houve mulheres que quiseram mudar o rumo às coisas e tentar a sua sorte num mundo predominantemente masculino:

“De uma forma geral o interesse feminino por

assuntos que não estejam ligados apenas ao seu cotidiano como moda, educação, casa e filhos é justificado pelo aumento da escolaridade das mulheres e isso reflete em áreas que antes eram apenas dominadas pelos homens, como é o caso do

esporte”.

Os Jogos Olímpicos são o evento desportivo que junta mais atletas e modalidades e apesar de existirem desde a antiguidade13, foram os Jogos Olímpicos de Londres14, em 2012, que ficam para a história por, pela primeira vez, todos os países participantes terem mulheres na sua comitiva, quando em 1996 em Atlanta15, 26 delegações não tinham participantes do sexo feminino. Se recuarmos mais ainda até aos Jogos Olímpicos da Antiguidade, verificamos que o primeiro item do regulamento de participação era precisamente a impossibilidade de as mulheres participarem em qualquer modalidade.

A partir do início do século XX e até à atualidade, tem-se verificado um número crescente de mulheres a participar nos Jogos Olímpicos, e com prestações que permitiram bater diversos recordes olímpicos e mundiais.

Em 2012, Portugal viajou para Londres com 75 atletas que participaram em 13 modalidades. Desses, 43 (57%) eram homens, e 32 (43%) mulheres. Apesar os atletas portugueses de sexo feminino não estarem em maioria, aproximam-se dos 50%. Já no caso da Arábia Saudita que em 2012 levou pela primeira vez mulheres na sua delegação, a situação é bastante diferente. As duas atletas que integravam a comitiva não tiveram vida facilitada. Não só foram ignoradas pelos media do seu país, como

ainda foram apelidadas de ‘prostitutas’ por terem participado na competição. Ainda

assim, as duas mulheres fizeram questão de seguir as regulamentações do seu país. O Comité Olímpico Internacional autorizou-as a utilizar o hijab, o tradicional véu, nas provas em que participavam.

Apesar de ao longo dos anos as mulheres se terem vindo a interessar pela área, e pelo facto de cada vez mais se afirmarem no panorama desportivo mundial, muitas estão ainda distanciadas deste mundo, não só das pistas, campos, ringues ou pavilhões, como do jornalismo que acompanha esta área concreta:

13 Os Jogos Olímpicos da Antiguidade remontam ao ano de 776 a.C.. Após uma pausa em 393 a.C., regressam no final do século XIX como os Jogos da Era Moderna.

14 Participaram dos Jogos Olímpicos de Londres, 204 Comités Olímpicos Nacionais com cerca de 10.500 atletas das diversas modalidades. O evento decorreu entre 27 de julho e 12 de agosto de 2012.

15 193 Comités Olímpicos Nacionais participaram nos Jogos Olímpicos de Atlanta que decorreram de 19 de julho a 4 de agosto de 1996. Números oficiais apontam para a participação de 10.318 em 26

“(…) O esporte se faz presente na vida da grande

maioria das pessoas desde muito cedo. Seja por influência dos pais, ou grupo de amigos e vizinhança. Para ambos os sexos o esporte é mais do que uma curiosidade, um estímulo. Ele faz parte da vida seja torcendo em casa, dentro do estádio, ginásios, ou praticando. No âmbito profissional, o número de homens que praticam e fazem a

cobertura esportiva é maior que o de mulheres”.

(Mota, 2013: 7)

Muitos ainda pensam que como as mulheres não dominam no desporto, também não farão um bom trabalho ao fazer cobertura jornalística, narração ou comentários, e

quando o fazem, “têm que combater os estereótipos que estão enraizados, ou seja, têm que desempenhar as funções tão bem ou melhor do que os homens” (Cerqueira, 2008:

712).

Estes estereótipos têm permanecido, daí a dificuldade de as mulheres ingressarem este mundo:

“O jornalismo esportivo tem sido uma área em que

a conquista da equidade de gênero ainda está distante de ser alcançada. Há poucas mulheres nas redações esportivas e há poucas mulheres

protagonistas do noticiário esportivo,

principalmente na mídia impressa, berço histó- rico

dessa área do jornalismo”.

(John, 2014: 498)

Em Portugal, é o futebol que domina as atenções no mundo do desporto. O mesmo se aplica ao jornalismo que acompanha as modalidades desportivas:

“Ainda que sob ameaças de mudança, o futebol,

como frequentemente proclamado, parece

continuar a ser uma arena de masculinidade. Um número maior de homens do que de mulheres continua a viver o futebol, mas, uma vez que as mulheres vivem com os homens, o impacto do futebol, para o bem e para o mal, não está limitado

à parte masculina da sociedade.”

Nos últimos anos, tem-se verificado um acréscimo do número de mulheres nas redações na área do desporto, ou continuam a dominar os homens? As que integram estas redacções conseguem impor-se neste meio? Porque não há mais?

No documento Tese de Mestrado Liliana Pêgo (páginas 55-60)