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2.2 A emergência da questão ambiental: perspectivas teóricas e políticas

2.2.4 Justiça Ambiental

A linha da justiça ambiental faz uma articulação necessária entre meio ambiente e justiça buscando a transformação social. Trata-se de uma linha de pensamento que se

contrapõe a visão dominante de crise ambiental e a qual se articulam a questão social com a ambiental como parte da mesma moeda. Enfrenta a problemática ambiental para além do preservacionismo, como uma questão de justiça distributiva e aceitação dos diferentes modos produtivos-culturais dos povos, numa relação dialética entre universalismo e particularismo.

Essa abordagem teria como objetivo suscitar o potencial emancipatório das idéias

ambientais e “engaja-las diretamente num cenário mais amplo de debates sobre a modernidade, suas instituições, conhecimentos e relações de poder” (COSTA, 2000, p.

63).

Para Herculano (2002) um fator que contribui para obscurecer as injustiças ambientais é a difusão do pensamento ambiental dominante que acredita que os

problemas ambientais são “democráticos”, já que todos estamos sujeitos aos riscos desta

sociedade. Como dito acima, essa pode ser uma verdade desde que pensada a longo prazo, mas no que se vive hoje é indiscutível que os riscos atingem lugares específicos, populares mais vulneráveis. A teoria da sociedade de risco não considera as dinâmicas de acumulação que levam às escolhas técnicas, nem os distintos modos de encarar o que seja risco (ACSELRAD, 2002).

Para a Justiça Ambiental há uma relação clara entre desigualdade social e exposição a riscos ambientais. Para eles,

[...] o enfrentamento da degradação do meio a mb iente é o mo mento da obtenção de ganhos de democratização e não apenas de ganhos de eficiência e a mpliação de mercado. Isto porque supõem e xistir u ma ligação lógica entre o e xercíc io da de mocracia e a capacidade da sociedade se defender da injustiça a mb iental. Ao contrário, portanto, da perspectiva da modern ização ecológica e da teoria da sociedade de risco, não haveria, nesta ótica, como separar os problemas ambientais da forma como se distribui desigualmente o poder sobre os recursos políticos, materia is e simbólicos: formas simu ltâneas de opressão seriam responsáveis por injustiças amb ientais decorrentes da natureza inseparável das opressões de classe, raça e gênero (A CSELRA D, 2002).

Desta forma, renova-se o potencial da crítica marxista baseado na análise dos conflitos e das disputas sociais sobre os recursos naturais e socialmente construídos.

Os riscos ambientais, nessa ótica, são diferenciados e desigualmente distribuídos, dada a diferente capacidade de mobilidade entre os grupos sociais: os mais ricos conseguiram escapar aos riscos e os mais pobres circulariam no interior de um

circuito de risco (ACSELRAD, 2006). A exposição desproporcional dos socialmente mais desprovidos aos riscos decorrentes do circuito produtivo da riqueza ou sua despossessão ambiental pela concentração dos benefícios do desenvolvimento em poucas mãos configura situação de injustiça ou a desigualdade ambiental.

O mesmo autor (ibidem) explica que a estratégia ancorada na noção de justiça ambiental, por sua vez, identifica a desigual exposição ao risco como resultado de uma lógica que faz que a acumulação de riqueza se realize tendo por base a penalização ambiental dos mais despossuídos.

O caso exemplar dessa relação são as evidências do perfil das vítimas do furacão Katrina que atingiu New Orleans nos Estados Unidos no ano de 2005 em que, apesar de

ser um fenômeno que “atingiu todos os cantos”, mostrou o abandono no qual são

deixadas pelo governo federal as grandes metrópoles com maioria negra e hispânica e suas infraestruturas vitais. A catástrofe, além de atingir a população mais pobre que não tinha sido dotada de infraestrutura para suportar o impacto como possuíam alguns

bairros ricos, teve a função “divina” de fazer uma limpeza étnica de áreas “degradadas”

cobiçadas pela elite local9 (DAVIS, 2005).

Dessa maneira, segmentos sociais passaram a denunciar e reivindicar não apenas distribuição equitativa dos riscos, mas distribuição de riqueza e o fim das desigualdades. Os movimentos por Justiça Ambiental é um setor dos movimentos sociais que questionam o caráter pragmático e tecnicista que assumiu o movimento ambientalista a partir da década de 1990, perdendo seu caráter crítico originário como parte de um projeto de sociedade contra-hegemômico.

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Mike Davis, ao analisar a destruição de New Orleans pelo furacão Katrina, mostra que todos os aspectos da catástrofe fora m moldados por desigualdades de classe e raça. Pesquisadores de várias universidades do sul dos Estados Unidos vinham cha mando a atençã o das autoridades para a possibilidade do ro mp imento dos diques por falta de manutenção. No entanto, nada se fez para sanar o problema , já que a cidade era povoada por 75% de afro -a me ricanos e tinha altos índices de pobres, criminosos e desempregados. Foi a negligência federal, e não a fúria da natureza, a ma ior responsável pelo assassinato de New Orleans. Um líder republicano de Louisiana teria chegado a dizer que “Finalmente, as cidades de Nova Orleans foram limpas. O que nós não conseguimos, Deus se encarregou de fazer”. A verdade é que mes mo depois do desastre não houve um investimento maciço em moradia para população mais pobre vivendo hoje como re fugiados em abrigos espalhados pelos quatro cantos do país. Fa la-se ta mbé m e m transforma r alguns bairros ma is desfavorecidos, situados acima do níve l do mar em bacias de retenção destinadas a proteger os bairros ma is ricos, o que impediria alguns habitantes ma is pobres da cidade de voltar a se instalarem em seus bairros.

O tema da justiça ambiental é recentíssimo no Brasil, sendo por vezes erroneamente confundido com uma especialização do poder judiciário que lidaria com casos de impactos ambientais. Na verdade, trata-se de um movimento surgido nos Estados Unidos na década de 1970, por parte dos seus cidadãos mais pobres e vulneráveis, contra as contaminações químicas que sofrem, resultantes de dej etos industriais ou de depósito de resíduos perigosos na sua vizinhança. No caso brasileiro começou desde o ano 2000 através de ONGs voltadas para o incentivo aos movimentos populares e pesquisadores universitários.

Enquanto campo teórico, começou a ser sistematizado na Sociologia norte- americana, depois do relato do caso de contaminação química em Love Canal, em Niagara Falls, estado de Nova York, quando, a partir de 1978, moradores de um conjunto habitacional de classe média baixa descobriram que suas cas as estavam erguidas sobre um canal que havia sido aterrado com dejetos químicos industriais e bélicos, através, primeiramente, da socióloga Adeline Levine (HERCULANO, 2002).

Após a divulgação do caso de Love Canal, moradores da comunidade negra de Warren County, Carolina do Norte, descobriram em 1982 que um aterro, para depósito de solo contaminado por PCB (polychlorinated biphenyls), seria instalado em sua vizinhança. A partir daí, o movimento negro norte-americano sensibilizou congressistas e o US General Accounting O ffice conduziu uma pesquisa que mostrou que a distribuição espacial dos depósitos de resíduos químicos perigosos, bem como a localização de indústrias muito poluentes, nada tinham de aleatório: ao contrário, se sobrepunham e acompanhavam a distribuição territorial das etnias pobres nos Estados Unidos. Assim, vários outros casos vieram ao conhecimento público.

Foi assim que justiça ambiental passou a ser não só o clamor e a bandeira dos movimentos sociais dos segmentos mais vulneráveis nos Estados Unidos e de suas organizações de cidadãos, mas também uma área de estudos dentro da Sociologia Ambiental, igualmente recente, com programas universitários e centros de estudo, como o Environmental Justice Research Center - EJRC - da Universidade de Atlanta, Geórgia,

e livros que foram produzidos sobre o tema como os de Robert BULLARD “Dumping in Dixie: race, class and environmental quality”(1990) e de B. BRYANT “Environmental Justice: issues, policies and solutions” (1995), dentre outros

No Brasil, a justiça ambiental vem sendo tratada, sobretudo, a partir do ano 2000, por ONGs e grupos acadêmicos, tratados por Torres (1997; 2006), Acselrad, Herculano e Pádua (2004), Herculano (2002), Acselrad, Bezerra e Mello (2009), dentre outros, sendo consolidada no Seminário Internacional de Justiça Ambiental e Cidadania, realizado em 2001 em Niterói, e com a criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

O movimento americano por Justiça Ambiental a define conjunto de princípios e práticas que assegurem

O trata mento justo e o envolvimento significat ivo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, imple mentação e aplicação de polít icas, leis e regulações ambientais. Por trata mento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, racia is ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas resultantes da operação de e mpreendimentos industriais, come rcia is e munic ipais, da e xecução de polít icas e progra mas federais, estaduais, ou munic ipais, be m co mo das conseqüências resultantes da ausência ou omissão de políticas públicas (BULLA RD a pud ACSELRAD; BEZERRA; M ELLO, 2009, p. 16).

As lutas por justiça ambiental no Brasil combinam a defesa dos direitos a ambientes culturalmente específicos, como comunidades tradicionais, a defesa de distribuição equânime dos recursos naturais, como água e terras férteis a defesa de direitos de uma proteção ambiental equânime contra a segregação socioespacial e a desigualdade ambiental produzida pelo mercado.

A perspectiva da justiça ambiental, por fim, parece melhor fornecer um paradigma das questões ambientais e sociais tanto em nível global quanto local.

Ainda que se revelando em nível global, os riscos de desastres decorrente do alto grau de degradação ambiental, são muitas vezes construídos cotidianamente, nas

escalas menores, no entanto, contraditoriamente, “tal efeito não é, todavia, tão

comovente e sensibilizador na escala do cotidiano decorrente em diferentes aspectos do

processo de urbanização” (GOMES, 2006, p. 69).