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7.3 ANÁLISES DO QUESTIONÁRIO DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS

7.4.1.4 Jovens da zona rural: alguma diferença nas motivações?

Quando observadas as motivações de jovens advindos da zona rural vimos que estas não diferem dos demais participantes. As motivações relatadas por esses jovens focam a questão da oportunidade que a universidade situada no interior dispõe, o fator instituição pública se repete; e esta também é a concretização de um sonho, sendo incentivado por pais e professores. A questão do incentivo familiar surgiu nas falas de Pedro e Carlos, que têm nos familiares a motivação para cursar uma graduação, enquanto outros, como Amanda encontrou nos professores a inspiração para prosseguir nos estudos:

Porque eu não fui incentivada pelos meus pais, eles não cursaram o nível superior nem nada, mas eu sempre fui muito boa aluna, então os meus professores sempre viam em mim uma possibilidade de ir pra frente e de não ficar só ali, ai eu sempre tive muito incentivo dos professores, é tanto que acabei fazendo licenciatura...

Nas suas falas é evidenciada a graduação como via de superação da imagem de atraso que é recorrentemente associada à ruralidade e à continuidade ao trabalho no campo. Pedro pontua:

[...] eu vejo esse curso como uma forma de eu... mostrar que... o cara que é do sítio ele não precisa só cuidar de gado, ele não precisa olhar pra roça e achar que: ‘meu futuro tá aqui na roça’. Eu nunca me vi na roça, eu nunca me imaginei dentro de uma roça, nunca me imaginei criando gado. Como a maioria das pessoas do sitio fazem e como a maioria das pessoas da cidade acham que o pessoal do sitio pensa. Muita gente pensa, tem até um preconceito com isso, eu levo sempre na brincadeira porque é questão de informação, as pessoas não conhecem muito bem como é a realidade no sítio...

Camila se refere a sua saída, e de alguns amigos do campo como uma superação da imagem de inferioridade associada aos jovens do campo, através do acesso à educação:

Amanda: [...] nós mostramos que nós não somos aquilo, nós estudamos, nós

tivemos boas orientações, nós fizemos a nossa diferença porque as pessoas ficavam dizendo ‘não, vai ser só mais um agricultor!’, ‘vai ser só mais uma agricultora’, ‘você não vai ser mais nada que isso, só entra em universidade filho de rico, principalmente se for federal’ eu disse 'coisa nenhuma! Você vai vê eu lá!'. Cheguei e estou firme e forte.

O desconhecimento da realidade vivenciada pela população rural, especificamente a juventude é reflexo da invisibilidade propagada por anos de história e desenvolvimento do país. Durban (1975) pontua que havia no Brasil, no período de industrialização, a divisão simbólica entre dois países, que de um lado emergia o sistema capitalista com sua propaganda de progresso, racionalidade e produção de bens de consumo e, por outro, o retrógrado, o rudimentar e irracional, em que o meio rural era tido como ponto de resistência à modernização e crescimento econômico. Deste modo, a imagem de ruralidade associada à agricultura foi cultivada e repassada como sinônimos, trazendo em si o peso imagético de atraso, escassez e inferioridade quando comparado à vida urbana (RAPOSO DINIZ, 2010).

Castro (2009) reflete o processo de estigmatização que foi reproduzida, a partir de uma hierarquia entre rural/urbano, na desvalorização da cultura camponesa diante às diferenças que as condições de vida que ambas apresentam. Na fala de Camila é possível identificar essa representação quando diz: “Porque as pessoas acham que por você ser de uma zona rural você não conhecimento, você não tem capacidade, você é inferior!”.

Cabe dizer que o contexto rural é uma realidade autônoma composta por um espaço físico, com a ocupação e utilização da terra; local de habitação, como manifestação de um modo de vida e identidade; e lentes pelo qual se vê e se vive o mundo, em que é manifesta a cidadania rural pela qual o homem rural é inserido e se comunica na sociedade, não se constituindo como uma essência, mas uma categoria histórica que se modifica ao longo do tempo e história (WANDERLEY, 2013).

A autora pontua que compreender a juventude rural é olhar para uma dupla dinâmica: a social e temporal. A primeira se relaciona com as questões que envolvem a família, a comunidade local e a cidade, sendo estes espaços que significam a experiência dos jovens. Por sua vez, nesse contexto a dinâmica temporal se manifesta, demandando encaminhamentos futuros, como trabalho e sociabilidade, expressos na escolha profissional, matrimonial e de sucessão: “Essas dinâmicas se interligam e, através delas emerge um ator social multifacetário que pode ser portador, ao mesmo tempo e paradoxalmente, de um ideal de ruptura e de continuidade do mundo rural” (WANDERLEY, 2013, p. 47).

No relato de Amanda essa posição se manifesta na dificuldade em cortar os laços com o meio rural devido à necessidade de ir e voltar para ajudar os pais, já que “[...] tem a questão da minha mãe ser doente, aí ela precisa de mim lá, e ela ainda cuida da minha avó que é doente, então eu não posso me distanciar muito, pelo menos, nesse período de universidade, não dá...”. Os laços familiares também pesaram na decisão de Pedro ao migrar para morar em Garanhuns, ele relata que ao sair sua mãe chorou:

Assim, a coisa mais triste que eu vi na minha vida, coisa ruim viu? Eu sai de perto pra não chorar também, a vontade era de chorar também, porque.... é difícil, eu sempre fui, eu não sei, acho que sempre fui apegado a minha mãe, acho que é a pessoa da minha família que eu mais fui apegado... E é a pessoa que mais me apoiou, que sempre me deu mais apoio, sempre tentou me ajudar da forma que podia, ela tentava me ajudar e acho que esse laço... é difícil você vai sair de casa ai vê sua mãe triste porque você vai sair de casa, mas (riso) tem que sair né? Um dia, cedo ou tarde, você tem que sair de casa.

Assim, os jovens que vivem no contexto rural diferenciam-se dos que vivem no meio urbano apenas por um ambiente social específico que os solicita a responderem duas questões: ficar e dar continuidade à transmissão do patrimônio familiar ou sair em direção a uma profissão fora da agricultura (WANDERLEY, 2013). Tal encaminhamento se distancia do que é preconizado pelos teóricos clássicos da Psicologia, ao apontarem à saída da casa dos pais como um rito de passagem para a adultez (CALLIGARIS, 2000). Numa perspectiva sócio histórica, levando em consideração o contexto da ruralidade, a permanência no lar, se mostra como continuidade, em que o jovem rural assume o lugar de cuidador da figura parental. Wanderley (2013) pontua que tal decisão implicará em deixar a região rural, mesmo que por tempo determinado para se cumprir determinado objetivo, como estudar, já que este pode ser o único meio disponível. Sobre isso, Pedro e Carlos decidiram residir em Garanhuns devido às dificuldades de locomoção e dispensa de tempo, agravados no período de inverno e gastos financeiros que as viagens de ida e vinda acarretavam:

Carlos: Ai passou o primeiro período, segundo período, o terceiro período

eu vi que não tava mais tendo, eu não tava aguentando mais viagem, todo dia três horas de viagem todos os dias, principalmente quando chegava o inverno... pra ir pro sítio, chovendo, às vezes tinha que esperar meu irmão [...] Então tudo isso tava... me deixando muito cansado e muito tempo eu tava gastando... assim, porque eu não conseguia estudar viajando, tem pessoas que conseguem, eu não consigo estudar viajando porque eu enjoo...

Amanda, por sua vez, preferiu ficar na região urbana da cidade de sua residência, indo e vindo todos os dias para Garanhuns e aos finais de semana indo para a zona rural:

Pra morar aqui é mais caro e como eu não estou trabalhando no momento fica muito pesado e também tem a questão da minha mãe ser doente, aí ela precisa de mim lá, e ela ainda cuida da minha avó que é doente, então eu não posso me distanciar muito, pelo menos, nesse período de universidade, não dá...

A migração quando decidida de forma definitiva, não constituiu uma ruptura com a família de origem, em que são mantidos laços através do “[...] envio de dinheiro aos que ficam, a reprodução das relações de sociabilidade, especialmente o compadrio, a manutenção de interesses econômicos na localidade, as visitas periódicas e até a eventualidade do retorno.” (WANDERLEY, 2013, p. 209). Sobre isso, os participantes apontaram a educação como uma via de saída do contexto rural e como porta de entrada para um mundo maior, sem relatarem como projeto o possível retorno, mas tendo o desejo de expandir os conhecimentos através de pós-graduação:

Amanda: [...] eu sempre vi uma possibilidade de conseguir algo melhor

através de uma graduação, porque pra mim estudo sempre veio em primeiro lugar [...] estou vivendo esse momento, quando ele acabar, que eu me formar, pegar meu diploma eu vou sair daqui, vou pra outro lugar, vou migrar novamente...

Pedro: [...] acho que depois eu vou conseguir, tipo, tentar um mestrado,

fazer um doutorado. Muitas pessoas dizem: ‘tu ainda tá estudando?’ ‘Tô, e ainda quero estudar um bocado mais!’ Isso assusta algumas pessoas, que eles veem você estudando, e alguns mal chegam ao ensino médio, desistem.

Carlos: Hoje eu vejo que eu tenho outros mundos, eu tenho outros olhares,

hoje eu vejo que eu tenho que estudar mais, hoje eu vejo que eu tenho que conhecer mais, hoje eu tenho vontade de fazer especialização, um mestrado em sexualidade e Educação, que eu não tinha antes.

A questão do êxodo dos jovens residentes em zona rural é algo discutido por Abramovay (1998) ao investigar sobre a sucessão e envelhecimento da população rural e crescente desintegração desse tecido social. O autor pontua que o avanço da mobilidade populacional, especialmente a vivenciada por jovens, têm colocado a questão da “fixação do homem do campo” sob a tênue tarefa de conciliar a manutenção da cultura camponesa e o contato com as transformações e avanços tecnológicos que o meio urbano apresenta. Em seu trabalho, a questão da escolarização não foi vista como estímulo para o abandono do meio rural, porém, Carneiro (1998) aponta que a saída desses jovens para estudar ainda é pequena, mas é notória a formulação de projeto de futuro que inclui a saída com essa finalidade.

Castro (2009) observou que a educação surge como uma via para a decisão de continuar no contexto rural ou deixá-lo. A autora diz que o acesso à educação é ainda precário e acaba por limitar o ingresso de muitos jovens, que apesar de indicarem o desejo de dar continuidade à formação secundaria, não encontram condições de andamento em seus projetos de vida. Raposo Diniz (2010) encontrou tal fato na sua pesquisa ao observar que a escolarização é tida como um preparativo para o futuro, a possibilidade de uma vida melhor,

se tornar “alguém”. Porém, tal tarefa não é um meio para se alcançar tal empreitada, mas um fim, em si mesma.

Para os autores Ferrari et al (2013), a saída do jovem do contexto rural surge como efeito da sua não identificação com as atividades do campo, escolhendo projetos de vida que esquivam-se da profissão de agricultor. Tal afirmação é vista nas falas dos participantes, que por meio do acesso à educação superior, foi possível executarem seus projetos de vida e ambicionar uma realidade diferente da zona rural. Porém, como pontuam os autores, é lamentável que para seguir uma profissão diferente da dos pais seja necessário abrir mão do convívio familiar, se faz necessário o investimento nesses espaços de condições mínimas de cidadania: “[...] criando-se oportunidades para os jovens rurais desenvolverem outras atividades além daquelas estritamente agrícolas, contribuindo assim para a dinamização social e econômica do espaço rural” (FERRARI et al, 2013, p. 269).