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Julgados de Paz: um caso específico.

No documento Dissertação Texto Final 2 (páginas 31-34)

3. Os Meios Alternativos de Resolução de Litígios.

3.1. Breve noção dos meios com maior evidência em Portugal, além da Mediação

3.1.1. Julgados de Paz: um caso específico.

Previstos no artº 209º nº 2 da Constituição, os julgados de paz constituem uma modalidade de justiça pública. São, efectivamente, tribunais mas que, como diz Cardona Ferreira, “conjugam tradição e originalidade, informalidade e organicidade institucionalizada”, traduzindo uma instituição alternativa de

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Silva, Paula Costa e, obra citada, pág. 34 a 35: “cumpre perguntar se conciliação, mediação, arbitragem e

julgados de paz são verdadeiramente meios e se são realidades de ordem idêntica. Cremos que ambas as questões merecem resposta negativa. A expressão “meios alternativos” logo nos remete para uma relação. Uma coisa só é alternativa por referência a outra, a alternatividade não é uma qualidade absoluta. (…) Só haverá livre escolha se todos os meios em concurso forem funcionalmente equivalentes. Se a Justiça pública não é, nem eficiente, nem acessível, (…) os meios chamados de alternativos acabam por ser meios necessários e inevitáveis, minando-se a respectiva legitimidade com a supressão da liberdade de escolha efectiva, fundada no único critério que lhe deve presidir: o da adequação.”

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Silva , Paula Costa e Silva, obra citada, página 36 e 37: “Pior ainda: arbitragem, conciliação e mediação

são vistas como saídas possíveis para um sistema de justiça em crise. É, supomos, a atitude menos adequada quando se pretende a sua promoção. Com efeito, só se forem entendidas como boas em si – e não como boas por referência a um sistema que não dá resposta atempada aos problemas dos cidadãos – é que tais formas de resolução de conflitos poderão granjear confiança e aceitação (…) Ora, só haverá livre escolha se todos os meios em concurso forem funcionalmente equivalentes (…)”

resolução de litígios que tem inúmeros antecedentes em Portugal 57 58 e que, na actualidade, expressamente prevista na Lei Fundamental a par dos tribunais arbitrais, não representa mais do que uma modalidade “recuperada” na história judiciária portuguesa.

São, pois, tribunais não judiciais 59, sendo que a justiça praticada nos julgados de paz é uma justiça alternativa, diferenciada da justiça praticada nos tribunais comuns. Desde logo porque, no contacto com o cidadão, assenta na proximidade e na simplicidade, usando a mediação e a conciliação como meios potenciadores da resolução do conflito por via de acordo – o que traduz a promoção de uma visão não adversarial do conflito.

O artº 2º da Lei dos Julgados de Paz ( Lei nº 78/2001 de 13/07, hoje alterada pela Lei nº 54/2013 de 31 de Julho )estabelece os princípios regra que deverão estar na base da actuação destes tribunais:

57 No dizer do referido autor, Ferreira, J. O. Cardona “Julgados de Paz- Cidadania e Justiça. Do Passado,

pelo Presente para o Futuro”, in Boletim da Ordem dos Advogados, nº 23, Novº/Dezº 2002: “(…) E ainda

que eu pense que os Meios ditos Alternativos vêm dos confins da História, mesmo anteriores à Nacionalidade, permitam que transcreva uma anotação de Dias Ferreira ao artº 134º da chamada Novíssima Reforma Judiciária (Decreto de 21.05.1841), que se referia a Juízes de Paz e à sua institucionalização: “A instituição dos Juízes de Paz, como avindores, isto é, como concertadores de demandas ou de desavindos, tem entre nós uma existência de séculos, pois que data do tempo de el-rei D. Manuel I que lhe deu regimento em 1518, deferindo ao pedido que em 1481 lhe haviam feito as cortes em Elvas”. A instituição dos Juízes de Paz ou dos Julgados de Paz, tem tido assento, inclusive, nos textos constitucionais portugueses, com um ou outro nome(…). A primeira Constituição Política, a de 1822, referia-se-lhes sob a expressão Juízes de Facto(artº 177º). Mas, na Carta Constitucional de 1826(artº 129º), já aparece a expressão Juízes de Paz, repetida na Constituição de 1838(artº 124º). E, embora não expressos na Constituição de 1911, esta viabilizou-os, de modo que prosseguiram e os Julgados de Paz continuaram a ser reflectidos, inclusive, no artº 155º do Estatuto Judiciário de 1928. A própria Constituição de 1933 fazia referência a Juizes de Paz(artº 155º,2) que, porém, deixaram de ser aludidos em revisão constitucional de 1945(artº 116º), donde, creio, um certo apagamento, não suficientemente colmatado pelos chamados Tribunais Municipais, ainda que, curiosamente, o Estatuto Judiciário de 1962 tenha continuado a falar em Juízes de Paz, basicamente ao nível das freguesias(artº 2º nº 3). Quanto à Constituição da República Portuguesa de 1976, é com a revisão de 1997 que se reintroduz, na Lei Fundamental, a figura dos Julgados de Paz, o que foi aprovado pela unanimidade da Assembleia da República, embora os Julgados de Paz tivessem sido previstos logo pela Lei 82/77 de 06/12 e por um DL de 1979(nº 539/79 de 31/12) que viria a não obter ratificação da Assembleia da República.(…)”

58Coelho, João Miguel Galhardo, Julgados de Paz e mediação de conflitos, , Âncora Editora, (2003),

Lisboa, páginas 13-47, pág 13, encontra menções ainda mais remotas à figura dos juízes de paz :” no Código

Visigótico (ano 506 d.c.), referência aos defensores ou assertores pacis, importante corpo de magistrados investidos por especial autoridade real, com a prerrogativa de “fazer e manter a paz”. E também o Fuero Juzgo faz referência ao mandadeiro de paz, ao qual competia conciliar as partes, intervindo apenas em certas causas pré-determinadas pelo Rei, quando a importância das mesmas ou dos litigantes envolvidos fazia recear perturbações. Outros indícios históricos encontram-se nos forais dos concelhos portugueses da Idade Média, como o da vila acastelada de Caja (1260), onde pode ler-se: “o injuriado dê tréguas ao ofensor e recebe a satisfação por autoridade do dito juíz e vizinhos, e não traga parentes ou amigos de fora, salvo dando trégua e chamando-os para árbitros de paz.””

-participação.

Ao invés do que sucede no âmbito dos tribunais judiciais, em que as partes raramente intervêm e são mantidas à distância por via da sua representação em juízo por um profissional forense 60, nos julgados de paz apela- se à participação das partes. Trata-se, afinal, de uma certa inversão de entendimento ou de posicionamento: o direito processual civil tradicional entende que as partes não estão aptas, elas próprias, a tratar do seu litígio; a justiça de proximidade que define os julgados de paz apela precisamente ao contrário: em princípio, as partes são quem melhor percepção tem da amplitude do seu diferendo e da melhor forma de o pacificar. Isto sem prejuízo de o juíz de paz vir a ter de decidir por sentença, caso aquele entendimento não seja alcançado.

O que acima vai dito, não exclui o exercício do mandato forense no âmbito dos julgados de paz.

-Estímulo ao acordo ou auto-composição.

Trata-se de um princípio, e objectivo, que decorre da regra anterior, naturalmente. A parte participa activamente no processo, mantém-se informada, intervém dando a sua contribuição para a resolução do caso. Relevam aqui, portanto, as figuras da mediação e da conciliação.

-Simplicidade, adequação, informalidade, oralidade, economia processual

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De todos, o único que não é comum ao processo civil tradicional é o princípio da informalidade, intimamente ligado à justiça de proximidade que caracteriza os julgados de paz 62.

60 Todo o processo civil é orientado nesse sentido. Mesmo quando as partes são chamadas a intervir

pessoalmente, tal deve-se, as mais das vezes, ao objectivo de promoção da tentativa de conciliação ( veja-se o estabelecido para a audiência prévia no artº 591º nº 1 alínea a) e para a audiência de julgamento no artº 604º nº2 do CPC de 2013).

Mesmo o depoimento de parte veio sendo muito limitado ( artº 552º e 553º CPC em vigor até 31/08/2013), suscitando agora a lei nova uma maior abertura (artº 452º e seguintes do actual CPC, com especial anotação para o artº 466º que prevê a possibilidade de declarações da própria parte).

61 Lebre de Freitas, José, , Introdução ao Processo Civil -Conceito e Princípios Gerais, (2009) ,Coimbra

Editora

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Ferreira, J. O.Cardona, Julgados de Paz- Organização, Competência e Funcionamento, Coimbra Editora (2001), pág. 19 e seguintes.

No documento Dissertação Texto Final 2 (páginas 31-34)