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O julgamento através do Conselho de Sentença: garantia ou castigo inerente ao acusado?

2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DOS JURADOS

2.3 O julgamento através do Conselho de Sentença: garantia ou castigo inerente ao acusado?

Analisando-se o exposto até então, percebe-se a existência de uma discussão acerca do modelo adotado pelo ordenamento jurídico penal pátrio para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A não motivação das decisões e, principalmente, a não observância ao princípio do in dubio pro reo, levantam sérias divergências acerca do instituto, questionando se o Tribunal do Júri é um castigo ou uma garantia inerente ao acusado.

Neste sentido, procuram-se soluções para que seja promovido um julgamento efetivamente justo ao réu. Todavia, ainda não foram encontrados recursos para que seja resolvido o impasse, motivo pelo qual a referida discussão ganha cada vez mais força.

Conforme já analisado, a decisão exarada pelos jurados não requer motivação, tampouco lhe é exigido que absolva em caso de dúvida.

Por outro lado, o direito de ser julgado por seus pares, inerente aos acusados de cometer um crime doloso contra a vida, é cláusula pétrea em nossa Constituição Federal, ou seja, em suma, não há possibilidade de alteração.

Por esta razão, o julgamento realizado através do Conselho de Sentença provoca, há muito tempo, divergências entre juristas e doutrinadores. Conforme o entendimento de Menezes (2013):

Por se tratar de previsão contida no rol das garantias individuais, tem-se que é um direito do acusado de crime doloso contra a vida ser julgado não por um único juiz, mas por um colegiado de membros de sua comunidade. Sendo garantia, o adequado é interpretar que mesmo aqueles que o juiz, se tivesse competência, eventualmente condenaria, podem ser absolvidos pelo Conselho de Sentença. Interpretar o contrário, no sentido de que o Tribunal do Júri poderia condenar alguém que o juiz, se pudesse, absolveria, contudo, é altamente violador à própria essência da garantia fundamental.

Considerando-se, assim, que não há qualquer observância ao princípio do in

dubio pro reo nos julgamentos proferidos pelo Conselho de Sentença, o Projeto de

Lei do Senado Federal n. ° 156/2009 preocupou-se em incluir no ordenamento jurídico uma possível solução para que se tenha um julgamento mais justo nos casos de crimes dolosos contra a vida.

Em consonância com a atual legislação penal pátria, a decisão ocorre por maioria mínima de votos, ou seja, exigem-se apenas quatro votos a três para que o réu seja condenado ou absolvido, ressaltando-se, novamente, que não há necessidade de motivação da decisão. Portanto, verifica-se que o princípio do in

dubio pro reo inexiste no instituto em estudo, vez que uma decisão por quatro votos

a três pode ainda ensejar dúvida quanto a real participação do acusado no crime em questão.

Em função disso, para que a presunção da inocência seja observada também no rito de Júri, o Projeto de Lei do Senado Federal n.º 156/2009, em seu artigo 349,

previa significativa mudança na composição do Conselho de Sentença, qual seja, o aumento do número de jurados. In verbis:

Art. 349. “O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 8 (oito) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.”

Como se vê, com a aprovação do referido Projeto de Lei, o número de jurados que formam o Conselho de Sentença passaria de sete para oito, acarretando na absolvição do acusado em caso de empate, pois desta forma restaria demonstrada a ausência de segurança na decisão proferida pelos jurados.

Ocorre que em uma segunda redação dada ao projeto, qual seja, a redação final, o legislador aboliu a referida modificação, optando pela permanência do modelo atual de formação do Conselho de Sentença, ou seja, a composição por sete jurados.

O projeto encontra-se, atualmente, em análise pela Câmara de Deputados. Não obstante, a modificação proposta pelo Senador José Sarney gerou muita polêmica no meio jurídico, formando opiniões divergentes. Segundo Pereira, J. e Pereira, D. (2011), alguns juristas ressaltaram que, dessa forma, haveria uma decisão mais justa, vez que, ocorrendo empate na decisão dos jurados seria porque a autoria do crime não foi suficientemente esclarecida. Por outro lado, alguns entenderam que a nova redação do artigo enfraqueceria o Tribunal Popular.

A questão é que o princípio do in dubio pro reo, constitucionalmente previsto, como já referido, não é observado nos julgamentos do Tribunal do Júri, pondo em cheque a real existência de justiça nas decisões exaradas pelo Conselho de Sentença.

É pelo acima exposto que parte da doutrina questiona até que ponto o direito de ser julgado pelo Tribunal do Júri é realmente uma garantia ao acusado, vez que não raras vezes o réu é condenado mesmo diante de um contexto probatório frágil,

enfraquecido, o qual obrigaria o juiz singular, em função da insuficiência probatória, a decidir pela absolvição.

O julgamento dos crimes dolosos contra a vida, realizado através de um colegiado leigo, é constantemente questionado pelos estudiosos de direito. Examina-se qual é a forma de julgamento mais benéfica ao réu: a soberania popular ou o saber jurídico?

Alguns doutrinadores defendem que o direito de ser julgado por seus pares não é uma garantia ao acusado, mas sim um castigo. Neste sentido é a posição de Pessanha, citado por Nassif (1996, p. 18):

O júri se antecipou no tempo, pagando alto preço por significar o começo da participação popular direta na distribuição da justiça. Expurgada de alguns vícios, decorrentes de sua constituição, trará o povo em missão pedagógica, para a justiça, compreendendo melhor a difícil ciência de julgar. A constituição de 1988 abriu clareira no sentido do leigo participar também de causas cíveis menos complexas. Se o presente assinala as prevenções (no sentido vulgar) contra a instituição, o futuro agradecerá ao júri a solução de seus problemas, com a plena participação do povo na administração e distribuição da Justiça.

Os ensinamentos de Streck (1998, p. 74), no entanto, mostram outra visão sobre o instituto, referindo que “desde sua criação, o júri causou polêmica no que tange à sua representatividade e principalmente quando à capacidade dos jurados para decidir questões consideradas pelos juristas como “de alta relevância técnica”, que os juízes de fato ou leigos não tinham capacidade de alcançar.”

Conforme Streck (1998, p. 74) “A discussão sobre a justeza dos veredictos emanados dos julgamentos do Tribunal do Júri surgem à tona principalmente quando é julgado um crime que tenha repercussão social.”

Coelho, citado por Streck (1996, p. 75) afirma que “o júri pouco está ligando para as altas questões jurídico-doutrinárias, mas comove-se, facilmente, com a retórica fácil e a oratória retumbante e vazia.” Lins e Silva, citado por Streck (1998, p. 74) afirma que:

Se o crime teve, direta ou indiretamente, uma conotação política, se foi cometido em desafronta subitânea e aparentemente excessiva a brios morais ofendidos e, sobremodo, se teve origem ou motivo essencial em uma paixão amorosa, logo se formam correntes de opinião, influenciadas e conduzidas pelo noticiário.

Coelho, citado por Streck (1996, p. 75), faz críticas ao Instituto do Júri, aduzindo que “o júri é uma instituição superada e deslocada no tempo, que Hungria já denominou de “osso de megatério a pedir museus”.” E ainda refere que:

O Tribunal do Júri continuará julgando mais pelo instinto do que pela lógica ou pela razão, pouco ligando para o que diga o Código repressivo ou a moderna dogmática penal. Escudado na soberania de seus veredictos e no juízo íntimo de convicção, suscetível de influências momentâneas as mais diversas, prosseguirá claudicando em sua missão, ora absolvendo os culpados e, o que é grave, também condenando os inocentes.

Streck (1996, p. 75), no entanto, rebate o posicionamento de Coelho, questionando se o juiz singular é realmente neutro e imune às influências externas, abdicando de “sua ideologia de classe, sua formação acadêmica e de suas derivações axiológicas.” Streck (1996, p. 79) ainda afirma que:

Cabe frisar, ainda, que a discriminação júri e, por consequência, dos jurados, tem uma relação muito íntima com o que se pode chamar de cientificismo, ou seja, usar a ciência ou colocar algo como científico para dar

status de verdadeiro e digno. O julgamento proferido pelos jurados não teria

esse status de pureza, de cientificidade. Afinal, segundo uma expressiva parcela da dogmática jurídica, os jurados, sendo leigos, julgam segundo seu senso comum, além de se deixarem influenciar pela “fácil retórica”.

Percebe-se, portanto, divergência de posicionamentos em relação ao instituto em estudo. Parte da doutrina entende que o Tribunal do Júri é a forma mais eficaz de participação do povo em decisões judiciais, sendo não só um direito inerente à sociedade propriamente dita, mas também uma garantia ao acusado de ser julgado por seus pares.

Por outro lado, há quem defenda a inconstitucionalidade do Tribunal do Júri, eis que os jurados não são dotados de conhecimentos jurídicos, decidindo muitas vezes com fulcro apenas em suas emoções ou influenciados pela fácil retórica.

Por fim, conclui-se que o Instituto do Tribunal do Júri não deve ser visto como um vilão, eis que há, sim, a possibilidade de que o julgamento realizado através do

Conselho de Sentença seja dotado da justeza que se espera. Contudo, deve-se admitir que a adoção de determinadas medidas mostra-se impositiva para que o aludido instituto passe a observar garantias inerentes ao réu e constitucionalmente previstas, as quais jamais deveriam ter sido olvidadas.

CONCLUSÃO

O princípio do in dubio pro reo está expresso no artigo 5.º, LVII, da CF/88, o qual determina que sempre que não se tiver certeza da autoria e da materialidade de um crime, o réu deverá ser absolvido da imputação que lhe está sendo feita. Assim, o réu apenas deverá ser condenado quando for certa a sua participação em um fato ilícito, sendo que esta certeza deverá ser embasada em um mínimo de elementos probatórios existentes nos autos.

Por este motivo, ao sentenciar o Juiz deverá fundamentar a sua decisão, explicitando as motivações que formaram a sua convicção. No entanto, o mesmo não acontece no julgamento realizado através do Tribunal do Júri. A presunção da inocência é excluída desde a fase preliminar desse rito, vez que na sentença da fase inicial, a judicium accusationis, em caso de dúvida o juiz procederá em observância ao princípio “in dubio pro societate”, o que quer dizer que decide-se a favor da sociedade, pronunciando-se o réu e submetendo-o a julgamento popular.

Estabelece a Constituição Federal Brasileira que o Tribunal do Júri é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida. Dessa forma, o Conselho de Sentença será formado por sete pessoas comuns da sociedade, portadoras de idoneidade moral notória, as quais decidirão quanto à responsabilidade do réu em um determinado crime.

No julgamento em plenário não há obrigatoriedade de observância ao princípio do in dubio pro reo, o qual está expresso em nossa Constituição, em seu artigo 5.°, inciso LVII. Os jurados que formam o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri julgam com observância ao princípio da íntima convicção, portanto, faz-se

impossível saber quais os elementos preponderantes na formação da convicção do jurado e de que forma o Conselho de Sentença procede em caso de dúvida.

Para evitar que o jurado simplesmente “arrisque” absolvendo o culpado ou condenado o inocente, foi criado o Projeto de Lei do Senado Federal n.° 156/2009, o qual previa, inicialmente, uma mudança significativa na formação do Conselho de Sentença, qual seja o aumento do número de jurados para oito, sendo que em caso de empate, o réu seria absolvido, em homenagem ao princípio do in dubio preo reo.

Ocorre que em uma segunda redação dada ao projeto, esta mudança foi abolida, mantendo a formação atual do Conselho de Sentença, que é de sete jurados e, consequentemente, mantendo também a presente discussão.

Parte da doutrina questiona até que ponto o direito de ser julgado pelo Tribunal do Júri é realmente uma garantia ao acusado, vez que não raras vezes o réu é condenado mesmo diante de um contexto probatório frágil, enfraquecido, o qual obrigaria o juiz singular, em função da insuficiência probatória, a decidir pela absolvição.

Entretanto, em que pese a discussão acerca das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri e da não observância ao princípio da presunção da inocência ganhe cada vez mais força no mundo jurídico, o legislador ainda não encontrou uma possível solução para o problema.

Percebe-se que o julgamento realizado através do Tribunal do Júri não é de todo ruim. Deve-se admitir que este instituto é uma das formas mais eficazes de participação popular nas decisões do Poder Judiciário. O que se almeja, no entanto, é que o réu disponha de seus direitos constitucionais, os quais são severamente observados no rito comum e nas decisões do juízo singular, também nos julgamentos realizados pelo Conselho de Sentença.

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