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6. Porto 24: Relatório de Estágio e Estudo de Caso

6.2. Relatório de Estágio

6.2.3. Jovem jornalista, velhas éticas

Interessa manter fresca a ideia de que, à altura da denúncia, um dos anunciantes do P24 era a Câmara de Vila Nova de Gaia. Com isto em mente, o morador informava os jornalistas da redação que era ávido leitor da edição impressa do jornal e do trabalho que os mesmo faziam para aprofundar os problemas que preenchiam a área metropolitana do Porto, trabalho este que levou a que o atual presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, se tivesse dirigido ao jornal regional, numa reunião, como “pasquim”, de acordo com a Ana Isabel Pereira.

O email fazia-se encher de um conjunto de fotografias das ruas de Vila D'Este após as obras de reabilitação urbana que tinham esburacado o pavimento mas que nenhuma medida foi tomada para o voltar a tapar a não ser a presença rotineira de uns empregados da câmara que iam para lá atirar terra para cima dos buracos, após períodos

de chuva. Com a rua esburacada, com verdadeiras “crateras”, de acordo com o queixoso, ficava agora a meu cargo descobrir sobre quem caía a culpa, se na empresa de construção, ou a Câmara de Gaia.

No primeiro dia em redação, tinha acabado de ficar a meu cargo uma das história mais interessantes e trabalhosas da semana, pensando “uma Câmara que não resolve problemas, isto vai ser giro”. Após uma manhã a reunir contactos com assessores da autarquia, a GaiUrb, a associação de moradores e alguns moradores da localidade, fui almoçar sozinho ao Bom Sucesso e lá fiquei a pensar sobre como abordar o caso. Não posso esconder, agora em retrospetiva, o nervosismo e a ansiedade que senti na altura, ainda não estando ciente do conflito de interesses que o jornal possuía com a Câmara de Gaia.

Ao ser informado da relação de intimidade entre o P24 e a CMVNG, também me foi deixado claro que nunca deveria afetar, de alguma forma, a minha abordagem ao caso. No entanto, o sentimento de desconforto manteve-se, temendo, de certa forma, alguma represália negativa para com o jornal, e mais tarde, para com a associação de moradores.

Ao entrevistar o presidente da associação de moradores de Vila d'Este ele assegurou-me que já se encontrava a par dos problemas, bem como a Câmara- que até ao momento se tinha recusado a prestar quaisquer declarações, limitando-se a passar-me de gabinete em gabinete, reencaminhando-me para o GaiUrb, que por sua vez me reencaminhavam de volta para a autarquia. Falamos quase uma hora, ao longo da qual, o líder da associação explicou e criticou as ações da Câmara de Gaia. No final pediu- me, num tom simpático, que contrastou, como da noite para o dia, com o resto da retórica crítica, e que ainda me deixou mais desconfortável com o trabalho que estava a tentar fazer: “Eu falei consigo sobre isto, agora, por favor, não seja mau a escrever o seu artigo, apesar de tudo, a autarquia de Gaia tem feito os possíveis e nunca teve qualquer obrigação em realizar as obras de reabilitação com dinheiros públicos”.

Agradeci e desliguei o telefone. Contactei com mais alguns elementos da população local (era quarta-feira, o artigo tinha de estar pronto no dia seguinte e ainda estava a escrever outros tantos artigos) e um dos moradores prometeu-me que, se a história fosse lançada, me garantiria fotos dos funcionários da Câmara (ou da empresa

de construção, não soube especificar) a tapar os buracos com areia, para remediar os estragos feitos pelas obras, para um possível “follow-up”, dado que estavam a chegar as eleições para as juntas de freguesia e ele estava certo de que eles voltariam a aparecer, trocamos os números e emails, prometemos que nos manteríamos em contacto.

O dia de redação aproximava-se do fim e o artigo continuava por escrever e até ao momento, a Câmara de Gaia recusava-se a prestar declarações, incomodado por isto, falei com a Ana que me incentivou a ligar para eles e a pressiona-los cada vez mais. “É de novo o Nuno Carvalho Marques, do P24, estou a ligar por causa da situação da via pública de Vila D'Este e desde segunda que me prometem uma resposta e ainda não recebi nada, vou lançar o artigo amanhã, caso não receba uma declaração ou me deixem falar com uma pessoa responsável, vou escrever que se recusaram a comentar”, o tom ameaçador da conversa encheu-me de confiança, contrastando vivamente com os meus pensamentos de insegurança dos dias anteriores. Seria esta agressividade a perseguir notícias que viria a marcar, creio eu, o meu caminho no jornalismo.

A assessora prometeu-me uma resposta, escrevi o artigo e deixei um espaço no fim para possíveis declarações, que de facto surgiram, na manhã do dia seguinte, mais uma vez, o meu telemóvel vibrava de madrugada e descartando de novo a mensagem recebida, apenas a li mais tarde, era uma das duas assessoras da Câmara de Vila Nova de Gaia com as declarações da autarquia, enviadas por mensagem pessoal, para o meu número pessoal... Admito, em retrospetiva, que desprezei a atitude, mas era uma componente necessária para completar a notícia [Anexo Jornal Impresso].

Agradeço, de certa forma, a liberdade e o apoio pelos membros do P24 que me foi garantida, a trabalhar um tema relativamente sensível, com todas as partes (jornal, autarquia e moradores) em conflitos de interesse. Tentei, ao longo de todo o trabalho, manter alguma imparcialidade e simpatia com todos os envolvidos e algum sentimento de assertividade quando as minhas expetativas não eram correspondidas nas informações que me eram fornecidas. Evitei a crítica e o julgamento na notícia, neguei o sensacionalismo e tentei fornecer igual espaço de declarações a todos os que estiveram dispostos a conversar comigo, embora alguns, como deixei claro, se tivessem mostrado mais disponíveis que outros mas, sobretudo, a confiança delegada no novo estagiário, deu-me um novo alento no trabalho e o confronto imprevisto com os problemas éticos

acabou por eliminar grande parte das minhas dúvidas em relação ao que queria e o que procurava no jornalismo e ajudou-me a cimentar a ideia de que podemos fazer algo para demonstrar os problemas e que, de certa forma, ainda há um pouco de “watchdog” a fazer da nossa parte. Nesta primeira semana acabei por produzir um total de 4 notícias para a versão impressa do jornal [Inserir Anexo Jornal Impresso]

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