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Em suma, tanto naquelas leituras se enfrascou, que passava as noites de claro em claro e os dias de escuro em escuro, e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro, de maneira que chegou a perder o juízo. (Dom Quixote, Miguel de Cervantes)

Os meios de comunicação, especialmente os eletrônicos, tiveram papel determinante na transformação do processo de leitura e nas formas de aprendizagem. Por um lado, a construção de um modo de interação e percepção imagético, soma de som, cor, imagem, cortes rápidos e tempos mínimos. Por outro lado, os próprios meios de comunicação, em sua capacidade de adaptar os diferentes conteúdos à sua linguagem, criando novas formas de transmissão/absorção de conhecimento. Dos programas educativos ao noticiário, passando pelas novas formas de produção e armazenamento de dados, com a criação de verdadeiras bibliotecas virtuais.

Pensamos que, a TV, a internet, o rádio, o aparelho celular e o videogame podem contribuir com o processo de educação. Alguns destes aparatos cobrem praticamente todo o país e são manipulados com bastante destreza por jovens e adultos.

Dispomos atualmente de uma rara situação de convergência. Apesar das precárias condições de infraestrutura e das dificuldades de lidar com questões básicas, como saneamento e mortalidade infantil, o Brasil conta com uma capacidade instalada de comunicação comparável a de países ricos. Existe um número crescente de pessoas conectadas à internet, contabiliza-se uma média de um celular por habitante, quase 100% dos domicílios dispõem de aparelhos de televisão e rádio, há uma enxurrada de games piratas comercializados nos grandes centros e - o que parece mais importante – uma habilidade aparentemente incomum no trato com as novas tecnologias.

A pirâmide demográfica do país aponta uma população com média de idade bastante baixa, dotada de grande facilidade para se inserir em mundos virtuais. Filhos da era da informação, lidam com controle remoto, teclado e monitor melhor do que

32 com o livro, têm mais intimidade com os aparatos tecnológicos e se reconhecem em tais plataformas.

Esta proximidade observada entre os media e a sociedade, bem como os potenciais benefícios que a relação poderia representar para o desenvolvimento intelectual, profissional e humano, despertaram o interesse de grupos de pesquisadores, que passaram a desenvolver trabalhos a partir do encontro entre as áreas da comunicação e da educação. Com o objetivo de buscar caminhos alternativos para suprir deficiências seculares, acabam por confrontar teorias já estabelecidas, teorias estas que criticam os chamados meios de comunicação de massa.

Neste contexto, o presente trabalho se justifica como tentativa de contribuir com a educomunicação, seja reafirmando certos conceitos e perspectivas, seja, na medida do possível, sugerindo caminhos para pesquisas futuras. Busca-se colaborar com o objetivo comum de fortalecer e consolidar uma área ainda emergente, a partir do estudo da possível relação entre a formação das práticas de leitura e os meios de comunicação.

A leitura de livros é considerada importante para o desenvolvimento de certas habilidades cognitivas. Ela é exaltada como meio para o aprimoramento da escrita e de organização diferenciada do pensamento. Quem lê com mais frequência tem a possibilidade de entrar em contato com um nível de informação e conhecimento mais complexo, de maior profundidade e pode adquirir um repertório de dados amplo.

Silva acredita que o leitor tem um diferencial em relação ao não-leitor, uma vez que “ler se constitui num instrumento de luta contra a dominação.” (2001:49). Para a autora, o primeiro seria mais intelectualizado, mais bem “preparado para o

mundo” que o segundo.

Se por um lado há o entendimento mais pragmático e instrumentalizado dos benefícios da leitura de livros, isto é, de que eles representam um caminho para o aprendizado, um meio para a absorção de conhecimento, por outro, cabe destacar sua capacidade de estimular a imaginação. A possibilidade de transposição dos limites do pensamento, o potencial de nos colocar no lugar do outro, como salienta Jouve, de

33 viver esta vida que não é nossa, sem necessariamente presenciar e experimentar a realidade descrita.

Ao tratar o tema, pensamos na prática leitora como meio de auxiliar na busca e conquista da autonomia do indivíduo. A palavra escrita como caminho para a expansão do ser consciente, do amadurecimento pessoal, do caráter humanista. Identificar soluções que apontam a televisão, por exemplo, como forma de resgatar o livro, a ficção, a fábula, o romance, como componente do comportamento social, representaria, da mesma forma, um caminho para a redução da desigualdade e de aprimoramento do pensamento crítico no sentido benjaminiano, que o define como meio para “libertar o futuro de sua forma presente e desfigurada”. (BOLLE, 1997:11)

Nesta perspectiva, julgamos oportuno, em primeiro lugar, verificar se não seria precipitada a simples condenação destes aparatos, acusados de serem manipuladores, alienantes, meros produtos do entretenimento, que afastam as pessoas dos livros. Em segundo lugar, detectar eventuais mecanismos de apropriação destes recursos justamente para fazer o oposto: contribuir para a formação de leitores. Isto porque, à medida que um cenário igualitário se configura, elevam-se as possibilidades de se conquistar a almejada condição de menor desigualdade e de universalização da educação.

Reiteramos que não pertence ao escopo deste trabalho de pesquisa discutir ou analisar a qualidade e o conteúdo daquilo que é lido, se e como ocorre o desenvolvimento da prática leitora. Entretanto, compartilhamos da concepção de Rezende, que chama a atenção para a necessidade de haver um estímulo à interação mais ampla dos estudantes com os livros, que não se limite a um modelo de ficção midiática considerado mais digerível, mas admita o universo de outras possibilidades. “É preciso que se leia literatura na escola, em todas as suas formas,

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