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Capítulo 2 Representação diplomática portuguesa em Nápoles

2.1. José da Silva Pessanha

Nascido a 11 de abril de 1717, como filho ilegítimo do nobre D. Miguel da Silva Pessanha e de Antónia Luísa da Silva, José da Silva Pessanha é o primeiro diplomata a

ser acreditado no reino de Nápoles. Sobre as suas raízes sabe-se que foi batizado na paróquia da freguesia dos Mártires a 8 de junho de 1717.247 E que o pai conseguiu torná-lo seu válido herdeiro, em 1719, através de um requerimento dirigido ao rei D. João V. Sendo o apelido Silva Pessanha de formação recente – nascente de uma junção familiar já do século XVIII –, o primórdio representante deste patronímico foi o seu pai Miguel da Silva Pessanha, oriundo de Elvas. Em 1729 é concedida a José da Silva Pessanha a honra de ser armado cavaleiro. É também nomeado Moço Fidalgo da Casa Real em 1743 – ainda durante o reinado joanino – e é elevado à condição de Fidalgo escudeiro em 1744.248

No que respeita à sua vida pessoal, foi a estada em Nápoles que lhe permitiu conhecer a futura esposa, a nobre napolitana D. Leonor Spinelli, filha de Sebastião Spinelli, Príncipe de Cariati, e da sua segunda esposa, D. Maria Rosa Caraccioli.249 O enlace matrimonial do diplomata português com esta dama da nobreza napolitana realizou-se a 30 de setembro de 1759250, pouco antes de Pessanha deixar Nápoles. Do casamento com Leonor Spinelli nasce o seu único filho, Miguel da Silva Pessanha,251em 21 de dezembro de 1762.252

A primeira missão diplomática de Pessanha data de 1751, com a enviatura especial a Haia, onde, de acordo com as fontes da época, “desempenhou, ao que parece, um bom trabalho, visto que já durante a sua estadia na legação de Nápoles, os soberanos holandeses lhe enviaram um presente como lembrança dos seus préstimos”.253

Manifestando um interesse profundo pela literatura, Pessanha acumula na sua estada nos Países Baixos algumas obras relevantes, que vieram compor a sua vastíssima biblioteca.

247 KOROBTCHENKO, Júlia Platonovna, A Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros eda Guerra. A Instituição, os Instrumentos e os Homens. (1736-1756), Dissertação de Mestrado em História Moderna, Universidade de Lisboa, 2011, p. 165.

248 DOMINGOS, 1998, op.cit, pp.21 e 23. 249 KOROBTCHENKO, 2011, op.cit, p.166.

250 TANUCCI, Bernardo,Epistolario,volume. IX, 1760-1761, a cura di M.G.Miorini, Roma, Edizioni di Storia e Letteratura, 1985, p.189.

251 DOMINGOS, 1998, op.cit, p.30.

252 ANTT, TSO, CG, Hab., José, mç. 111, doc. 2555, fl. 19.

Chegou, aliás, a expedir de Haia para Portugal alguns livros de Voltaire (filósofo iluminista francês) endereçados a Pombal e ao próprio rei.254

Em 1753, Pessanha é o escolhido de S. Majestade Fidelíssima para ministro plenipotenciário na nova legação de Portugal em Nápoles. Numa carta enviada por Carvalho e Melo a Martinho de Mello e Castro, em 29 de janeiro de 1753, surgem bem explicitados os planos régios para a missão de Pessanha no reino de Nápoles, assim como o enorme sigilo da sua nomeação: “El Rey N. Sr. Tem nomeado em segredo a D.

Joseph da Silva Pessanha para seu Ministro na corte de Nápoles…”.255

O ministro plenipotenciário passou ainda por Viena, antes de se estabelecer em Nápoles. Para esta missão contava com uma pensão de 500 mil reis mensais e com um pagamento extra, geralmente concedido para cobrir as despesas com o envio de correspondência.256 Sendo este um encargo suplementar e, por vezes, oneroso para a

bolsa dos diplomatas. Em 1756, por exemplo, os gastos de Pessanha nos portes de envio eram os seguintes: “2.625 reis que despendeu em portes de cartas e secretaria desde

janeiro até ao último de agosto do corrente ano.”257

Na viagem para Nápoles, D. José da Silva Pessanha encontra-se em Roma com Carlos de Guevara, ministro plenipotenciário que a corte napolitana estava simultaneamente, a enviar para Lisboa. Ao cruzarem-se, a caminho das suas futuras legações, trocaram ideias sobre o que cada um podia esperar das cortes para onde se dirigiam. Na sequência deste encontro casual, Guevara escreve para Nápoles: “Informou-me de muitas coisas de Lisboa assim como eu lhe disse muitas coisas de Nápoles...”258 Em março de 1754,

Pessanha chega à cidade de Nápoles259, onde se estabelece com familiares e criadagem, numa “casa contígua à Vila Stefaniana, situada na estrada real, que de Nápoles conduz

a Portici.”260

254 DOMINGOS, 1998, op.cit.pp.24, 25 e 37.

255 ANTT, MNE, Caixa 816, de Carvalho e Melo para Martinho de Melo e Castro, de 29-01-1753. 256 ANTT, MNE, Livro 246, livro de despesas pertencentes aos Embaixadores e Ministros de S.

Majestade nas Cortes Estrangeiras, de 30-04-1756.

257 ANTT, MNE, Livro 246, livro de despesas pertencentes aos Embaixadores e Ministros de S. Majestade nas Cortes Estrangeiras, de 6-11-1756.

258 ASN, Esteri, Busta 917, de Carlos de Guevara para Marquês Fogliani, de 29-10-1753. 259 ASN, Esteri, Busta 918, de Marquês Fogliani para Carlos de Guevara, de 12-03-1754. 260 ASN, Esteri, Busta 918, de Marquês Fogliani para Carlos de Guevara, de 05-02-1754.

A partir de 1756, os ofícios de Silva Pessanha passam a ser endereçados a D. Luís da Cunha Manuel, que substituiu, a 6 de maio daquele ano, Carvalho e Melo na pasta dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.261 Porém, o futuro Marquês de Pombal só abandonou definitivamente os seus encargos da secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra no mês de agosto, quando passou a assumir o cargo de secretário de estado do Reino.

Nos seus ofícios, Pessanha preocupou-se sempre em relatar a rotina e o estado de saúde da família real das Duas Sicílias, assim como as constantes andanças daquela corte entre Nápoles, Caserta, Bovino, Portici e Procida. Normalmente este diplomata português e todos os outros que representavam as legações dos respectivos países eram recebidos pelos soberanos aos domingos, dirigindo-se muitas vezes para as reais casas de Caserta e Portici, caso a família real se ausentasse de Nápoles para uma temporada num destes locais.

Ainda em 1756, o ministro plenipotenciário português envia de Nápoles para Carvalho e Melo as primeiras informações que lhe chegavam sobre a Guerra dos Sete Anos. Segundo o que escreveu Pessanha, em Nápoles já se conheciam as ameaças francesas a Inglaterra e constava a possibilidade de uma mediação por parte da Espanha para um entendimento entre estas duas cortes.262 O diplomata assegura, ainda no mesmo ofício, que as notícias que tinha dada a localização geográfica de Nápoles, chegavam com algum atraso, estando Lisboa em melhores condições de receber as mesmas notícias mais atempadamente.

Em Junho de 1757, celebrou-se em Caserta o aniversário do príncipe primogénito do reino de Nápoles e Sicília, D. Filipe, o mais direto herdeiro ao trono não fossem as grandes moléstias na sua saúde física e mental, que com os anos se foram agravando. Naquele seu dia de aniversário, segundo mencionou Pessanha, o jovem príncipe não

261 ANTT, Lisboa. MNE, Caixa 778, de José da Silva Pessanha para D. Luís da Cunha Manuel, de 22-06- 1756.

262 ANTT, Lisboa. MNE, Caixa 778, de José da Silva Pessanha para D. Luís da Cunha Manuel, de 14-04- 1756.

apareceu para receber os ministros estrangeiros, como seria natural, transmitindo o diplomata português que a ausência se devia a tais efemeridades.263

Em relação às informações enviadas por Silva Pessanha acerca das hostilidades portuguesas com os jesuítas, no seu ofício de 22 de Novembro de 1757 vem uma lamentação do diplomata por não conseguir dar respostas às interrogações do rei de Nápoles sobre as pendências com os padres da Companhia de Jesus, por não lhe chegarem cartas de Lisboa sobre o desenrolar do caso dos jesuítas em Portugal.264

Após a morte da rainha de Espanha e infanta de Portugal, D. Maria Bárbara de Bragança, em 12 de setembro de 1758, o rei viúvo começa a dar sinais da debilidade da sua saúde.265 Este facto, rapidamente propalado, começa a ser conhecido além- fronteiras, acentuando a curiosidade das cortes europeias sobre os direitos sucessórios ao trono espanhol, por Fernando VI não deixar filhos herdeiros à coroa. Precisamente um ano mais tarde, em 11 de Setembro de 1759, Carlos de Bourbon torna-se rei de Espanha sucedendo ao irmão Fernando VI, já defunto desde 10 de agosto. Implicando a sua aclamação como Rei Católico (como já referido) a abdicação do trono de Nápoles em benefício de um dos seus filhos.

A proximidade de Pessanha ao novo monarca de Espanha motivou a sua promoção ao carácter de embaixador de Portugal na corte espanhola e, consequentemente, a sua partida de Nápoles para Madrid juntamente com a comitiva real. Pessanha esteve à frente da embaixada de Portugal em Espanha até 1762, quando o corte de relações diplomáticas suscitado pela ‘Guerra Fantástica’ entre os dois reinos ibéricos, o obriga a retornar a Portugal. Devido ao conflito, durante dois anos, entre 1762 e 1764 não houve representação diplomática portuguesa em Espanha, sendo somente reposta com a chegada de Aires de Sá e Melo, que é nomeado embaixador já em período de paz entre portugueses e espanhóis.

De ministro de Portugal em Espanha a preterido em Lisboa no final da vida, Pessanha deparou-se após a saída de Nápoles com a animosidade mantida entre as cortes ibéricas

263 ANTT, Lisboa. MNE, Caixa 778, de José da Silva Pessanha para D. Luís da Cunha Manuel, de 14-06- 1757.

264 ANTT, Lisboa. MNE, Caixa 778, de José da Silva Pessanha para D. Luís da Cunha Manuel, de 22-11- 1757.

265 ÁLVAREZ, Maria de los Ángeles Rodríguez, Uso y Costumbres Funerarias en la Nueva España, México, El Colegio Mexiquense, 2001, p.209.

durante a Guerra dos Sete Anos. Com a recusa de Portugal à adesão ao Pacto de Família – proposto pelos monarcas franceses e espanhóis – a chamada Guerra Fantástica deflagra em solo português, com a invasão do território nacional pelas tropas de Espanha.266

Em Nápoles, durante o curso da contenda ibérica, Tanucci permanecia bem informado sobre a situação de Silva Pessanha na corte madrilena. No dia a 5 de Janeiro de 1762 escreve ao Duque de Losada – gentil-homem de câmara do rei, também vindo de Nápoles com a comitiva de Carlos III, em 1759. Afirma nessa missiva que o diplomata português lhe parecia agitado em relação aos movimentos militares na Galiza.267

O ministro Tanucci guardava uma boa lembrança do diplomata português, de quem era bastante próximo, considerando-o mesmo um amigo. Como revela numa carta endereçada a Carlos III, na qual evidencia essa amizade, fazendo também uma observação sobre a decisão que desejava e esperava de Pombal em relação aos ingleses face às circunstâncias presentes. “Dê-me qualquer notícia de Silva e de Palavicini os

dois meus amigos… são dois homens honestos servem a Ministros honestos, mas não fáceis de informar a tempo. Carvalho, no entanto, realizou gloriosamente aquilo que planeava e assegurou a sua reputação. Ele deveria meter os ingleses na viga dos jesuítas. Não sei qual deles é mais pernicioso para Portugal.”268

A guerra ibérica ainda não tinha sido declarada quando o desagrado do ministério de Portugal acerca da atuação de Pessanha em Madrid se torna evidente (talvez por ser conhecida a proximidade do diplomata aos monarcas de Espanha) para o representante diplomático de Nápoles em Lisboa. Transmitindo-a de forma direta e taxativa: “Não se

ignora que aqui estão pouco satisfeitos com o Sr. Silva.”269 De facto, quando Pessanha

retorna a Portugal nesse ano de 1762, não volta a desempenhar qualquer cargo diplomático no estrangeiro ou na própria corte.270 Tornara-se quase persona non grata. Aliás, em 1765, estando a saúde de Carvalho e Melo momentaneamente ameaçada, a ponto de ser aventada a possível substituição do poderoso secretário de estado por

266 COELHO, José Maria Latino, O Marquês de Pombal, Lisboa, Grande Edição Popular, 1905, p.176. 267 TANUCCI, Bernardo, Epistolario, 1761-1762, a cura di M.G.Maiorini, Roma, Istituto Poligrafico e

Zecca Dello Stato, 1988, p.430. 268 Idem, ibidem, p.537.

269 ASN, Esteri, Busta 920, de Michele Pignatelli para Bernardo Tanucci, de 02-03-1762. 270 DOMINGOS, 1998, op.cit, pp.32.

Martinho de Melo e Castro ou por José da Silva Pessanha, “o Conde de Oeiras terá dito que o único que se reputava capaz para o efeito era o primeiro.”271

A já anteriormente referida ligação de José da Silva Pessanha à cultura e a posse de uma vastíssima e rica biblioteca (que foi compondo ao longo da sua vida) granjearam-lhe alguns momentos gratos nesta fase menos gloriosa da sua carreira. Em 1767, apesar de estar afastado da vida diplomática há alguns anos, Silva Pessanha ainda não tinha sido esquecido pela corte de Nápoles que, conhecendo o seu profundo interesse literário, ordenou que ao longo dos anos lhe fossem oferecidos os tomos já publicados da obra “Pitture di Ercolano.”

Embora estivesse apartado da vida pública e já não frequentasse a corte, este antigo embaixador continuava também a merecer a admiração do ministro plenipotenciário de Nápoles em Lisboa, D. Vespasiano Macedonio, que a ele se refere nos seguintes termos: “Este Sr. D. José da Silva, que desde o momento que residiu junto à nossa corte como

Ministro deste soberano, foi agraciado por S. Majestade não só com o volume do catálogo das PitturediErcolano, mas do primeiro e segundo Tomo daquela, gostaria de implorar pela munificência real a continuação da graça acordada, com os Tomos subsequentes. Quis que eu desse em seu nome súplicas a V. Excelência, e eu o faço com prazer, tratando-se de favorecer um cavalheiro que sabe merecer a estima dos outros, a consideração de V. Excelência.”272

Um mês após Macedonio ter redigido esta solicitação obsequiosa a de Silva Pessanha, é remetida para Lisboa a resposta de Tanucci, confirmando que serão impressos para o antigo diplomata os restantes Tomos das “Pitture di Ercolano”.273

Pessanha faleceu em 1 de fevereiro de 1775.274 Pouco tempo depois, grande parte dos seus bens foi submetida a leilão público, incluindo a sua vastíssima livraria.275 À data da sua morte foram conhecidos outros bens de José da Silva Pessanha. Para além da sua famosa biblioteca possuía “um Palácio na Freguesia dos Mártires, entre a Rua das

271 MONTEIRO, Nuno Gonçalo, D. José na Sombra de Pombal, Rio de Mouro, Circulo de Leitores, 2008, pp.271.

272 ASN, Esteri, Busta 922, de Vespasiano Macedonio para Bernardo Tanucci, de 01-09-1767. 273 ASN, Esteri, Busta 922, de Vespasiano Macedonio para Bernardo Tanucci, de 27-10-1767.

274 BRANDÃO, Fernando de Castro, História Diplomática de Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 2002, p.156.

Portas de Santa Catarina e a Rua do Outeiro, que perdeu com o terramoto. Tinha uma casa em Elvas e outra na Junqueira onde o seu neto D. João da Silva Pessanha construiu o Palacete Pessanha.”276

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