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Técnicas e fases apontadas à mediação como meio de RAL

No documento Dissertação Texto Final 2 (páginas 58-64)

3. Os Meios Alternativos de Resolução de Litígios.

4.3 O binómio essencial: as Partes e o Mediador

4.3.2. Técnicas e fases apontadas à mediação como meio de RAL

Em resumo, portanto, o papel do mediador é, fundamentalmente, o de abrir e manter operativos os canais de comunicação entre as partes mediadas, ajudando-as a ultrapassar a angústia e os medos que as fizeram desfocar o cerne do problema para a litigiosidade pessoalizada, por forma a, assim, elas próprias descobrirem ou identificarem a verdadeira questão ou interesses em jogo e, conjuntamente, chegarem a uma solução genuinamente comprometida.

O mediador, de facto, conduz o processo, mas o conteúdo do litígio pertence ás partes. Não lhe é permitido negociar ou aconselhar qualquer das partes, ou mesmo ambas, sendo-lhe expressamente proibido impor qualquer solução 122.

122 Artº 2º alínea b) e 6º da Lei da Mediação.

Em bom rigor, dada a amplitude de situações com que tem de lidar e a inevitável flexibilidade que tem de colocar na sua acção, não será possível definir com exactidão o que é um mediador 123.

A doutrina denomina-o, genericamente, de “terceiro imparcial” 124, obviamente não com o alcance com que a expressão é usada, quanto ao posicionamento do juíz, no âmbito do direito processual civil 125, mas no sentido já acima debatido de facilitador, de agente de comunicação e de condutor da própria criatividade das partes na sua busca da solução.

Trata-se de um profissional - de um profissional numa posição não muito fácil, há que o reconhecer.

E há-de estar preparado para dominar as técnicas específicas de mediação 126, também por via da frequência de cursos de formação específicos para o efeito 127. Em todo o caso, o mediador é livre de escolher a técnica e adoptar a estratégia mais adequada ao caso que tenha de mediar.

Algumas dessas técnicas/ estratégias prendem-se com 128129:

a) o estabelecimento de uma relação que permita aliviar a tensão, elogiando o que seja positivo;

b) conseguir que as partes “se escutem, para se entenderem e assim, criarem esperança”;

123 Wilde , Zulema D. e Luis M. Gaibrois, obra citada, pagina 67 e 68, chamam à atenção para a existência,

nos EUA, de uma “terceira classe de mediação”, a chamada “intervenção emergente, na qual participa um

não especialista, interessado na resolução do conflito. Este terceiro teve uma relação prévia com as partes e possui um interesse real no resultado (exº pai, gerente, etc) “

124Gouveia, Mariana França, obra citada, pag. 48.

No mesmo sentido, Juan Carlos Vezzulla, obra citada, pag. 43 e 44: “ (…) o mediador não é um juíz, porque

não impõe um veredicto, (…) também não é um negociador que toma parte na negociação, com interesse directo nos resultados. Para o mediador , o importante é que os mediados descubram os seus verdadeiros interesses e consigam manter um mínimo de relacionamento para falarem sobre eles. Dependerá dos participantes a conclusão da mediação por um acordo ou não. Também não é um árbitro que emite um parecer ou uma decisão(..). Resumindo, o mediador é um terceiro neutral. Conduz, sem decidir. É neutral em tudo quanto dele se espera, em termos de intervenção na decisão.(…)”

125 Onde, desde logo, o juíz está investido de um poder de natureza pública.

126Campos, Luís Melo, “Mediação de Conflitos: Enquadramentos Institucionais e Posturas

Epistemológicas”, in José Vasconcelos –Sousa (Coord) Mediation In Action - A Mediação em Acção, Coimbra, MEDIARCOM/Minerva Coimbra , (2008), pag. 181 e 182.

Vezzulla, Juan Carlos, obra citada, pag. 44 e 45

127 Ver Portaria nº 237/2010, de 29/04 128

Vezzulla, Juan Carlos, obra citada, pag. 44

c) o impedir que as partes se agridam, promovendo, ao invés, a cooperação;

d) a necessidade de ajudar os mediados a separar, no conflito objectivo, aquilo que é puramente subjectivo, por forma a ser tratado separada e adequadamente;

e) a essencial tarefa de descortinar os verdadeiros interesses das partes, como vimos acima;

f) a noção de que, só o mediado sabe o que é melhor para si, pelo que não deverá ser julgado nem pressionado;

g) a adequada e perspicaz atenção ás emoções manifestadas pelos mediados, por forma a que estas, devidamente controladas, possam ser utilizadas positivamente na busca dos reais interesses e da solução, ou, no mínimo, neutralizadas para não prejudicarem o andamento da mediação;

h) o posicionamento ou chamada de atenção dos mediados para um contexto realista, ajudando-os, tanto quanto possível, a “descer à terra” e por isso mesmo a situar-se dentro de valores e critérios objectivos a que sempre estarão sujeitos quando sob avaliação numa situação real 130;

i) a capacidade para escutar, escutar sempre, pois o discurso do mediado é fortemente revelador, seja por palavras, seja por gestos ou quaisquer sinais;

j) a capacidade para criar um ambiente de confiança, de neutralidade e de respeito, com os mediados.

No mais, a doutrina aponta, ainda, a valia da intuição ou experiência profissional, no contacto com os mediados e que ajuda, sobretudo, a identificar atitudes de “transferência” e “contratransferência” 131 sempre prejudiciais ao bom andamento do processo de mediação. Embora este trabalho não cuide de aspectos psicanalíticos ( desde logo por desconhecimento científico sobre a matéria), compreende-se, contudo, o alcance desta anotação: implicando o

130

Vezzulla , Juan Carlos, obra citada, pag. 46, refere que os técnicos chamam a este processo de “ampliação

do bolo”, porquanto se decompõe o todo em partes, tratando apenas as que são relevantes, para além do que,

diz, a fragmentação potencia uma maior clareza na detecção dos interesses parciais.

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processo de mediação uma interacção entre indivíduos - entendidos como sujeitos a fragilidades, contradições e constrangimentos que decorrem da sua própria condição – inclusive o mediador, é necessário estar alerta, não só para as projecções de cariz afectivo ou fantasista que os mediados tentem fazer sobre o mediador (transferência) como também para o risco de o próprio mediador ser confundido pelos seus próprios pensamentos e sentimentos (contratransferência).

As indicadas acima, são técnicas tendencialmente comuns ao desenvolvimento da actividade do mediador no processo de mediação.

E este, como qualquer processo, é susceptível de ser analisado por fases, etapas ou momentos.

Importa, naturalmente, ter em conta que, conforme referimos a montante, a flexibilidade, informalidade e adequação do meio não permitem, as mais das vezes, a identificação de uma estrutura processual pura ou tipificada. Digamos que o procedimento tem um início, um fim, de permeio inclui actos que são de verificação necessária ou obrigatória, mas variando sempre em função do caso concreto.

Não obstante, a doutrina vem identificando, na direcção tomada pela mediação, algumas fases, embora de forma diferenciada:

Juan Carlos Vezzulla fala de 6 etapas no próprio procedimento de mediação, incluindo já no procedimento os actos preparatórios 132:

1ª Apresentação do mediador e das regras de mediação 2ª Exposição do problema por parte dos mediados 3ª Resumo e ordenamento inicial dos problemas 4ª A descoberta dos interesses ainda ocultos

5ª Gerar ideias para resolver os problemas. Os acordos parciais 6ª Acordo final

132 Obra citada, pag. 60 a 67.

Já Christopher W. Moore 133 dá relevância a 5 momentos anteriores ao procedimento propriamente dito de mediação:

1º Constituição de um relacionamento com as partes 2º Escolha da estratégia da mediação

3º Recolha de informação sobre as partes e o conflito 4º Programação detalhada da mediação

5º Estabelecimento de confiança e cooperação

No mesmo sentido de Moore, isto é, dando relevo á existência de um procedimento prévio, mas com menos fases, Henry Brown e Arthur Marriot 134:

1º Introdução das partes na mediação

2º Compromisso e acordo sobre as regras da mediação 3º Comunicação preliminar e preparação da sessão

No nosso sistema jurídico, a maioria destes momentos preparatórios acontecem com a pré- mediação, prevista no artº 16º nº 1 da Lei da Mediação e nos artº 49º e 50º da Lei dos Julgados de Paz 135.

Nos termos do disposto naquele artº 16º nº 1, haverá um primeiro contacto para agendamento da sessão de pré-mediação, com carácter informativo, na qual o mediador de conflitos explicita o funcionamento da mediação e as regras do procedimento 136.

O artº 50º da Lei dos Julgados de Paz revista está em consonância.

De notar que, tal artº 50º da Lei dos Julgados de Paz, na sua anterior redacção incluía um nº 4 que impedia o mediador da pré-mediação de intervir na mediação subsequente.

133 “The Mediation Process- Practical Strategies for Resolving Conflict ”,2nd Edition Revised , 1996, San

Francisco Jossey-Bass Publishers , consultado em www.colorado.edu/conflict/peace/moor7538.htm

134

Sweet & Maxwel, ADR Principles and Practice , (1999), Republished, pag. 154

135 Hoje alterada pela Lei nº 54/2013 de 31/07 que, no que respeita à mediação, tencionou adaptar a mediação

realizada nos julgados de paz à Lei da Mediação, de Abril do mesmo ano.

136Brito, Paulo, obra citada, pag. 278: “(…) Na pré-mediação é explicado ás partes em que consiste a

mediação e, no caso destas aceitarem tentar um acordo ( o que, diga-se em abono da verdade, acontece na maioria das vezes), é de imediato marcada a primeira sessão de mediação(…) que se poderá realizar logo de seguida desde que haja mediador disponível. A prática que tem vindo a ser adoptada em todos os Julgados de Paz consiste na realização das sessões de mediação imediatamente seguintes às sessões de pré- mediação, o que se enquadra nos objectivos de simplicidade e economia processual que presidem à organização e funcionamento dos Julgados de Paz.”

Hoje essa limitação não existe, por força do disposto no artº 27º nº 6 da Lei da Mediação.

Por outro lado, ao abrigo da legislação anterior, o mediador não teria conhecimento do processo antes da sessão de mediação, visto que não intervinha directamente no mérito da questão.

Assim, o seu primeiro contacto com o assunto advinha-lhe do contacto directo com as partes mediadas. Opção esta controversa 137, até porque, como já se concluiu, nem todos os casos são iguais. O mediador pode deparar-se com um caso cuja complexidade porventura apontaria como conveniente alguma preparação prévia.

Hoje essa questão está minimizada em virtude de, aquilo a que a Lei da Mediação, no seu artº 16º nº 2, chama de protocolo de mediação, prever expressamente a descrição sumária do litígio ou objecto ( nº 3 alínea e) da mesma norma).

Por outro lado, o contacto directo do mediador com as partes, apesar de não ter necessariamente de o ser conjuntamente e em permanência, era, ao abrigo da redacção anterior do artº 53º da Lei dos Julgados de Paz, no seu nº 3, limitado à autorização das partes para que o mediador pudesse reunir com alguma delas em separado.

Esta acção do mediador com as partes em separado, à primeira vista, entendia-se poder ser vista com alguma desconfiança pelos próprios mediados, pondo em risco o êxito da mediação. De facto, se as partes duvidarem da atitude e do comportamento discursivo do mediador quando está a sós com a outra parte, tal abalará inevitavelmente a credibilidade e confiança que têm de estar na base da relação mediador / partes.

De todos os modos, e sempre com a devida ressalva, esta é uma forma de abordagem que, em mediação, se denomina de caucus .

137Vezzulla, Juan Carlos, obra citada, pag. 60: “(…)Muitos mediadores exigem, antes da primeira entrevista,

um relatório contendo os elementos mais importantes do problema em discussão. Pessoalmente, acho muito importante que o primeiro contacto com o problema seja ouvido directamente da boca dos mediados.(…)”

A este propósito, Vezzulla 138 139, que entende que, em determinadas circunstâncias esta técnica poderá afigurar-se necessária, alerta para a necessidade de as partes serem logo de início ( na apresentação do mediador e das regras a observar na mediação) esclarecidas quanto à possibilidade de o mediador vir a fazer entrevistas a sós com cada um. Tal até reforçará conceitos a transmitir de início, como o respeito mútuo, falar com sinceridade e escutar com atenção, e a própria igualdade de oportunidades.

Ora, esta dificuldade, na actualidade, estará também muito diminuída. A regulação do procedimento de mediação, entre nós, vai progressivamente ganhando maturidade, como se vê pela revogação daquele nº 3 do artº 53º da Lei dos Julgados de Paz.

No documento Dissertação Texto Final 2 (páginas 58-64)