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tem jovem homem tem jovem mulher

ro S â n g e l a S t e F F e n V i e i r a

Somos sempre, e em qualquer idade, o resultado das múltiplas relações que estabelecemos com os outros no mundo concreto.

(Carmem M. Craidy)

• Os jovens1 urbanos estão no centro das atenções em diversos estudos, das galeras funk ao hip hop, da participação política às estratégias de ingresso no mundo do trabalho, da drogadição à questão penal. O que sabemos já não torna possível sequer falar em juventude, no singular, mas sim em juventudes. Todavia, mesmo neste espaço plural, os jovens do campo permanecem quase despercebidos e só recentemente começam a ganhar status em dissertações e teses acadêmicas. Com a supervalorização do urbano e o suposto desmantelamento do rural,2 o esperado, ou o que se torna visível, é a migração dos jovens para as cidades. Nosso estudo foi dirigido aos jovens que estão no campo e, mais do que isso, os que se espera que permaneçam.

Cabe ressaltar ainda que, ao falarmos em jovens do campo, falamos também em um modo de pensar e agir que orienta uma parcela dos sujeitos que vivem no

 avaliamos diversas possibilidades para incorporar um tratamento de gênero na redação do texto, sem torná-lo uma leitura cansativa, com inúmeros parênteses e os repetidos “os/as,” e optamos por manter a redação no masculino, garantindo a precisão gramatical do texto. porém, utilizaremos o feminino no diálogo com quem está lendo o artigo, pressupondo tratar-se de uma “pessoa” – termo que em português é feminino. Cabe ressaltar que é apenas uma estratégia de redação e que não estamos incorporando a discussão teórica em torno da noção de pessoa. tampouco solucionamos a questão da redação, mas esperamos contribuir para problematizá-la. 2 a relação entre urbano e rural é abordada em diversos estudos e em diferentes perspectivas,

que variam desde a percepção como “dicotomia” à percepção de continuum. Sobre este debate, sugerimos a leitura de Stropasolas (2002) e Woortmann (995).

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meio urbano. Se é possível formular que o meio rural e urbano encontram-se imbri- cados, é preciso atentar para o fato dessa imbricação não ser uma via de mão única. Tendo definido o jovem do campo como objeto de estudo, nos dedicamos a compreender a condição juvenil em assentamentos do Movimento dos Trabalha- dores Rurais sem Terra (MST), atentando para o modo como jovens mulheres e jovens homens vivenciam sua juventude e sua sexualidade no contexto rural, com a especificidade da militância no Movimento.

I d e n t i f i c a n d o a s e m e n t e

Este artigo incide sobre o tema Juventude e sexualidade no Movimento dos Tra- balhadores Rurais sem Terra e o universo empírico refere-se a jovens residentes em cinco assentamentos do MST, localizados em uma mesma cidade do Sul do país, efetivados entre 1986 e 1998, abrangendo cerca de 150 famílias.

A opção por atuar junto ao MST advém da militância no Movimento, iniciada em 1999, e das inquietações decorrentes do convívio com jovens assentados. Ain- da que constantemente exaltado o potencial do MST como contexto e processo educativo e, dentro disso, a juventude sendo citada como “militância em processo de formação,” outras dimensões da condição juvenil pareciam invisibilizadas. In- quietava entender quais os significados de ser jovem naquele contexto, para além da militância. Neste sentido, buscamos identificar o que caracteriza o coletivo juvenil a partir de temas como cotidiano, família, rede de sociabilidade, iniciação afetivo-sexual e saúde sexual e reprodutiva, observando as possíveis interfaces entre juventude, gênero e a sexualidade.

 utilizamos esta grafia no decorrer do texto, tendo presente a perspectiva apontada por Caldart, ao enfatizar que “toda vez que usar neste trabalho a palavra Movimento (com maiúscula), estarei referindo ao MSt, mas também buscando chamar a atenção para a idéia mesma de movimento que está em sua identidade” (2000: 0).

 estudo realizado no âmbito do Mestrado em educação (ppge/CeD/uFSC), sob orientação do professor, doutor reinaldo Matias Fleuri. Vinculado à investigação efetuada junto ao pro- grama de Metodologia de pesquisa em gênero, Sexualidade e Saúde Sexual e reprodutiva, desenvolvido pelo núcleo de estudos da população (nepo/unicamp), em parceria com o instituto de Saúde (Cip/SeS-Sp), instituto de Medicina Social (uerJ), instituto de Saúde Coletiva (uFBa), escola nacional de Saúde pública (Fiocruz) e apoio Fundação Ford, sob orientação das professoras, doutoras estela aquino e Fabíola rohden.

5 Dado que sempre tomamos partido de acordo com nossos compromissos pessoais e políticos, Becker alerta que: “nosso problema é ter certeza que, qualquer que seja o ponto de vista que adotarmos, nossa pesquisa irá satisfazer aos padrões do bom trabalho científico, que nossas inevitáveis simpatias não tornarão nossos resultados sem validade” (9: ). expressar a condição de militante indica de onde falamos e o cuidado constante que tivemos em atentar para suas implicações.

Atuamos junto a jovens assentados que participam do processo de escolariza- ção, privilegiando como lócus de investigação uma das escolas situadas na região, por entender tratar-se de um importante espaço de socialização juvenil.6 Enfati- zamos o papel desta escola na vida cotidiana dos jovens, pois nela permanecem em média 30 horas semanais e, como verificaremos no decorrer do texto, configura-se como um dos mais importantes contextos de interação cotidianos.

Considerando o problema norteador da pesquisa (ou suleador, numa pers- pectiva freireana) e a relação já estabelecida entre pesquisador/pesquisados, uti- lizamos como principal estratégia metodológica a observação participante e a realização de entrevistas individuais semi-estruturadas, sendo selecionados para entrevista oito jovens, com idades entre 15 e 18 anos – quatro homens e quatro mulheres. No âmbito da observação participante desenvolvemos também uma oficina e uma experiência didática contemplando todos os estudantes (47 mu- lheres e 53 homens, com idades entre 10 e 24 anos).

A pesquisa trata de jovens assentados que não vivem mais na condição de não ter terra – esta cerca já foi desconstruída. São jovens que participam, desde a infância, do processo de luta pela terra e muitos já nasceram na condição de acampados ou assentados; por isso, e tomando como marco da história do MST o ano do primeiro encontro, 1984, estamos considerando-os a primeira geração a se formar no interior do Movimento.

O t e r r e n o e a f e rt i l i da d e d o s o lo

Juventude, rural, gênero e sexualidade: na imbricação desses fios tecemos nosso estudo. No entanto, trata-se de conceitos que não são unívocos e que se apresen- taram desafiadores na condução da pesquisa, fazendo com que nosso objeto de estudo fosse se transformando e adquirindo diferentes significados e, conseqüen- temente, diferentes interpretações ao longo do percurso.

Uma das primeiras questões a nos instigar foi: o que é juventude e como conceituá-la no meio rural? Porém, perguntar “o que é” pressupõe que haja uma identidade fixa, rígida e homogênea, e uma pergunta desse tipo possibilita ape-

6 Cerca de 80% dos jovens dos cinco assentamentos participam do processo de escolarização e estudam nesta escola que atende as séries finais do ensino fundamental e ensino médio.  na oficina foram desenvolvidas atividades que visavam à construção de símbolos individuais

e coletivos que representassem juventude por meio de diferentes linguagens, com a partici- pação de todos os estudantes. a experiência didática consistiu em duas aulas sobre o tema

sexualidade com estudantes de a e 8a séries, por solicitação da escola, que se tornaram im-

portantes fontes de dados, especialmente a dinâmica da “Caixa de dúvidas” onde estudantes depositavam questões sobre sexualidade, posteriormente discutidas pelo grupo. resultados desta dinâmica são apresentados na dissertação e em artigos específicos.

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nas uma resposta (é isso), como se tudo o que somos fosse plenamente dizível e imediatamente identificável. A identidade, no entanto, compreende um processo dinâmico de identificação, que acolhe contradições e diversas tramas de relações a partir das quais nos constituímos – esta mesma relação se apresenta nos grupos sociais. Não há, portanto, um conceito único e consensual. Enfoques distintos constroem formas diversas para compreender juventude.

Bourdieu alerta que, “a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável; e que o fato de falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar esses interesses a uma idade definida biologicamente já constitui uma manipulação evidente.” (1983:113). Assim, optamos por não eleger um critério etário para defi- nir juventude, ainda que reconheçamos ser válido para fins de operacionalização de políticas públicas. Dados os propósitos (e limites) da investigação no âmbito do mestrado, focamos nosso olhar sobre os estudantes, pois, além da distinção institucional, observamos que os assentados se referem a esses alunos como “a juventude do Movimento.”

Junto a esse grupo buscamos identificar o que caracteriza o coletivo juvenil nos assentamentos pesquisados, elaborando a compreensão sobre os jovens com base na percepção da juventude como construção social e na importância dos contextos de interação cotidianos, dos agentes de socialização e das distinções de gênero na constituição dos sujeitos. Também definimos como foco de investigação a vivência da sexualidade, como uma dimensão importante da vida dos sujeitos e que parecia seguir um curso de invisibilidade.

Dirigimos nosso olhar para o cotidiano juvenil com a intenção de identificar a articulação entre os contextos de interação e as formas de vivenciar a juventude, bem como, as formas de pensar e agir referentes à sexualidade, tendo presente a perspectiva de Pais, segundo a qual “torna-se necessário que os jovens sejam estu- dados a partir de seus contextos vivenciais, cotidianos – porque é cotidianamente, isto é, no curso das suas interações, que os jovens constroem formas específicas de consciência, de pensamento, de percepção e ação”10 (1993: 56).

A perspectiva de gênero que orientou a análise tem por referência a aborda- gem de Scott, para a qual “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (1995:86). A articulação

8 a organização escolar sugere uma delimitação entre uma fase de vida e outra, entre a infância e a adolescência/juventude. esta associação entre institucionalização e cronologização do curso da vida é indicada na leitura de groppo (2000), sobre as instituições modernas.

9 apesar da ênfase no cotidiano, não se trata de um estudo etnográfico, que demandaria outras opções teórico-metodológicas.

entre gênero e sexualidade é afirmada por diversos autores: Vance (1995) indica que seriam sistemas distintos entrelaçados em muitos pontos; para Heilborn e Sorj (1999) são dimensões autônomas que apresentam pontos de interconexão. Weeks (2001) indica, além de gênero, também classe e raça formando três eixos interdependentes particularmente importantes para compreender as estruturas de dominação e subordinação no mundo da sexualidade. Seguimos esse autor quando afirma que “nossas definições, convenções, crenças, identidades e compor- tamentos sexuais não são o resultado de uma simples evolução, como se tivessem sido causados por algum fenômeno natural: eles têm sido modelados no interior de relações definidas de poder” (2001:42), entre as quais destacamos as dimensões de gênero, etária, classe e raça/etnia.

O enfoque sobre o cotidiano juvenil, gênero e sexualidade possibilitou dimen- sionar questões pouco exploradas sobre relações sociais, especificamente no MST, e acreditamos que os resultados deste estudo possam oferecer elementos signifi- cativos para se analisar representações de gênero e sexualidade que configuram os significados de situações comuns vivenciadas cotidianamente pelos jovens sem terra assentados no Sul do Brasil.

J ov e n s e m M ov i m e n to

A identificação de “jovem” é um processo histórico-socialmente situado e, ao mes- mo tempo, se constrói por autodefinição. Para os jovens pesquisados, sua condição juvenil é definida principalmente pelas atitudes e formas de pensar “mais sérias,”11 sendo o critério etário uma referência complementar. A noção de “mais sério” está em comparação com a de infância e, quando relacionado aos adultos, o jovem se situaria numa condição intermediária, caracterizada pela aprendizagem, até adquirir “mais vivência” e “mais responsabilidade.”

Uma das características desta fase da vida – juventude – diz respeito ao in- gresso no universo das relações amorosas ou afetivo-sexuais, verificado nos depoi- mentos juvenis e também na literatura (Heilborn et al, 2002). As fronteiras entre as fases de vida, no entanto, são pouco precisas. Em relação à fase adulta, se tomarmos como indicadores os comumente usados na literatura, como a carreira escolar-profissional-familiar, precisamos considerar alguns fatores. Quanto ao processo de escolarização, seu prolongamento ou não, no contexto rural, estaria mais relacionado às possibilidades de acesso e permanência na escola. Concorrem, neste sentido, o imenso deficit da oferta de educação formal no meio rural brasi- leiro, a inexistência de uma política educacional eficaz e adequada para o campo,