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Dotados do breve histórico da evolução de ambos os grupos, esboçar-se-á uma rápida comparação entre as trajetórias e ideologias dos grupos, de modo que possamos aplicar os conceitos apresentados no capítulo segundo e compreender os grupos de maneira analítica.

A comparação mais básica entre ambos os grupos, fator este que justifica a escolha dos grupos para a presente pesquisa, é a de que ambos os grupos guerrilheiros surgem e se instauram em Estados cujas estruturas democráticas sejam frágeis e com insuficientes capacidades de lidar com as demandas socioeconômicas de suas populações (ECCARIUS- KELLY, 2012). Conforme mencionado no capítulo segundo acerca dos Estados frágeis e observado nos gráficos referentes aos índices da Turquia e da Colômbia, a conclusão exposta neste parágrafo não é de surpreender.

Ambos os grupos surgem em um ambiente de democracia frágil e de ampla vulnerabilidade e marginalização socioeconômica, conforme visto anteriormente. Ainda há outros fatores de convergência para ambos os grupos: embora surjam com quase duas décadas de diferença, ambos FARC-EP e PKK surgem no contexto dos conflitos internos da Guerra Fria (ECCARIUS-KELLY, 2012). Enquanto alguns compreendem os conflitos surgidos nesse contexto como ―proxy wars‖ (guerras financiadas ou intermediadas por terceiros não envolvidos no conflito) (GADDIS, 1997; MOTT, 2001; WESTAD, 1992 apud KALYVAS; BALCELLS, 2010), a compreensão adotada no presente trabalho é de que esta leitura é operacional demais para a complexa política desempenhada pelos soviéticos. Muito embora as revoluções populares como um fenômeno tenham eclodido a partir de 1930, com a filosofia de Mao Zedong na China, o caráter que essas revoluções adquirem a partir do contexto da Guerra Fria deve-se aos três fatores que seguem: suporte material, ideais revolucionários e disciplina militar (KALYVAS; BALCELLS, 2010).

Tendo surgido no contexto do embate ideológico entre as duas grandes potências da bipolaridade, é importante frisar que FARC-EP e PKK surgem como grupos de esquerda, de ideologia Marxista-Leninista (ECCARIUS-KELLY, 2012). A ideologia impacta os grupos em sua própria estrutura, tendo favorecido, segundo Eccarius-Kelly (2012), a formação de uma estrutura de comando centralizado; no entanto, a estrutura dos grupos difere entre si: enquanto é convencionado que as FARC-EP se organizam em uma estrutura de roda (onde todas as divisões se voltam para o comando central), o PKK possui uma estrutura de polvo (com um

comando central e várias vertentes – ou braços), devido à sua estrutura altamente internacionalizada.

A internacionalização do PKK se deve ao fato de que a questão curda não é apenas uma problemática na Turquia, mas sim uma problemática que transpõe fronteiras. No entanto, há outro fator de grande internacionalização que chama atenção, e acaba recaindo sobre as FARC-EP também: ambos os grupos são considerados, desde a década de 1990, como guerrilhas auto financiadas – principalmente por ações criminosas tal qual o tráfico de drogas (ECCARIUS-KELLY, 2012). Ambos os grupos foram incluídos na lista do ―Foreign Narcotics Kingpin Designation Act‖, diretiva norte-americana que versa sobre o controle de narcóticos em território estadunidense – as FARC-EP foram incluídas no ano de 2003; o PKK, em 2008 (ECCARIUS-KELLY, 2012).

O recurso ao narcotráfico enquanto fonte de renda para financiar os grupos suscita alguns debates sobre a manutenção do comprometimento ideológico das guerrilhas em prol da subversão à identidade de grupo criminoso per se. A teoria de Chris Dishman (2001 apud ECCARIUS-KELLY, 2012) propõe um espectro que se expande de grupos ideologicamente comprometidos a grupos motivados por razões criminosas – e é a partir dessa perspectiva que se pretende analisar a manutenção da existência das FARC-EP e do PKK53.

Partindo da teoria de Dishmann, emprestamos as quatro categorias de análise de Gupta (2008, p. 78-81 apud ECCARIUS-KELLY, 2012, p. 244), quais sejam: (1) o recurso a táticas que requerem um sacrifício individual grande, como é o caso dos homens/mulheres-bomba – que denota um alto comprometimento à causa ideológica do grupo; (2) o recurso a táticas avançadas de guerrilha, que denotam a especialização do grupo por meio de treinamentos com grupos externos e demais relacionamentos extra grupo; (3) envolvimento em atividades criminosas e (4) capacidade de mobilização popular. Gupta, com base nos dados do Israeli International Institute for Counter-Terrorism, devido a um (1) maior recurso a ataques suicidas por parte do PKK; (3) maior utilização, por parte das FARC-EP, de recursos provenientes do narcotráfico para financiar suas operações e (4) o fato de as FARC-EP não possuírem uma rede política sólida, tendo que se basear majoritariamente em grupos criminosos para obter apoio, concluiu que as FARC-EP são um grupo atualmente mais voltado para atividades criminosas e que o PKK, embora também esteja envolvido com

53 Vale a menção, feita pelo próprio autor, de que esta não é uma análise fácil, visto que a obtenção de dados

sobre grupos guerrilheiros é muito delicada, devido a interesses governamentais diversos. Assim, a precisa categorização não é possível, mas sim, uma previsão aproximada.

diversas atividades ilícitas, é mais comprometido ideologicamente do que o primeiro grupo (ECCARIUS-KELLY, 2012).

A análise dos dados nos permite alocar as FARC-EP em um ponto relativamente extremo do espectro proposto por Dishman, o ponto de alto nível de criminalidade, e o PKK em direção ao outro extremo, com maior comprometimento ideológico. Eccarius-Kelly (2012) enfatiza ainda que há outros fatores explicativos para essa diferenciação entre os dois grupos: localização,oportunidade, contexto cultural,políticas de democratização e transnacionalização são todos fatores díspares nos dois países em análise, e são todos fatores que contribuem na elucidação do porquê um grupo e outro se encontram em posições afastadas no espectro de Dishman.

Para análise posterior, faz-se mister salientar um ponto sobre o fator de localização e oportunidade em relação ao PKK. A emergência do grupo chamado Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS54) cria uma bolha de oportunidade para o agudo ardor ideológico que se verifica hoje no PKK: a eclosão de um conflito transnacional nos parâmetros observados hoje na região da Síria e Iraque suscita que grupos armados protejam suas regiões das conquistas que vêm sendo travadas pelo ISIS55 (TAAL, 2015). Assim, não surpreende a observância de níveis mais exacerbados de comprometimento ideológico à causa guerrilheira no país turco, haja visto o perigo iminente de perda de território e subjugação a um grupo violento e radical.

Por fim, vale mencionar que ambos as guerrilhas são consideradas grupos terroristas pelos mais diversos atores internacionais. Já em 1997, ambos FARC-EP e PKK constavam na lista estadunidense de organizações terroristas (ECCARIUS-KELLY, 2012). Ter sido declarado inimigo do Estado significa que Turquia e Colômbia não consideram os grupos como meros guerrilheiros ou insurgentes, mas os enxergam como atores que impõem uma ameaça à segurança nacional (ZEHNI, 2008).

De acordo com os conceitos propostos no capítulo segundo, a guerrilha de fato pode se utilizar de táticas terroristas para atingir seus fins políticos. No entanto, o emprego de tais táticas é apenas um acessório para o complexo conjunto de características que compõem a guerrilha (e que a diferenciam de grupos terroristas). Assim, reitera-se aqui que, no entendimento deste trabalho, FARC-EP e PKK são grupos guerrilheiros – a taxativa de que sejam grupos terroristas é uma estratégia para enfocar o problema sob determinada ótica e

54 Islamic State of Iraq and Syria. 55

lógica de combate por parte do Estado e sua necessidade de legitimação e apoio popular para suas ações.

4.4 TRAJETÓRIA FEMININA

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