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José Carlos Marinho Falcão – Um Chefe que nunca precisou de mandar

Aleixo Dias

― Médico, Saúde Pública

Conhecemo-nos no final dos anos setenta no Centro de Saúde de Cascais onde era Diretor e Delegado de Saúde, quando por lá passei no meu Internato de Saúde Pública. Não fazia ideia quanto este estágio influenciaria a minha vida futura. Desde cedo me entusiasmei com os seus projetos e com a forma como constituía as equi- pas, como as liderava e como lhes atribuía uma autono- mia responsável na execução das várias atividades do Centro de Saúde (CS). Algumas semanas mais tarde, du- rante a habitual reunião semanal, propus-lhe fazermos um estudo sobre escolioses na população escolar do concelho. Analisou-a com interesse, facultou-me os con- tactos do Hospital de Santana para referenciação, tendo o protocolo ficado pronto rapidamente. Com a enorme contribuição da equipa de Enfermeiras do CS, o trabalho de campo correu como planeado, tendo os resultados sido apresentados alguns meses depois, no decurso das Jornadas daquela instituição. A partir daí, nunca mais deixámos de interagir e colaborar.

Mais tarde, quando trabalhava em Aljezur e aguarda- va o exame para entrada na especialidade, telefonou- me e convidou-me para integrar com ele e com a Zilda Pimenta, a Unidade de Epidemiologia que estava então a criar na Direção-Geral da Saúde, no Serviço de Bioes- tatística dirigido pela Professora Doutora Amélia Leitão. É com prazer que recordo as primeiras reuniões, a listas de estudos e de indicadores a priorizar pois, parecia que tudo estava por fazer! Posteriormente juntaram-se a nós a Ana Miranda, a Isabel Falcão, o Pedro Rodrigues, a Re- gina Carmona, o João Feliciano, a Judite Catarino e o José Giria. A equipa cresceu e as competências reforçaram-se

em áreas como a Estatística e a Economia da Saúde. A dinâmica era fantástica: estudos, publicações, comunica- ções, formação, trabalho de campo e consultoria. Nesta fase não me posso esquecer da Dra. Teresa Martins, do Proença e da Maria Dias, que muito contribuíram para o sucesso da Divisão de Epidemiologia. Do que então se fez, fala a obra realizada e, em grande parte, publicada.

Mas, nem todos os estudos foram avante. Cito dois exemplos, pela sua curiosidade:

• Gastroenterites em banhistas das praias da Costa do

Estoril

Na altura o sistema de drenagem de águas residu- ais da zona de Cascais era muito deficiente e o CS confrontava-se com surtos frequentes de gastroen- terite e hepatites que, julgávamos poderem estar as- sociadas à atividade balnear. Foi, pois, sem surpresa, que um dia, estando já a estagiar no Serviço 4 do Hospital de São José, recebi o seguinte convite: — Ó Aleixo, você não quer vir tomar um banhinho ao Estoril? - É que nós precisamos de alguns voluntários saudáveis para um estudo que estamos a pensar rea- lizar...

Obviamente, declinei!

• A qualidade da água das pias batismais

Aqui a iniciativa foi minha e o propósito era estudar a qualidade das águas das pias batismais, onde os crentes colocavam os dedos antes de se benzerem, sendo que nesse processo tocavam os lábios, poden- do incorrer em risco de contaminação.

2 9 N un ca , n un ca s e es qu am d as p es so as

Depois de alguma discussão metodológica, recebi como resposta:

— O estudo até pode ter algum interesse, mas, para além de hereges, o risco de podermos ser interpreta- dos como bruxos, é imenso!...

Agrada-me recordar também as imperdíveis e muito participadas pay day meetings, que se realizavam cada dois meses “à volta do dia do pagamento”. Era um grupo de discussão e aconselhamento integrando profissionais da Direção-Geral da Saúde (DGS), Instituto Português de Oncologia (IPO), Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Associação Nacional das Farmácias (ANF), Faculdades de Farmácia, de Ciências, de Medicina e outras. Eram reu- niões abertas a todas as áreas do saber e tinham como propósito discutir e aconselhar quem quisesse expor as suas ideias ainda em fase embrionária, beneficiando dos contributos multissectoriais dos participantes.

Sublinho o clima de harmonia que o José Carlos criava à sua volta, fazendo com que as coisas acontecessem naturalmente, bem como, as boas relações institucionais e pessoais que sempre soube cultivar. Impossível não referir neste domínio, as mantidas com o Dr. Magão (Departamento de Estudos e Planeamento da Saúde, DEPS) e os Professores Cayolla da Motta (DEPS/ENSP), Bandeira e Costa (DGS/ENSP) e Soares de Oliveira (ENSP). Na London School of Hygiene & Tropical Medicine onde ambos estudámos, fez questão que escolhesse o Prof. Geoffrey Rose como meu tutor, dada a sua boa experiên- cia pessoal, algo que sempre lhe agradecerei. Em termos internacionais era uma voz muito considerada e respeita- da, nesses areópagos, tendo participado em inúmeras conferências da Organização Mundial da Saúde (OMS), da então CEE, das Redes de Vigilância Epidemiológica Eu- ropeias, mormente daEurosurveillance e a de Médicos-

Sentinela, tendo trazido até nós alguns peritos com quem estabeleceu amizade e entre os quais recordo: Viviane

Van Casteren (Réseau Medicins Sentinelle Belga) e Dou- glas Fleming (H&S). Mais tarde no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) juntaram-se à equipa ou- tros talentos cujo trabalho já só acompanhei à distância, mas que é justo aqui citar: como o Carlos Dias, a Maria João, o Paulo Nogueira, a Inês Batista e o Baltazar Nunes. A Helena Rebelo de Andrade deu, entre outros, um con- tributo fundamental no apoio à componente Laboratorial do Sistema de Vigilância da Gripe e, a Isabel Falcão e a Zilda Pimenta foram no INSA, tal como tinham sido na DGS, peças basilares do sucesso alcançado pelos vários projetos desenvolvidos.

O José Carlos (que sempre tratei por Dr. Marinho Fal- cão), tinha uma maneira própria de distribuir tarefas.

— Ó Aleixo, você não quer…?

Com esta elegância de trato, quem é que se atrevia a dizer que não?

Dávamo-nos bem e estimávamo-nos muito. Era muito competente, sensato, humilde, bem disposto, um excelen- te contador de histórias e um ótimo companheiro, que re- cordo com nostalgia e saudade. Nunca lhe ouvi um reparo, uma deselegância ou um tom de voz alterado.

A nossa relação fortaleceu-se ao longo dos anos e os laços de amizade estenderam-se às nossas famílias e a outros amigos seus, que passaram a ser nossos amigos também. Aqui refiro por especiais a Zilda Pimenta, a Ana Miranda, a Isabel Falcão, a Ana Paula Martins e suas fa- mílias. Cada um de nós seguiu depois os seus destinos, mas a nossa amizade extrapolou as relações de trabalho e foi-se consolidando, em Algés, no Banzão, no Cadoiço ou em Lagos, onde resolvemos comprar “poiso”, para continuarmos a partilhar os bons momentos das nossas vidas.

Em março de 2017, tal como noutras ocasiões, o Zé Carlos foi à nossa frente!...

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