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Tribunal do júri: o processo de formação da conviccção dos jurados e a não observância ao princípio do in dubio pro reo

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GRANDE DO SUL

LUÍSA FIUZA ISERHARD

TRIBUNAL DO JÚRI: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DOS JURADOS E A NÃO OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO

Ijuí (RS) 2013

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LUÍSA FIUZA ISERHARD

TRIBUNAL DO JÚRI: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DOS JURADOS E A NÃO OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Patrícia Marques Oliveski

Ijuí (RS) 2013

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Aos eternos jurados da minha vida, mestres do meu coração, Edson e Adriani, meus pais.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter guiado com tanta perfeição a minha vida até aqui, me indicando o melhor caminho e me protegendo de todo o mal.

À minha família e ao Guilherme, companheiro desta caminhada, pela compreensão quando precisei estar ausente, por me acompanharem com amor e estímulo durante toda a minha vida acadêmica, amenizando a minha ansiedade e mantendo-me firme diante dos obstáculos, mas, principalmente, por acreditarem em mim incondicionalmente.

Ao Dr. Vinícius Borba Paz Leão e à minha amiga Taís Carvalho, pela oportunidade de trabalho, pela confiança e pelo aprendizado. Saibam que vocês são os responsáveis pelo meu amor pelo direito penal.

À minha orientadora Patrícia Marques Oliveski, com quem eu tive o privilégio de conviver, me guiando pelos caminhos do conhecimento.

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“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos” Mateus 5:6

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O presente trabalho de pesquisa monográfica identificou os aspectos formadores das decisões proferidas pelo Conselho de Sentença, órgão julgador do Tribunal do Júri. Inicialmente, realizou-se uma análise histórica acerca do Instituto do Júri, apontando também a sua função, suas características e sua competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. Estudou-se o surgimento do princípio do in

dubio pro reo no ordenamento jurídico penal pátrio, analisando suas características e

expondo o entendimento doutrinário sobre o assunto. Explorou-se, ainda, a influência exercida pela mídia e por fatores emocionais na decisão exarada pelos jurados, bem ainda a função desempenhada pela Defesa e pelo Promotor de Justiça na formação desta decisão. Por fim, analisou-se o Projeto de Lei do Senado Federal n.° 156/2009 e discutiu-se o modelo mais adequado para julgar os crimes dolosos contra a vida: a soberania popular ou o saber jurídico.

Palavras-Chave: Tribunal do Júri. Mídia. In Dubio Pro Reo. Conselho de Sentença. Soberania Popular.

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The present research monograph trainers identified aspects of decisions by the Board of judgment, judging body of the jury. Initially, there was a historical analysis about the Institute Jury, also pointing to its function, its characteristics and its jurisdiction over crimes against life. We studied the emergence of the principle of in dubio pro reo in criminal legal parental rights, analyzing the characteristics and exposing the doctrinal understanding on the subject. Was explored also the influence exerted by the media and by emotional factors in decision rendered by the jury, and also the role played by Defence and the Promoter of Justice in the formation of this decision. Finally, we analyzed the bill the Senate n.° 156/2009 and discussed the most appropriate model to judge the crimes against life: popular sovereignty or legal knowledge.

Keywords: Jury. Media. In Dubio Pro Reo. Council of Judgement. Popular Sovereignty.

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INTRODUÇÃO ... 8 1 APONTAMENTOS GERAIS ACERCA DO INSTITUTO DO JÚRI E O PRINCÍPIO DO “IN DUBIO PRO REO” ... 10 1.1 Aspectos históricos sobre o Tribunal do Júri ... 10 1.2 Conceito e Características ... 14 1.3 Apontamentos gerais acerca dos sistemas penais e o princípio do “in dubio pro reo” ... 18 2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DOS JURADOS ... 24 2.1 Sentença imotivada: a influência da mídia e dos fatores emocionais na decisão dos jurados ... 25 2.2 O papel do Promotor de Justiça e da defesa técnica... 28 2.3 O julgamento através do Conselho de Sentença: garantia ou castigo inerente ao acusado? ... 35 CONCLUSÃO ... 41 REFERÊNCIAS ... 43

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca das primeiras noções sobre o Tribunal do Júri, a fim de efetuar uma investigação sobre o seu surgimento no ordenamento jurídico brasileiro, suas características e seu sistema atual. Esse estudo faz-se necessário em razão da crescente divergência existente acerca do Instituto do Júri, vez que alguns doutrinadores defendem que o Conselho de Sentença não é o órgão mais adequado para proferir uma decisão plenamente justa aos acusados de cometer um crime doloso contra a vida, sendo que em muitos casos os réus são condenados mesmo quando a prova da autoria do crime é duvidosa.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também uma proposta legislativa em andamento, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo sobre o Tribunal do Júri, revelar a importância do princípio do in dubio pro reo no ordenamento jurídico penal pátrio e apontar possíveis soluções para a problemática existente no Instituto.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma abordagem acerca dos aspectos históricos do Tribunal do Júri e do princípio do in dubio pro reo. Demonstrou-se que a origem do Tribunal do Júri não tem local ou data determinados, analisando o entendimento de alguns doutrinadores sobre o assunto. Analisou-se também o conceito e as características do Instituto, desde o seu surgimento até a atualidade, finalizando o capítulo com uma breve apreciação acerca do princípio do in dubio pro reo e dos sistemas penais brasileiros.

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No segundo capítulo é analisado o processo de formação da convicção dos jurados, explicitando os fatores que pesam na decisão do colegiado. Em um primeiro momento, estuda-se os efeitos da sentença imotivada proferida pelo Conselho de Sentença, expondo, ainda, a influência exercida pela mídia e pelos fatores externos, especialmente a emoção, na referida decisão. Investiga-se também a função exercida pelo Promotor de Justiça e pela defesa técnica em plenário, ressaltando a importância da atuação de ambos no processo de formação da decisão final. Por fim, discute-se o modelo adotado pelo legislador para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, analisando-se se este é realmente justo, se é um direito ou um castigo inerente ao acusado, eis que não observa um princípio constitucional de extrema importância no ordenamento jurídico penal pátrio: o in dubio pro reo.

A partir desse estudo se verifica que há controvérsias no tocante a (in)justiça inerente aos julgamentos proferidos pelo Conselho de Sentença. Percebe-se, ainda, que a doutrina divide-se em dois posicionamentos: alguns entendem que o Tribunal do Júri é uma forma de incluir a sociedade nas decisões exaradas pelo Poder Judiciário, por outro lado, há quem defenda que o Instituto é um castigo ao acusado, eis que as decisões proferidas são muitas vezes injustas. Em que pese a existência de tal divergência, ainda não foram encontrados recursos para que o impasse seja resolvido, motivo pelo qual a referida discussão ganha cada vez mais força.

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1 APONTAMENTOS GERAIS ACERCA DO INSTITUTO DO JÚRI E O PRINCÍPIO DO “IN DUBIO PRO REO”

Para iniciar-se uma análise a respeito do Tribunal do Júri, faz-se necessário identificar alguns aspectos históricos acerca do instituto, bem ainda seu conceito e suas características. Analisar-se-á, portanto, no presente capítulo, a formação histórica do Tribunal do Júri nos países de origem, até o seu formato atual utilizado no Brasil, conceituando o instituto, apontando suas características predominantes e analisando os princípios que guarnecem o sistema penal brasileiro.

1.1 Aspectos históricos sobre o Tribunal do Júri

A origem do Tribunal do Júri não tem data ou local determinado. Alguns doutrinadores consideram que o Instituto do Júri surgiu no decorrer da Revolução Francesa, outros apontam que seu surgimento se deu com a Constituição Federal da Inglaterra, sendo que há também quem diga que o Tribunal do Júri é originário da Grécia. Nucci (2008, p. 41), afirma que:

O Tribunal do Júri, na sua feição atual, origina-se na Magna Carta, da Inglaterra, de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o júri antes disso. Na Palestina, havia o Tribunal dos Vinte e Três nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais Cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com pena de morte. Os membros eram escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de famílias de Israel.

Segundo Mossin (1999, p. 179), “deve-se admitir como possível que tem ele origem no direito inglês, embora com certa influência do direito romano.” E é neste mesmo sentido que afirma Tornaghi, citado por Mossin (1999, p. 179), referindo que:

Mal ocorria um crime e logo os moradores do lugar eram convocados para examinar o corpo de delito e investigar a autoria. Em seguida apontavam o indiciado ao julgamento (indictment). Por isso mesmo, o órgão por eles formado chamou-se júri de acusação. O julgamento era feito pelos juízes ou tribunais competentes. A pronúncia era uma acusação escrita que afirmava haver determinada pessoa cometido um crime ou delito.

Em que pese não haja registro de pioneirismo dos americanos no tocante ao instituto, com o passar do tempo o Tribunal do Júri acabou também sendo adotado

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pelos Estados Unidos, tornando-se uma garantia fundamental no país. Nucci (2008, p. 39) analisa o surgimento do instituto naquele país da seguinte maneira:

Ocorre que, em países como, por exemplo, os Estados Unidos, o júri é, de fato, uma garantia individual material. A razão é simples: muitos magistrados são eleitos pelo povo. Ora, como ser, verdadeiramente, imparcial, quando há uma campanha eleitoral por trás? Como pode o juiz Fulano julgar o réu Beltrano, sabendo que este apoiou seu oponente na eleição para ocupar o cargo de magistrado daquela Comarca? Por isso, Beltrano não será julgado por Fulano, mas invocará um tribunal imparcial para tanto: o Tribunal do Júri. Adquire a instituição o status de garantia fundamental material. Sem ela, não haveria justiça imparcial e esta, sim, é exigência internacionalmente reclamada por nações democráticas.

Por outro lado, no Brasil o Júri foi criado, segundo Mossin (1999), em uma época quando o país ainda era colônia de Portugal, através da Lei 186-1822. Franco, citado por Mossin (1999, p. 183), afirma que “coube ao Príncipe Regente, D. Pedro de Alcântara, por influência de José Bonifácio de Andrada e Silva, a instituição do júri no Brasil, pelo ato de 18 de junho de 1822, criando juízes de fato para julgamento de abuso de liberdade de imprensa.”

Segundo Rigo (2005, p. 9) a primeira formação do Tribunal do Júri no Brasil era constituída de “Juízes de Fato, num total de vinte e quatro cidadãos bons, honrados, patriotas e inteligentes, os quais deveriam ser nomeados pelo Corregedor e Ouvidores do crime, e a requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que atuava como Promotor.”

Neste sentido Nassif (1996, p. 25) afirma que:

A configuração inicial da instituição dentro da sistemática jurídica brasileira ocorreu em 18 de junho de 1822, meses antes da declaração da independência, com competência deferida ao julgamento dos crimes de abuso de liberdade de imprensa e, como curiosidade, note-se que eventual recurso tinha como instância destinatária a “real mercê” do Príncipe Regente. Evidenciava-se a intenção tutorial da Corte portuguesa contra a crítica à sua representação brasileira colonial.

Após, com o surgimento da Carta Imperial, foi atribuído ao Instituto do Júri matérias civis e criminais, o que foi mantido na Constituição de 1824, a qual, em seu artigo 151, previa que “O Poder Judiciário é independente, e será composto de juízes, e jurados, os quais terão lugar assim no cível, como no crime nos casos, e

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pelo modo, que os Códigos determinarem.” (Duprat, citado por Mossin, 1999, p. 184).

Segundo Nassif (1996, p. 26), a Constituição imperial de 25 de março de 1824 definia o Júri como um dos ramos do Poder Judiciário e “nasceu com a arbitrariedade do Poder Executivo, detentor da força. Dom Pedro I, percebendo o ideal constitucionalista de brasileiros envolvidos na sua elaboração, investiu contra o que afetava as conveniências do Imperador.” E o autor ainda refere que:

Promulgou-se uma Constituição qualificada pela influência libertária, conseqüente às ocorrências históricas, especialmente as reflexivas da revolução francesa, às quais teve de adaptar-se para pacificação do ânimo republicano, sem comprometer, porém, os pressupostos imperiais.

Dessa forma, constata-se que desde a nossa primeira Constituição, qual seja a Carta Imperial de 25 de março de 1824, o Tribunal do Júri sempre se fez presente, com exceção apenas da Constituição de 1937.

Mossin (1999) ensina que a redação da Carta de 1824 alterou o rol de questões de competência do Júri, não mais o limitando ao julgamento dos crimes de imprensa, mas definindo-o como um ramo independente do Poder Judiciário, competindo a ele questões civis e criminais, as quais eram definidas nos respectivos Códigos. O Júri era composto por juízes e jurados, sendo que estes se pronunciavam em relação ao fato, enquanto aqueles aplicavam a lei.

E a Constituição de 1824, conforme ensina Tubenchlak, citado por Rigo (2005, p. 11), determinou que:

Estavam aptos a serem jurados todos os eleitores com probidade e bom senso, com exceção apenas dos senadores, deputados, conselheiros e ministros de Estado, bispos, magistrados, oficiais de justiça, juízes eclesiásticos, vigários, presidentes, secretários dos governos das províncias, comandantes das armas e dos corpos de primeira linha.

Em 1832 surge o Código de Processo Criminal do Império, o qual altera novamente os crimes de competência do Tribunal do Júri, tornando prerrogativa deste instituto quase todas as infrações existentes à época (Mossin, 1999).

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Com o surgimento da República, surge também o Júri Federal que, segundo Tourinho Filho (1999, p. 217), “era composto por doze jurados e competente para julgar os crimes sujeitos à jurisdição federal.”

Conforme Mossin (1999), a Constituição Federal de 1937, como já referido, não fez nenhuma menção ao Instituto do Júri, motivo pelo qual o Decreto-Lei n.º 167, de 05 de janeiro de 1938 passou a regê-lo.

Sobre o assunto, Nassif (1996, p. 31) ensina que:

Em 10 de novembro de 1937, quando se avizinhava o fim de seu mandato, o presidente Getúlio Vargas dissolveu a Câmara e o Senado, revogou a Carta de 1934 e outorgou à Nação a Constituição de 10 de novembro de 1937. Inaugurava-se o Estado Novo, de vocação notadamente ditatorial. Causou perplexidade a ausência de norma tratando do Tribunal do Júri na Constituição (...). A omissão provocou clamor entre juristas, resultando que o Júri foi reconhecido existir pela primeira vez, sem expressa referência na Carta Nacional. Assim está colocado no Decreto-Lei 167, de 5 de janeiro de 1938, certo como órgão do Poder Judiciário. Este Decreto, mais tarde, foi incorporado ao Código Nacional de Processo Penal.

E, finalmente, na Constituição Federal atual, qual seja, a Constituição de 1988, a instituição do Júri encontra-se elencada no artigo 5º, inciso XXXVIII. Dessa forma, segundo Aramis Nassif (2009, p.24) “O Código de Processo Penal foi, no entendimento maciço dos doutos, inteiramente recepcionado pela norma maior e, assim, é a lei que organiza o Júri Popular.”

Para Nassif (1996, p. 17):

O povo julga o seu concidadão acusado de prática atentatória à vida de outrem (dolosamente), resultando, daí, a polêmica “soberania do veredicto”. Ainda que por amostragem, está representado pelo Conselho de Sentença e é ele que decide sobre a reprovável ou justificável ação violenta do acusado (ou afirma sua incompetência para o julgamento). Assim que o povo, sem muita distância do oficialismo estatal, mas com autonomia, exerce o poder dele mesmo emanado.

Dessa forma, atualmente, no Brasil, tem-se o Tribunal do Júri não só como um direito de ser julgado pelo seu semelhante, mas também como uma forma de incluir a sociedade nas decisões exaradas pelo Poder Judiciário, gozando do poder emanado pelo seu próprio povo. Assim, percebe-se que o Instituto atual difere dos

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anteriormente previstos, apresentando características específicas como se analisará a seguir.

1.2 Conceito e Características

Conforme já referido, o instituto do Tribunal do Júri encontra-se expressamente previsto na Carta Magna de 1988, em seu artigo 5.º, inciso XXXVIII, o qual assegura princípios basilares, quais sejam:

a) A plenitude de defesa; b) O sigilo das votações; c) A soberania dos veredictos;

d) A competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

No tocante ao princípio da plenitude de defesa, cabe ressaltar que, segundo Nassif (2009, p.24), “a simples outorga de oportunidade defensiva não realiza o preceito, como ocorre com a norma concorrente.” Neste sentido, cabe ao juiz, inclusive, interromper o julgamento quando constatar a ocorrência de cerceamento de defesa.

O princípio do sigilo das votações, por sua vez, veda a publicidade dos atos decisórios no Tribunal do Júri, objetivando prevenir eventuais represálias que os jurados possam vir a sofrer posteriormente ao julgamento em razão da sentença decretada.

Sobre o princípio do sigilo das votações, é o entendimento de Nassif (1996, p. 133):

Tenho que o Tribunal do Júri, não sendo órgão judiciário, e pela sua peculiar natureza, não incide na regra constitucional que versa sobre a publicidade dos atos judiciários. É por isso mesmo que entendo a impossibilidade de fundamentação das decisões dos jurados, expressão de seu convencimento íntimo, colhida do resultado de simples cálculo matemático.

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Por outro lado, o princípio da soberania dos veredictos impossibilita o juiz togado ou os tribunais de reformar a decisão proferida pelo Júri Popular. A exceção a este princípio ocorre quando a decisão for manifestamente contrária à prova acostada aos autos. Nassif (2009, p. 25), ressalta que:

Séria ofensa ao princípio emerge de decisões que excluem qualificadoras apreciadas pelo Júri ou, mais gravemente, quando são rejeitadas e acrescidas pelo 2.º grau. O pretexto para a violação é a de que as qualificadoras são matérias inerentes à pena, e não ao tipo. O STF e o STJ, todavia, repelem, com razão, tais argumentos. Por outro lado, é inaceitável que o julgamento seja parcialmente anulado para submeter o réu a outro apenas em relação à qualificadora, na sustentação de que apenas ela contraria a prova dos autos (art. 593, III, d, CPP). Tal orientação arrosta o preceito que assegura a plenitude de defesa e fere o princípio da

perpetuatio jurisdictionis.

E sobre a soberania dos veredictos, Nassif (1996, p. 137) ensina que “das observações feitas sobre o Tribunal do Júri (...) extrai-se o convencimento pela soberania dos veredictos, na eficácia e força de afastar qualquer pretensão recursal que não tenha por objeto matéria de direito.”

Por fim, a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida determina que apenas quando houver um crime em que o autor tenha a intenção (dolo) de ceifar a vida de outrem a competência será do Tribunal Popular.

Sobre a definição da expressão “crimes dolosos contra a vida”, Nucci (2008, p. 36) afirma que “é, igualmente, polêmica. Houve época em que se debateu, vigorosamente, no Brasil, o alcance da competência do Tribunal do Júri, visando-se incluir, na sua pauta, todos os crimes que envolvessem a vida humana, como bem jurídico tutelado.”

Por esta razão, o legislador preocupou-se em elencar taxativamente quais são estes crimes, quais sejam, aqueles expressos nos artigos 121, § 1.º; 121, § 2.º; 122, parágrafo único; 123; 124; 125; 126 e 127, todos do Código Penal. Os artigos referidos tipificam os crimes de homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto. Conforme entendimento de Mossin (1999, p. 21):

Homicídio é o delito que se configura quando se tira a vida de um ser

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O Código Penal não incrimina o suicídio, mas pune a colaboração que se lhe dá por induzimento, instigação ou auxílio.

Infanticídio é fato punível que se caracteriza pela destruição do feto levada

a efeito pela própria mãe, durante ou logo após o parto. É uma forma de homicídio privilegiado.

Aborto configura-se quando houver a destruição do embrião, desde sua

formação até o começo do parto.

Da mesma forma, o artigo 74 do Código de Processo Penal também aborda o instituto do júri, determinando o que segue:

Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. § 1.º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1.º e 2.º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 3 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

§ 2.º Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para a infração da competência de outro, a este será remetido o processo, salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência prorrogada.

§ 3.º Se o juiz da pronuncia desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 410; mas se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri, seu presidente caberá proferir a sentença (art. 492, § 2.º).

Neste viés, segundo Lopes Jr. (2012, p. 991),

A competência do júri é assim muito bem definida no art. 74, § 1.º, de forma taxativa e sem admitir analogias ou interpretações extensivas. Logo, não serão julgados no Tribunal do Júri os crimes de latrocínio, extorsão mediante sequestro e estupro com resultado de morte, e demais crimes em que se produz o resultado morte, mas que não se inserem nos “crimes contra a vida”.

Para Nassif (1996), esta competência decorre da relevância do bem da vida, vez que este é hierarquicamente superior a todos os demais protegidos pelo direito. E isto ocorre em razão de que a perda da vida não é passível de recuperação, restauração ou compensação, o que é perfeitamente possível em relação aos demais bens violados, subtraídos ou destruídos, os quais podem ser reavidos de alguma forma.

E no tocante aos crimes de competência do instituto, Nassif (1996, p.21) refere que:

Hoje, o crime é explicado como um fato natural da sociedade, em cuja integração não podem ser desprezadas as causas políticas, culturais e

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sociais, o que é, indubitavelmente, um avanço, mas, enquanto os estudiosos buscarem a causa da força criminosa crescente sem apreciação específica da causa da violência do homem contra o homem, com finalidade letal estrita, abalando a tranquilidade social, fabricando leis extravagantes e dirigidas à proteção de número especial de pessoas do conjunto social, manter-se-ão alheios à causa do delito mais significativo como ato humano, condenável ou não, que é o homicídio (despojado de atraçãoconexiva).

De outra banda, Nassif (2009, p. 23) conceitua o instituto do júri como “a garantia constitucional do cidadão ser julgado pelo povo, quando acusado da prática de fatos criminosos definidos na própria Constituição ou em lei infraconstitucional, com a participação do Poder Judiciário para a execução de atos jurisdicionais privativos.”

Por outro lado, conforme o entendimento de Nucci (2008, p. 40), “Formalmente, o júri pode ser considerado um direito humano fundamental, consistente na participação do povo nos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário.”

“O Tribunal do Júri é, apenas, uma garantia humana fundamental formal. Em hipótese alguma pode-se considerá-lo garantia individual essencial. Nos países em que não há júri – e são muitos – também é viável subsistir um Estado Democrático de Direito.” (Nucci, 2008, p. 39).

Nassif (1996, p. 25), afirma que “a doutrina, mesmo sem aprofundar a matéria, e mais timidamente ainda a jurisprudência nacional, tem enfrentado a dificuldade de conceituar o Tribunal do Júri ou, ao menos, situá-lo organicamente na estrutura judiciária do país.”

Nesta toada, Nucci (2008, p. 40) refere que:

Somos contrários àqueles que sustentam ser o júri a garantia à liberdade do acusado. Jamais o constituinte iria criar um tribunal que garantisse a

liberdade do autor de um crime contra vida humana. Esta é direito

fundamental essencial e quem contra tal direito se voltou não merece um tribunal “especial”, como se fosse uma autêntica “proteção”. Se assim fosse, um simples autor de furto mereceria maior proteção, pois seu delito é menos relevante.

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Alguns doutrinadores, no entanto, entendem que o Tribunal do Júri não pode ser considerado como órgão que compõe o Poder Judiciário, eis que o artigo 92 da Constituição Federal Brasileira apresenta um rol taxativo quanto à composição destes, sendo que o instituto em estudo não se encontra elencado no referido artigo.

Contudo, há entendimento diverso sobre este assunto apresentado por juristas e doutrinadores. E neste sentido, Nassif (2009, p. 23-24), se manifesta com o seguinte posicionamento:

Por que não admitir que o Tribunal do Júri nada mais é que a intervenção popular em Poder do Estado? Estou convencido de que a instituição é o meio pelo qual o povo passa a exercer diretamente o poder jurisdicional que, em todo o mais, é exercido em seu nome pelos juízes e tribunais.

Diante desta análise, percebe-se que o Tribunal do Júri é, atualmente, um importante instrumento de participação do povo nas decisões do Poder Judiciário. Contudo, questiona-se se realmente há justiça nas decisões proferidas pelo Conselho de Sentença, vez que o colegiado não é obrigado a observar alguns direitos inerentes ao acusado em decisões exaradas pelo juízo singular, como por exemplo, a observância ao princípio do in dubio pro reo, constitucionalmente previsto, conforme se analisará a seguir.

1.3 Apontamentos gerais acerca dos sistemas penais e o princípio do “in dubio pro reo”

Como bem referido por Lopes Jr. (2012, p. 115), “Na história do Direito se alternam as mais duras opressões com as mais amplas liberdades.” Não haveria frase mais oportuna para iniciar uma análise sobre os sistemas processuais penais existentes entre as diversas nações mundiais.

A classificação mais usual dos sistemas processuais penais existentes divide-os entre acusatório e inquisitório. O primeiro, pouco utilizado atualmente, prevaleceu até meados do século XII, contudo, acabou sendo substituído pelo modelo inquisitório, o qual perdurou em unanimidade até o final do século XVIII.

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Segundo o entendimento de Lopes Jr. (2012, p. 116):

Pode-se constatar que predomina o sistema acusatório nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática. Em sentido oposto, o sistema inquisitório predomina historicamente em países de maior repressão, caracterizado pelo autoritarismo ou totalitarismo, em que se fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais.

Lopes Jr. (2012) refere que o sistema inquisitivo caracterizava-se pela reunião em um mesmo órgão das funções de acusar e julgar, sendo assim, o juiz tem legitimidade para atuar como parte, investigar, dirigir, acusar e julgar, proferindo atos processuais sigilosos e sem a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O modelo inquisitivo apresenta como objetivo principal a busca pela verdade real a qualquer custo, considerando a confissão como a mais importante das provas e, em razão disso, sendo lícita até mesmo a prática de tortura para obtê-la.

Por outro lado, conforme Lopes Jr. (2012), o sistema acusatório aponta órgãos distintos para exercer as funções de acusar, defender e julgar. Neste modelo, o juiz deverá ser imparcial e as partes deverão receber tratamento igualitário, cabendo a elas a produção das provas. Os atos processuais deverão ser públicos, havendo observância aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição.

No Brasil, a doutrina majoritária define o sistema processual penal pátrio como misto. Isto porque, o modelo adotado abrange algumas características do sistema acusatório e outras do sistema inquisitório. Alguns doutrinadores afirmam ainda que haja predominância do modelo inquisitivo durante a fase policial, enquanto a fase judicial (instrução criminal) é regida pelo sistema acusatório de garantias.

Contudo, para Lopes Jr. (2012, p. 116):

Ora, afirmar que o “sistema é misto” é absolutamente insuficiente, é um reducionismo ilusório, até porque não existem mais sistemas puros (são tipos históricos), todos são mistos. A questão é, a partir do reconhecimento de quem não existem mais sistemas puros, identificar o princípio informador de cada sistema, para então classifica-lo como inquisitório ou acusatório, pois essa classificação feita a partir do seu núcleo é de extrema relevância.

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Necessária esta análise inicial sobre as características dos sistemas processuais penais para que se possa verificar como o princípio do in dubio pro reo surgiu no ordenamento jurídico penal pátrio. Segundo Lopes Jr. (2012, p. 235):

A presunção da inocência remonta ao Direito romano (escritos de Trajano), mas foi seriamente atacada e até invertida na inquisição da Idade Média. Basta recordar que na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve. Era na verdade uma presunção de culpabilidade.

O princípio da presunção da inocência surge então com a Declaração dos Direitos Humanos de 1789, sendo que no ordenamento jurídico brasileiro tal princípio encontra-se expresso na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, inciso LVII, determinando que todos serão considerados inocentes até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Para Zilli (2003, p. 145-146),

Historicamente, a presunção da inocência – para alguns melhor denominada de presunção de não culpabilidade - vinculou-se à superação das formas processuais comuns ao ancien regimen e à Inquisição, nas quais era o réu considerado como o objeto do processo e sobre quem recaía uma aura de culpabilidade e não de inocência.

O in dubio pro reo é considerado por Lopes Jr. como sendo “o princípio reitor do processo penal e, em última análise, podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância (eficácia).”

Há alguns autores, como Luigi Ferrajoli, por exemplo, que consideram que a presunção da inocência, chamada também de presunção de não-culpabilidade, é derivada do princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5.º, inciso LIV, da Constituição Federal Brasileira, eis que, segundo Ferrajoli, citado por Lopes Jr. (2012, p. 236):

Se a jurisdição é a atividade necessária para obtenção da prova de que alguém cometeu um delito, até que essa prova não se produza, mediante um processo regular, nenhum delito pode considerar-se cometido e ninguém pode ser considerado culpado nem submetido a uma pena.

Neste mesmo contexto, ressalta-se que a opção feita pelo sistema acusatório de garantias em relação ao princípio da presunção da inocência objetiva a

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preservação da imunidade dos inocentes, mesmo que, desta forma, se esteja sujeitando à impunidade de determinados culpáveis, em razão de que mais vale absolver o culpado, que condenar o inocente por um crime que não cometeu.

Em decorrência do princípio do in dubio pro reo, o ônus da prova no processo penal ocorre de maneira diversa a qual estamos acostumados no processo civil. No âmbito processual penal, segundo a doutrina e a jurisprudência majoritária, não se aplica o ditado “quem alega, prova” e nem mesmo “quem cala, consente.” Criminalmente falando, o ônus de provar uma alegação caberá sempre ao acusador, vez que o réu, presumidamente inocente, forte no artigo 5.°, LVII, da CF/88, não é incumbido de trazer aos autos provas que atestem sua inocência, inclusive sendo defeso a ele fazer uso do direito ao silêncio, constitucionalmente previsto, conforme artigo 5.°, inciso LXIII, da CF/88, sem que isso lhe acarrete qualquer prejuízo. Contudo, cabe, sim, ao promotor de justiça ou ao titular da ação privada comprovar a acusação que está sendo imputada ao réu.

Segundo Lopes Jr. (2012, p. 237):

Sob a perspectiva do julgador, a presunção de inocência deve(ria) ser um princípio da maior relevância principalmente no tratamento processual que o juiz deve dar ao acusado. Isso obriga ao juiz não só a manter uma posição “negativa” (não o considerando culpado), mas sim a ter uma postura positiva (tratando-o efetivamente como inocente).

Conforme entendimento de Capez (2006, p. 44):

O princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não-culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual. (grifei).

Neste mesmo sentido, Rangel (2006, p. 32) ensina que “nesse aspecto, o princípio do favor rei se enlaça com a presunção de inocência que, como vimos, inverte o ônus da prova. O órgão que acusa é quem tem que apresentar a prova da culpa e demonstrar a culpabilidade do cidadão presumido inocente.”

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Desta forma, percebe-se a expressiva importância do princípio do in dubio pro

reo frente ao ordenamento jurídico pátrio, vez que o referido princípio, tão

significativo que é, acaba também afetando o ônus probatório e a utilização de forma adequada, justa e eficaz das medidas cautelares, bem como a publicidade dos atos processuais, a qual ocorre por diversas vezes de forma abusiva.

Ocorre, no entanto, que o princípio do in dubio pro reo não é devidamente observado nos julgamentos de crimes dolosos contra a vida. No caso dos crimes de competência do Tribunal do Júri, o in dubio pro societate prevalecerá desde o momento da instrução preliminar, a judicium accusationis, sendo que quando da decisão de pronúncia, em caso de dúvida o juiz deverá pronunciar o acusado, decidindo a favor da sociedade. É neste sentido que ensina Streck (1998, p. 94), afirmando que:

Segundo a doutrina processual-penal, na sentença de pronúncia, o juiz emite um juízo de admissibilidade quanto à acusação, ou seja, mandará ou não o réu a julgamento pelo júri. A pronúncia é considerada pela dogmática como uma peça processual in dubio pro societate, isto é, havendo razoável prova de que o fato criminoso existiu e indícios de que o acusado seja o autor, isto será suficiente para levá-lo a Júri.

Streck (1998, p. 95) refere ainda que “tem-se, de qualquer sorte, uma situação inusitada criada pela lei: o juiz, na pronúncia (que é meramente declaratória), mesmo que pairem dúvidas quanto ao fato de ser ou não o réu o autor do fato criminoso, mandá-lo-á a júri.”

Outrossim, o posicionamento de Lopes Jr. (2012, p. 553) sobre o tema, é contrário a esta medida:

Importante destacar que a presunção da inocência e o in dubio pro reo não podem ser afastados do rito do Tribunal do Júri. Ou seja, além de não existir a mínima base constitucional para o in dubio pro societate (quando da decisão de pronúncia), é ele incompatível com a estrutura das cargas probatórias definida pela presunção de inocência.

E o entendimento de Lopes Jr. encontra respaldo na posição de outros doutrinadores, especialmente porque não há previsão constitucional que ampare o in

dubio pro societate. Segundo Lopes Jr. (2012, p. 554), “O sistema probatório

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exceção procedimental, inversão de ônus probatório ou frágeis construções inquisitoriais do estilo in dubio pro societate.”

E neste viés é também o juízo de Rangel (2009, p. 79), que afirma que:

O chamado princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus. (...) O Ministério Público, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis, não pode, com base na dúvida, manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal.

Neste sentido, percebe-se que a não observância ao princípio do in dubio pro

reo nos julgamentos proferidos pelo Conselho de Sentença põe em cheque a

questão de ser realmente o Tribunal do Júri um direito do cidadão que responde a um crime doloso contra a vida.

Nesta toada, segundo Menezes (2013), há uma discussão em torno do assunto, questionando se, afinal, o Tribunal do Júri é uma garantia ou um castigo ao acusado, aventando até que ponto uma decisão proferida por um colegiado, ou seja, não monocrática, é vantagem ao réu.

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2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DOS JURADOS

Questiona-se quais são os aspectos ensejadores de uma condenação ou de uma absolvição proferida pelo Conselho de Sentença, analisando-se quais os fatores que influenciam na decisão dos jurados: A emoção? O clamor público? Ou o jurado, da mesma forma que o magistrado, se limita a analisar apenas aquilo que está nos autos? E em caso de dúvida o jurado opta por votar pro societate ou pro

reo?

Segundo Nucci (2008, p. 41), atualmente, “o jurado vota pela “condenação” ou “absolvição” do réu, o que lhe confere poder, mas, sobretudo, responsabilidade. Essa mescla provoca o sentimento de civismo, extremamente interessante às nações que se pretendam democráticas.”

E Nucci (2008) refere que para poder exercer o “poder” e a “responsabilidade” citados por ele, o jurado deverá, entre outros requisitos, ser cidadão de notória idoneidade. Além disso, há quem defenda que cidadãos de qualquer camada social poderão formar o Conselho de Sentença, enquanto outros entendem que para ser jurado, o indivíduo deverá ser dotado de um nível intelectual mínimo.

Para Nucci (2008, p. 126), o objetivo do Tribunal do Júri é que o réu seja julgado por seus pares, ou seja, por pessoas do povo, neste sentido o autor refere que:

O ideal seria a possibilidade de convocar jurados de todas as camadas sociais, de diversos níveis econômicos e culturais, porém, assegurando-se um grau de conhecimento mínimo para que o próprio réu não termine prejudicado. Lembremos que a incompreensão de determinadas teses, por mais didáticas que sejam as partes durante a exposição, pode levar a condenações injustificadas ou, também, a absolvições ilógicas.

Nucci (2008, p. 126), ainda afirma que “teses jurídicas são debatidas em plenário à luz da sensibilidade humana e conforme o entendimento da pessoa comum, leiga, que possui bom senso, como regra, mas não é obrigada a conhecer as leis penais.”

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Isto posto, considerando que o jurado não possui, obrigatoriamente, conhecimentos jurídicos ou legais, como se dá a formação da sua convicção? Quais são os critérios utilizados por ele para decidir? Para tais perguntas não há respostas objetivas, mesmo porque se sabe que os seres humanos possuem entendimentos diferentes sobre um mesmo assunto. Contudo, analisar-se-á os fatores passíveis de influência no processo de formação da decisão do Conselho de Sentença, em especial os aspectos emocionais, a interferência da mídia nos casos de grande repercussão e as alegações da acusação e da defesa.

2.1 Sentença imotivada: a influência da mídia e dos fatores emocionais na decisão dos jurados

Segundo Bonfim (2012, p. 286), “a Justiça sopesa com dificuldades em sua simbólica balança, vida e liberdade, razão e emoção, e não sabe onde encontrar a morada de sua inspiração para aninhar os fatores decisórios à manifestação do

veredictum.”

Não se pode olvidar que fatores externos, em especial a mídia, exercem significativa influência sobre casos criminosos de grande repercussão no país. E isto ocorre não apenas relativamente aos crimes dolosos contra a vida, mas a qualquer delito que choque ou comova a população por alguma razão.

No entanto, quando um crime de competência do juízo comum é o alvo de especulação da mídia e da sociedade em geral, a influência que ela exerce sobre o julgamento do fato não causa grandes modificações na decisão derradeira. E isto porque o juiz deverá fundamentar a sua sentença com base apenas naquilo que está nos autos, não podendo valer-se de seus sentimentos, emoções ou intuição, devendo ainda observar os princípios que regem o processo penal, visando uma decisão justa e transparente.

Não obstante, a influência midiática é bastante significativa nos casos em que o réu será julgado pelo Tribunal Popular, eis que o jurado decide a partir de sua íntima convicção, não sendo necessário justificar a sua decisão, ou seja, sem que haja observância ao princípio do livre convencimento motivado e,

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consequentemente, do in dubio pro reo. Assim, dá-se ensejo a decisões motivadas não apenas pela mídia e pela opinião pública, mas também por emoções e sentimentos.

Neste contexto, Bonfim (2012, p. 286) afirma que:

A verdade é que o Colegiado Popular jamais conseguiu desconectar o coração do cérebro (...). Para a decisão, qualquer jurado é, antes de tudo, um ser humano, e não vive o comportamento da informática, programado para adotar uma postura nórdica, enregelada e hirta.

Dessa forma, o Conselho de Sentença emana de um poder tão rico, que pode decidir embasando-se no motivo que achar melhor ou então em motivo nenhum, condenando o acusado apenas porque não gostou de sua aparência, sendo que não precisará justificar isso a ninguém.

É bem verdade que uma decisão injusta não foi a finalidade que motivou a criação do Instituto do Júri, mas é frequentemente discutido o fato de que muitas pessoas já estão subjetivamente condenadas antes mesmo de sentar no famoso banco dos réus, em razão de como os fatos foram colocados pela mídia à população e do quanto ele repercutiu.

Para melhor se entender a questão em contenda, bem como a base legal e os princípios que regem a discussão referida, cabe explicitar alguns conceitos e posicionamentos doutrinários. Nesta toada, segundo Lopes Junior, citado por Koehler (2010, p. 27):

A motivação das decisões serve para o controle da racionalidade de decisão judicial. Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisdicional) ou discutir obviedades. O mais importante é explicar o porquê da decisão proferida, o que levou a essa conclusão sobre a autoria e materialidade. Demonstra-se, assim, com a matéria fática, o saber que legitima o poder, pois a pena somente pode ser imposta a quem – racionalmente – pode ser considerado autor do fato criminoso imputado.

Por outro lado, conforme o entendimento de Zilli (2003, p. 155):

A motivação das decisões judiciais é uma das tônicas do devido processo legal, sendo ambivalente a sua finalidade. Com efeito, sob uma ótica

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endoprocessual, fornece ao juiz um meio de auto-controlo [sic] crítico, convence as partes e garante ao tribunal superior, em caso de recurso, um melhor juízo sobre a decisão da primeira instância. Já sob uma visão extraprocessual, a motivação atende ao controle sobre a própria justiça, constituindo meio de controle popular sobre a atividade jurisdicional. Visa, assim, a tornar possível o controle generalizado e difuso sobre o modo como o juiz administra a justiça.

Diante do exposto, percebe-se a imprescindibilidade do princípio da motivação das decisões no ordenamento jurídico processual penal pátrio, evitando que magistrados sejam influenciados por qualquer circunstância alheia ao processo ou que não esteja nos autos, garantindo, assim, uma submissão exclusiva à lei e aos fatos verificados no decorrer da instrução processual.

A questão a que se quer chegar, no entanto, refere-se a não observância do princípio da obrigatoriedade da motivação da decisão e do princípio do in dúbio pro

reo no que concerne ao julgamento realizado pelo Tribunal Popular. Ora, se os

juízes estão submetidos a ambos os princípios quando de suas decisões, por que os jurados são isentos a eles?

O entendimento de Mossin (1999, p. 426), ocorre da seguinte forma:

Nada mais curial que afirmar que o juiz de direito não poderá motivar a decisão no que concerne à votação dos quesitos levada a efeito pelo corpo de jurados, mesmo porque essa convicção a eles pertence e não ao juiz togado. Aliás, nem àqueles se poderia exigir os motivos da votação do questionário, uma vez que ela é sigilosa. O juiz de fato não identifica seu voto.

O próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 493, no tocante aos crimes de competência do Tribunal Popular, previa que “a sentença será fundamentada, salvo quanto às conclusões que resultarem das respostas aos quesitos”, contudo, a Lei n. ° 11.689/2008 atribuiu nova redação ao artigo, referindo apenas que “A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento”.

Ocorre, no entanto, que o julgamento realizado através da íntima convicção abre precedente para que circunstâncias alheias ao processo acabem por influenciar na decisão dos jurados, vez que todos os seres humanos são dotados de crenças,

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valores e princípios aos quais, por óbvio, seguem e submetem-se, sendo que é através deles, ainda, que posicionam-se de uma forma ou de outra em relação aos acontecimentos e comportamentos da sociedade em geral.

Contudo, dentre todas as interferências sofridas pelo jurado quando do processo de formação da sua convicção, a mídia é um fator que merece destaque especial, em razão da relevante influência que acaba exercendo na decisão do Conselho de Sentença. E neste sentido é o entendimento de Andrade, citado por Koehler (2010, p. 29), que refere que:

Os maiores problemas de toda essa repercussão dos fatos gerados pela mídia se dá com relação à manipulação midiática que atinge os jurados que formarão o conselho de sentença de um julgamento de crime cometido contra a vida. A informação repassada à sociedade faz objeções da vida do acusado, incriminando-o e mostrando a sua vida particular de uma maneira distorcida, formando então a opinião errônea a respeito da conduta deste.

Dias, citado por Koehler (2010, p. 30), também se posicionou sobre o tema, argumentando que:

A influência externa capaz de impedir que o réu tenha um julgamento justo e na forma da lei, decorre da influência exercida pela opinião da mídia, capaz de exercer um forte apelo junto à opinião pública. Em verdade, a imprensa possui o poder de absolver ou condenar previamente um réu e, com isso, influir no convencimento dos jurados e na atuação da acusação e da defesa em plenário. É um poder de influir que não pode ser desprezado, visto que exercido de forma quase imperceptível, principalmente em se tratando de casos que alcançam grande repercussão pública.

Neste sentido, segundo Koehler (2010), percebe-se a sede de condenar de alguns veículos de comunicação, sendo que em determinadas situações, utilizam-se inclusive de meios ilícitos para alcançar as informações desejadas, priorizando a comercialização da notícia ao invés de observar direitos fundamentais constitucionalmente previstos, os quais são inerentes a todos.

2.2 O papel do Promotor de Justiça e da defesa técnica

Conforme referido por Cintra; Grinover; Dinamarco (2008), o Ministério Público surgiu no início do século XIV, com a função de mero encarregado da defesa judicial dos interesses do soberano, sendo que no direito brasileiro, até

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pouco tempo tinha a função de representar os interesses do Poder Executivo em juízo.

De acordo com o artigo 1.° da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), trata-se de “instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.” Segundo o entendimento de Maier, citado por Pletsch (2007, p. 77):

O Ministério Público surgiu num contexto em que a um mesmo funcionário público era atribuído o papel de persecução penal e de decisão, não havendo espaço para defesa. Seu aparecimento como um órgão estatal distinto e separado dos juízes fragilizou o inquisitorialismo do processo penal, na medida em que, funcionando como um contraponto, possibilitou ao acusado e a seu defensor integrar efetivamente a cena processual. Com isso, a atuação do julgador ficou restrita à função de decidir, sendo-lhe retirada a incumbência de promover a ação penal. Assim se deflagra a importância do Ministério Público na efetivação do sistema acusatório, qual seja oportunizar a resistência do réu à imputação (defesa) e a imparcialidade do tribunal.

Atualmente, o Ministério Público, instituição autônoma, representado por seus respectivos Promotores de Justiça, é o órgão defensor dos interesses da sociedade em geral, sendo sua existência prevista no artigo 127 da Constituição Federal Brasileira. Neste diapasão, Cintra; Grinover; Dinamarco (2008, p. 228) afirmam que

O Ministério Público é, na sociedade moderna, a instituição destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade. Define-o a Constituição como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127).

Hoje, no âmbito penal, o Ministério Público detém, em princípio, a pretensão punitiva da ação, contudo, nada impede que o Promotor de Justiça postule pela absolvição do acusado, caso encerrada a instrução seja o seu entendimento no sentido de que o réu é inocente, ou ainda por não terem sido constatadas provas da materialidade e indícios suficientes de autoria delitiva. E o entendimento de Pletsch (2007, p. 78), é no sentido de que:

Ainda que a separação física dos órgãos estatais responsáveis pela acusação e pelo julgamento não garanta a eliminação do processo penal inquisitório, a existência do Ministério Público como sujeito processual e a delimitação prévia e exclusiva de suas incumbências são fundamentais para

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conter o poder punitivo estatal, afastando o julgador da atividade das partes e tornando mais rigorosos os critérios para apuração e solução do caso penal.

Ainda segundo Pletsch (2007), quando houver provas da materialidade e um mínimo de indícios de autoria delitiva, o Ministério Público terá o dever constitucional de impulsionar a ação processual, sendo exigido que quando da formulação da peça inicial acusatória, em princípio o agente ministerial suspeite da inocência do acusado, em observância ao princípio da presunção da inocência, que afere que todos são inocentes até que se prove o contrário.

Assim, segundo Ferrajoli, citado por Pletsch (2007), deve haver indícios de que o denunciado cometeu o delito, bem ainda deverá o Promotor de Justiça aportar aos autos as provas contrárias à sua inocência, comprovando o relatado na peça inicial e refutando consistentemente todo o alegado pela defesa. Tudo isso deverá incidir no decorrer da instrução processual.

Neste viés, segundo o que afirma Pletsch (2007, p. 79), “O poder de promover a ação penal se desdobra na possibilidade de ingressar em juízo postulando a condenação do denunciado, bem como no direito/dever de fornecer elementos probatórios que confortem suas alegações.”

E Pletsch (2007) afirma, conforme o exposto, que o dever do Ministério Público não se limita apenas a dar início à ação, apresentando a peça inicial acusatória, mas principalmente em comprovar tudo aquilo que está sendo alegado, trazendo aos autos elementos que façam cair por terra as declarações apresentadas pelo acusado e as postulações defensivas.

Neste mesmo sentido, Bonfim (2012, p. 278) refere que “o promotor, como “fiscal da lei”, precisa conhecer a fundo a prova processual. Nada pior que a demonstração pública do desleixo, quando, por falta de domínio dos autos, evidencia que não havia estudado a contento o próprio processo.”

Assim, segundo o entendimento de Lima, citado por Pletsch (2007, p. 79), o Ministério Público deverá “diligenciar dentro do processo para que seja satisfeita a

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sua pretensão penal punitiva. A legitimidade ativa é sua, assim como, com exclusividade, a prática de atos como parte principal.”

Se o Ministério Público traz aos autos um conjunto probatório frágil, inábil para sustentar a inicial, o acusado deve ser absolvido, e não invertido o ônus probatório, como usualmente ocorre nos processos judiciais penais brasileiros, quando o julgador condena, ressaltando que o réu foi incapaz de demonstrar que é inocente. O juízo absolutório também é a única alternativa viável quando, em sede de razões finais, o acusador pugna pela improcedência da denúncia (Pletsch, 2007, p. 79).

Analisando-se o referido pela autora, tem-se a absolvição como uma solução justa ao caso penal quando assim postulado pelo acusador. Ocorre que nos casos de competência do Tribunal Popular, a decisão do Conselho de Sentença é soberana, e assim sendo, mesmo que a absolvição seja a medida adequada no entendimento ministerial, o jurado não estará obrigado a absolver o acusado.

Segundo Nucci (2008, p. 141), “Os crimes julgados pelo Tribunal do Júri, como regra, envolvem ações públicas incondicionadas. Logo, o titular para a sua propositura é o Ministério Público.” E no entendimento de Bonfim (2012, p. 270):

Sustentam metaforicamente alguns que “promotor de vara singular é uma coisa, promotor do Júri é outra”, diferenciando-se, no perfil, um de outro, órgãos que são do mesmo Ministério Público “uno e indivisível”. O da vara singular seria timbrado em uma forma de atuação essencialmente técnico-jurídica, por endereçar suas manifestações a uma magistratura técnica, a do Júri, terminando por ganhar feições próprias, dada a exclusividade das manifestações orais, perante um órgão julgador colegiado, e leigo.

Para Nucci (2008, p. 142):

Consideramos o Ministério Público, em sua atuação na esfera criminal, quando no pólo ativo, como parte imparcial. Tal medida se deve ao fato de poder o representante da instituição ter a possibilidade de, expondo suas razões, pleitear a absolvição do réu, ainda que em plenário, no Tribunal do Júri.

Assim, percebe-se que não há óbice para que o Promotor de Justiça pleiteie a absolvição do acusado, inclusive em plenário. Contudo, Nucci (2008, p. 142) faz ressalvas com relação a este tipo de conduta, referindo que:

Parece-nos indispensável que o órgão do Ministério Público fundamente em detalhes a sua posição. Não se pode aceitar que o pedido de absolvição

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envolva um critério discricionário e subjetivo. (...) Ora, somente é soberano, verdadeiramente, quem tem conhecimento e dados suficientes a respeito do que lhe é colocado para julgamento. Como se pode dizer que o Conselho de Sentença é soberano para apreciar a causa se os elementos fundamentais para tanto não lhe são transmitidos? A quem, legalmente, cabe expor as provas existentes nos autos senão ao Ministério Público?

Neste sentido, percebe-se que o papel ministerial no Tribunal do Júri não se limita apenas à acusação. A função exercida pelo Promotor de Justiça pode ser considerada como um dos principais aspectos formadores da convicção dos jurados, pois cabe a ele expor, de forma clara e imparcial, a prova colhida no decorrer de toda a instrução processual, garantindo um julgamento justo e transparente.

De outra banda, para afastar a pretensão acusatória, o acusado disporá da própria autodefesa, mas, principalmente, da atuação de seu defensor. No julgamento em plenário, assim como na judicium accusationis, a defesa técnica é irrenunciável, objetivando que o acusado ofereça argumentos tão consistes quanto os do Promotor de Justiça para combater as alegações acusatórias. O réu poderá constituir o seu próprio defensor e, caso isso não ocorra, o juiz nomeará o advogado dativo.

Conforme entendimento de Pletsch (2007, p. 85), a obrigatoriedade da defesa técnica “é conferir paridade de armas, ou seja, a igualdade de “condições probatórias”, entre o acusador e o imputado que, não há dúvidas, deve começar pela formação jurídica.” Ainda de acordo com Pletsch (2007, p. 86):

Por sua relevância, a função do defensor se inicia antes mesmo do oferecimento e do recebimento da denúncia, já no inquérito policial. É muito frequente, entretanto, nos casos dos acusados assistidos pela Defensoria Pública e/ou daqueles que não respondem ao processo em liberdade, o primeiro contato ocorrer minutos antes ou mesmo no ato do interrogatório. Não é demasiado referir que este diálogo deve ser particular – em se tratando de réus presos, sem a presença dos agentes penitenciários – e respeitado pelos demais sujeitos processuais, mesmo que isto implique atraso na pauta de audiência ou adiamento do ato. Mais que direito à defesa, ao réu deve ser assegurado o tempo e meios adequados para preparar sua defesa.

E Bonfim (2012, p. 38) ressalta sobre a cautela que o defensor deve ter em seu primeiro contato com o cliente, referindo que:

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É providência quantas vezes inócua pretender o advogado extrair do cliente a verdade nua e crua. Não é mesmo a sua missão. (...) É raro que sem rodeios e aduzindo “toda a verdade”, o suspeito, indiciado ou acusado, diga “fui eu”, porque o defensor para ele, mesmo que de prestígio, é um estranho que faz parte de um sistema, portando uma beca análoga a do promotor e a da toga do juiz. Desse modo, instintivamente, procura o cliente, se criminoso, evidentemente, a insuflar no advogado a máxima força de convicção, visando fazê-lo crer em sua inocência, da qual, resultará, conforme pensa, na melhor defesa. Daí que se inteirar do fato, conversar tranquilamente com o constituído, possibilita, por exemplo, que o advogado possa preparar o cliente para as possíveis perguntas que sofrerá em seu interrogatório.

Cumpre salientar que é defeso ao advogado/defensor público exercer uma defesa deficiente ou de maneira negligente. Caso isso venha a ocorrer, cabe ao julgador desconstituir o defensor, por falta de defesa técnica, ou ainda declarar a nulidade do processo. É o entendimento de Pletsch (2007, p. 87):

A participação efetiva do advogado abarca a sua inércia, ou seja, participar efetivamente pode significar se omitir de determinadas ações. A inatividade da defesa técnica, no entanto, deve ser considerada com muita cautela. A inércia justificada por uma estratégia defensiva deve ser respeitada, inclusive porque compatível com a presunção de inocência. Por outro lado, a não-atuação decorrente de uma defesa displicente deve ser rechaçada, especialmente pelo julgador, que pode declarar a nulidade do processo e/ou desconstituir o defensor diante da ausência de defesa.

Neste diapasão, Nucci (2008, p. 149) defende que “Não pode o defensor apresentar falhas graves, em hipótese alguma. Se tal se der, cabe ao magistrado considerar o réu indefeso, providenciando-lhe outro causídico para o patrocínio da causa.”

Sobre este aspecto, segundo o entendimento de Nassif (2009, p. 40) “Merece leitura cautela a norma por omitir a possibilidade de o acusado ser intimado pessoalmente com a finalidade de indicar defensor de sua confiança para suceder o desidioso, e só quando silente este, ocorrerá a nomeação por escolha do juiz.”

E neste sentido é também o posicionamento de Maier, citado por Pletsch (2007, p. 86-87) que refere que “O advogado está ligado ao acusado pelo dever de lealdade, que consiste em se abster de atuações prejudiciais ao réu e em realizar atos que o beneficiem.”

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Hassemer, citado por Pletsch (2007, p. 86) ensina que “o defensor pode - e deve - atuar rigorosamente em favor do acusado, ou seja, é dado a ele o direito à parcialidade na sua atuação, em especial na produção de prova, que é a questão fundamental do processo.”

Nassif (1996, p. 94) ensina sobre a plenitude e a amplitude de defesa, inerentes ao Tribunal do Júri, no seguinte sentido, “não se trata, obviamente, de mera redundância. O termo plenitude diferencia-se substancialmente de amplitude, bastando, para tal constatação, compulsar os dicionários.”

No tocante ao defensor atuante em plenário, Nucci (1999, p. 140) refere no seguinte sentido:

Um tribunal que decide sem fundamentar seu veredicto precisa proporcionar ao réu uma defesa acima da média e foi isso que o constituinte quis deixar bem claro, consignando que é qualidade inerente ao Júri a plenitude de defesa. (...) No plenário, certamente que está presente a ampla defesa, mas com um toque a mais: precisa ser, além de ampla, plena. Os dicionários apontam a diferença existente entre os vocábulos: enquanto amplo quer dizer muito grande, vasto, largo, rico, abundante, copioso, enfim, de grande amplitude e sem restrições, pleno significa repleto, completo, absoluto, cabal, perfeito.

Nucci (2008, p. 149) ainda afirma que “A tarefa da defesa é árdua no Tribunal do Júri, exigindo-se, em muitos casos, desenvolva-se acima do empenho do órgão acusatório. Afinal, a Constituição Federal determina que, no Tribunal Popular, seja assegurada a plenitude de defesa.”

Nassif (1996, p. 98) refere sobre as dificuldades enfrentadas pela defesa em plenário, tendo em vista que:

O advogado, em plenário, dirigir-se-á à sua sociedade talvez contrariando, muitas vezes, o próprio interesse dela; suas teses serão expostas após a acusação do Promotor de Justiça, não raramente brilhante; talvez, inclusive, precise superar dificuldades causadas pelo próprio acusado que, desorientado, preste declarações ou, mesmo, tenha comportamento inadequado, prejudiciais à defesa técnica.

E segundo o posicionamento de Nassif (1996, p. 98), a defesa técnica deve empenhar-se em favorecer o acusado, vez que “é de se considerar que sob sua

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responsabilidade está a preservação do bem jurídico de maior significado depois da vida: a liberdade. Mais gravemente por se tratar da liberdade de outrem, salvo as hipóteses raras de defesa em causa própria.”

Nassif (1996, p. 99), ainda ressalta que o defensor do acusado de ter cometido um crime doloso contra a vida:

Terá de ser persuasivo e convincente, mais ainda que o próprio Ministério Público. Não é de perder de vista a possibilidade de encontrar-se o réu já “condenado” pelos meios de comunicação, contaminando a opinião pública, da qual não se pode excluir o corpo de jurados.

Neste contexto, percebe-se que a atuação defensiva, em que pese seja, na maioria das vezes, um trabalho árduo, é indispensável ao deslinde do julgamento em plenário, eis que a defesa técnica é a principal arma oferecida ao denunciado para que possa combater à altura os argumentos acusatórios e também para que lhe seja dada a oportunidade de participar ativamente, e com a mesma força do Promotor de Justiça, do processo de formação da decisão dos jurados.

2.3 O julgamento através do Conselho de Sentença: garantia ou castigo inerente ao acusado?

Analisando-se o exposto até então, percebe-se a existência de uma discussão acerca do modelo adotado pelo ordenamento jurídico penal pátrio para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A não motivação das decisões e, principalmente, a não observância ao princípio do in dubio pro reo, levantam sérias divergências acerca do instituto, questionando se o Tribunal do Júri é um castigo ou uma garantia inerente ao acusado.

Neste sentido, procuram-se soluções para que seja promovido um julgamento efetivamente justo ao réu. Todavia, ainda não foram encontrados recursos para que seja resolvido o impasse, motivo pelo qual a referida discussão ganha cada vez mais força.

Referências

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