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"Agente penitenciário mata a ex-mulher a tiros e comete suicídio em seguida"; "Suicídio entre adolescentes avança, e casos recentes mobilizam escolas"; "Grupos nas redes sociais incentivam o suicídio"; "Cantor sertanejo é achado morto com tiro na cabeça e polícia fala em suicídio". Esses são alguns títulos de notícias que abordavam a morte voluntária e que nos possibilitam, desde já, trazer algumas considerações. Eles foram escolhidos de maneira aleatória, mas são de publicações de abril de 2018, em veículos de comunicação do Brasil. Juntos ou separados, trazem à tona a percepção de que o suicídio é noticiado de diferentes maneiras. Apenas pelos títulos, verificamos que não existe um padrão, podendo passar do caso isolado de um cantor, para a mobilização em escolas, após suicídio de alunos. As reportagens indicam que o suicídio é noticiado, independentemente da existência do tabu.

Para tal investigação, partimos do pressuposto de que a relação do jornalismo com a temática é baseada na cautela. Trigueiro (2015) reconhece, a partir de sua experiência profissional e do envolvimento com pesquisas na área que, no meio jornalístico, é delicado lidar com o tema. “Na maioria absoluta dos veículos de comunicação, prevalece o entendimento de que as notícias sobre suicídio podem precipitar a ocorrência de novos casos” (TRIGUEIRO, 2015, p. 44). Em sua pesquisa, Dapieve (2006) recupera alguns fatores que influenciam no tabu. Entre as razões desse silêncio, estaria a tentativa de amenizar a dor dos familiares, ou mesmo o possível sentimento de culpa que essas mortes deixam. Por outro lado, Grando (2010) denomina esse silenciamento como uma “convenção profissional extraoficial, uma espécie de acordo entre cavalheiros” (GRANDO, 2010, s.p). Ao mesmo tempo, reconhece a necessidade de quebrar esse tabu.

Sendo assim, acreditamos que não existe um padrão sobre como se dá a cobertura dessa temática, podendo caminhar entre tons sensacionalistas e superficiais, até abordagens responsáveis. Os critérios que determinam se um caso

deve ser noticiado e como isso deve ser feito são ainda subjetivos. Dapieve (2006) argumenta que cabe ao profissional a função de dar essas respostas. Assim, não seria equivocado pensar que as redações e os próprios jornalistas encontram-se no processo de aprendizado sobre como abordar o assunto.

Afinal, do que é feita a cobertura do suicídio pela imprensa? A partir do olhar exploratório das notícias jornalísticas, durante o processo inicial de pesquisa, podemos dividir o conteúdo em dois blocos. O primeiro, pelo olhar de saúde pública. Por exemplo, em setembro de 2017, o Ministério da Saúde divulgou um panorama dos casos registrados no país, em um evento específico para a imprensa. Além disso, desde 2015, a morte voluntária começou a ser incluída na pauta jornalística brasileira, em função do movimento Setembro Amarelo, destinado à promoção da prevenção. A campanha de conscientização foi resultado de um movimento do CVV, do CFM e da ABP19, no Brasil. Uma das maneiras encontradas para chamar a atenção foi a iluminação de prédios e de locais públicos com a cor amarela, como o Cristo Redentor (RJ), o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto (Brasília), além da promoção de uma série de atividades e de ações. Uma grande parte delas foi focada na área da saúde e destinada aos seus profissionais.

O movimento acaba por entrar na pauta jornalística dentro de um processo comunicacional da hipótese do agendamento20 (MCCOMBS, 2009). Isso porque, a partir dos próprios exemplos citados, são atividades programadas e que tentam inserir o assunto no noticiário jornalístico. Segundo McCombs, a mídia, aqui entendida no seu conceito amplo de comunicação, pode escolher os temas que a sociedade vai discutir, o que está dentro da natureza do “jornalismo e a sua tradição de contar história à arena da opinião pública, uma relação com consideráveis consequências para a sociedade” (MCCOMBS, 2009, p. 16).

A segunda maneira, na nossa avaliação, é quando a notícia está relacionada a um caso ou a várias ocorrências de suicídios num determinado local ou grupo. “Se o suicídio está vinculado a outros crimes ou a situações que puseram em risco outras pessoas ou causaram transtorno à população, também ganha espaço nos periódicos”

19 Setembro Amarelo. Disponível em: www.setembroamarelo.org.br. Acesso em: 28 abr. 2018.

20 O agendamento deve ser compreendido como um sistema aberto, ao invés de fechado, como é no caso de uma teoria. Por ser uma hipótese, está sempre em processo de construção de experimentação, sem que, caso o resultado não seja favorável, a pesquisa tenha se perdido (HOHLFELDT, 2001).

(RAMOS, PAIVA, 2007, p. 127). Integram essa categoria ainda os casos de suicídios que envolvem personalidades ou as ocorrências de homicídio seguido de suicídio que, por suas características, recebem atenção da mídia.

Mas será que este tema sempre foi um tabu no jornalismo? Alguns estudos mostram que não. Assim, parece-nos fundamental tentar compreender quando houve essa mudança de posição da mídia, ao noticiar o suicídio, no Brasil, e sua argumentação. Notícias em jornais do início do século passado, por exemplo, mostram que o assunto era abordado, inclusive como destaque para detalhes das ocorrências e da vida pessoal do suicida e do método utilizado, como mostra a pesquisa de Carracho (2012), ao analisar as notícias de morte voluntária publicadas no jornal Correio do Povo (RS), nas décadas de 1930 e 1940. Uma das conclusões é que houve uma redução considerável no número de publicações sobre suicídio, indicando uma mudança de percepção sobre o assunto, no jornalismo. Para Carracho (2012), um dos argumentos que pode auxiliar no entendimento dessa mudança de relação estaria na recomendação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), de 1926, que pedia maior atenção por parte dos jornalistas ao abordar o tema.

Uma justificativa para a cautela do jornalismo, em relação ao suicídio, é que noticiar um caso de suicídio pode levar outras pessoas a adotarem o mesmo gesto, como um contágio ou um processo de imitação. Em outras palavras, a partir desse conceito, ao não dar destaque aos casos, o jornalismo evitaria que outros seguissem- os, como exemplos. Essa concepção está, em parte, relacionada ao denominado “Efeito Werther”, uma referência ao livro de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther (1774), em que um jovem comete suicídio após uma desilusão amorosa. A publicação teria estimulado outras pessoas a cometer o mesmo gesto e acabou tendo a sua comercialização proibida em alguns países.

A influência da imprensa, sobre a decisão de um indivíduo cometer suicídio, tem sido alvo de relevantes investigações, especialmente no exterior. Uma das pesquisas foi a realizada por Philips (1974) - citada por Gomes et al. (2014), que relacionou o comportamento suicida com a divulgação de notícias sobre o assunto, entre 1947 e 1968, em jornal americano. “Os resultados demonstraram um avanço significativo na ideação suicida após a publicação das notícias, havendo um decréscimo apenas dois meses após a sua divulgação” (GOMES et al., 2014). A pesquisadora Madelyn Gould, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos,

indicou que 29 de 42 (69%) estudos revisados, comprovaram a hipótese de influência da imprensa sobre casos de suicídio (RAMOS, PAIVA, 2007, p. 127). Outro estudo é de Steven Stack (2003), da Universidade Estadual de Wayne (Estados Unidos), que comparou a probabilidade de maior influência de uma notícia publicada no meio impresso em relação ao televisivo. Obviamente, no momento atual, é preciso levar em consideração a relevância de outros meios que podem ser avaliados como parâmetros, como a Internet, onde o acesso é, em grande parte, livre. Ainda segundo ele, “ao contrário das histórias de suicídio televisivas, reportagens impressas sobre suicídio podem ser guardadas, relidas, postas na parede ou no espelho das pessoas, estudadas”21 (STACK, 2003, p. 239). Há ainda outras reflexões sobre casos de grande repercussão internacional, como a maneira como foram noticiados, pela imprensa, os suicídios do cantor Kurt Cobain ou da atriz Marilyn Monroe.

No Brasil, a relação entre o possível contágio das notícias e casos de suicídio foi analisada por Dapieve (2006). Diante desse receio, o autor aponta que há uma necessidade da imprensa "fazer cada caso aparentar ser único, isolado, fechado, fruto amargo de uma perturbação pessoal" (DAPIEVE, 2006, p. 158). Outra conclusão é que, sob o receio de gerar imitações, a imprensa desqualifica o suicídio, como uma morte ilegítima, como descrito no seguinte trecho: "Dentro de cada um dos textos sobre casos de suicídio que consegue atingir as páginas esta mesma tensão entre a espetaculosidade (sua atração para o jornalista-leitor) e a subversão existencial da notícia (sua repulsa) é mantida" (DAPIEVE, 2006, p. 160).

Em seu estudo pioneiro sobre o suicídio, Durkheim também aborda a questão de influência. Explica que a imitação não é um processo que se restringe apenas ao suicídio, uma vez que tem cunho “puramente psicológico” (DURKHEIM, 2011, p. 129). A justificativa apresentada pelo sociólogo é que os casos de imitação ocorrem em contextos em que os indivíduos não apresentam vínculo social. “Um homem pode imitar o outro sem que sejam solidários um do outro ou de um mesmo grupo do qual dependem igualmente, e a propagação imitativa não tem, por si só, o poder de solidarizá-los” (DURKHEIM, 2011, p. 129). Ao contrário do silêncio, como defendido

21 “Unlike televized suicide stories, newspaper suicide stories can be saved, reread, displayed on one’s wall or mirror, and studied” (STACK, 2003, p. 239).

por alguns pesquisadores, ele afirma ser importante dar atenção para a maneira como o jornalismo fala sobre o assunto. Afinal, qual a melhor maneira de noticiar o suicídio?