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A realização do trabalho ocorreu no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico, o qual possui como principal característica a sua ênfase em diálogos interdisciplinares. Considerando que o desenvolvimento socioeconômico visa promover a democracia e a justiça social expandindo ações na busca da cidadania, considerou-se realizar uma pesquisa interdisciplinar que atendesse tais conceitos.

Nesse sentido, o acesso à justiça e a cidadania foram aqui categorizadas e indiretamente estão inseridas na proposta da Linha de Pesquisa Desenvolvimento e Gestão Social que, por sua vez, enfoca a gestão social e possuiu a diretriz de nortear a pesquisa aqui apresentada. As Casas da Cidadania – tomadas aqui como exemplos diferenciados de gestão social – possuem papel de destaque na sociedade local (Orleans), regional (sul catarinense) e estadual (SC) haja vista que dispõem de uma organização e de mecanismos para a resolução de conflitos existentes na vida dos cidadãos hipossuficientes, desenvolvendo uma atividade com o intuito de reduzir as desigualdades sociais e buscar uma ordem social justa a todos.

O mote justiça social é prioridade no Estado Democrático de Direito; assim é dever do Estado garanti-la por meio da prestação jurisdicional. Para compreender essa questão é necessário expor os valores e princípios que representam um Estado Democrático de Direito, já que é difícil trazer um conceito uno em face das múltiplas facetas que ele encerra. Nesse sentido, Enio Moraes da Silva (2005, p. 228) traz as seguintes características que o envolvem:

(1) Um Estado Democrático de Direito tem o seu fundamento na soberania popular; (2) A necessidade de providenciar mecanismos de apuração e de efetivação da vontade do povo nas decisões políticas fundamentais do Estado, conciliando uma democracia representativa, pluralista e livre, com uma democracia participativa efetiva; (3) É também um Estado Constitucional, ou seja, dotado de uma Constituição material legítima, rígida, emanada da vontade do povo, dotada de supremacia e que vincule todos os poderes e os atos dela provenientes; (4) A existência de um órgão guardião da Constituição e dos valores fundamentais da sociedade, que tenha atuação livre e desimpedida, constitucionalmente garantida; (5) A existência de um sistema de garantia dos direitos humanos, em todas as suas expressões; (6) Realização da democracia – além da política – social, econômica e cultural, com a consequente promoção da justiça social; (7) Observância do princípio da igualdade; (8) A existência de órgãos judiciais, livres e independentes, para a solução dos conflitos entre a sociedade, entre os indivíduos e destes com o Estado; (9) A observância do princípio da legalidade, sendo a lei formada pela legítima vontade popular e informada pelos princípios da justiça; (10) A observância do princípio da segurança jurídica, controlando-se os excessos de produção normativa, propiciando, assim, a previsibilidade jurídica.

De encontro com a viabilização de uma justiça social a todos os cidadãos, com o passar dos anos a prestação jurisdicional passou a ser morosa e custosa financeiramente (Nuss; Gianezini, 2015). Assim, de um lado, existe o cidadão desprovido de informação e conhecimento para efetivação de seus direitos e, de outro lado, existe o Poder Judiciário afogado de ações, atuando com lentidão e exigindo recursos financeiros.

Diante da crise do Estado brasileiro em gerenciar e resolver as causas judiciais surgiu uma tendência de meios alternativos de resolução de conflitos que primou pela redução das desigualdades sociais no

acesso à justiça e garantia do desenvolvimento socioeconômico. A adoção de métodos alternativos para a resolução de conflitos influencia diretamente na solidificação da situação de acordo entre os agentes sociais, o que contribui para o fortalecimento das instituições que o integram e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico local (BASTOS, 2014).

A pesquisa adquire relevância no atual contexto em que se insere, pois é mais uma forma de dar visibilidade para este projeto de proteção às pessoas hipossuficientes. O acesso à justiça é um direito constitucionalmente previsto e deve ser garantido a todos os cidadãos, contudo, considerando que grande parte desses cidadãos enfrentam obstáculos nos planos econômico, social, cultural e político, por vezes intransponíveis, no que tange ao acesso à justiça, as Casas da Cidadania podem tornar real e disponível a concretização dos direitos dessas pessoas.

Também adquire importância para academia e, paralelamente, aos estudos críticos que vêm sendo desenvolvidos referentes à cidadania, ao acesso à justiça e à morosidade processual como forma de concretizar também o direito à cidadania. Ao longo da pesquisa, distintos autores contribuíram como Marshall (1967), Santos (1995), Cruz (2001), Bastos (2014), Cambi e Pereira (2014), para demonstrar a atual situação de deficiência na efetivação do direito do acesso à justiça previsto constitucionalmente e proporcionar uma reflexão de transformação social. Com base na revisão da literatura foi possível perceber que a temática – o acesso à justiça – já foi objeto de estudo por pesquisadores tais como: Caovilla (2001), Brüggemann (2001), Moreira (2003), Nascimento (2004), Debiasi; Luz (2006), Fabris (2011), Oliveira (2011), Cadorin (2011), Nuss; Gianezini (2015), Nuss; Gianezini (2016) demonstrando a importância de se entender e debater o assunto que perdura há mais de uma década.

Em consulta ao documento “Justiça em Números 2015 (ano-base 2014)”, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Poder Judiciário iniciou o ano de 2014 com 70,8 milhões de processos em andamento. Os novos casos tiveram um aumento de 1,1% atingindo quase 28,9 milhões de processos ingressados durante o ano de 2014. A consequência foi o aumento 0,8 pontos percentuais em relação ao ano

anterior na Taxa de Congestionamento do Poder Judiciário que totalizou 71,4% no ano de 2014.11

Em SC, em que pese o índice de produtividade dos magistrados catarinenses ter sido 16% superior à média nacional, registrada pelo segmento da Justiça estadual em 2015, a quantidade de processos julgados foi menor que o número de novas ações que ingressaram no Poder Judiciário catarinense em 2015, havendo um aumento do estoque de processos, conforme ilustrado pela figura abaixo.12

Figura 1 - Processômetro do TJSC – ano base 2015.

Fonte: TJSC13

Assim, o estudo quis mostrar que os problemas referentes ao acesso à justiça no Brasil ainda exigem atenção e o mais importante é que esse direito não seja apenas uma garantia formal. A reflexão sobre essa temática se justifica na necessidade de pensar em novos caminhos, quebrar paradigmas até então indissociáveis, com o intuito de caminhar de acordo com a necessidade social e em busca da transformação social.

11

Documento eletrônico. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e- acoes/pj-justica-em-numeros>. Acesso em: 1 maio 2016.

12

Documento eletrônico. Disponível em: <https://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de- imprensa/-/processometro-revela-produtividade-da-magistratura-de-sc-e- acima-da-media-nacional>. Acesso em: 25 mar. 2017.

13

Documento eletrônico. Disponível em: <https://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de- imprensa/-/processometro-revela-produtividade-da-magistratura-de-sc-e- acima-da-media-nacional>. Acesso em: 25 mar. 2017.

A pesquisa buscou contribuir com a investigação dessa problemática, analisando, inicialmente, a questão da justiça e sua efetividade relacionada à prestação jurisdicional, seguida de uma análise do direito à cidadania como garantia de todos os cidadãos; e a preferência, nos dias atuais, de primar por meios alternativos de resolução de conflitos. O direito ao acesso à justiça foi muito atingido pós Constituição Federal de 1988, em virtude da sua inovação ao prever o amplo acesso a esse direito, o que resultou no ingresso de muitas demandas judiciais no país, prejudicando a classe dos mais humildes, os hipossuficientes.

É notória a importância da atividade exercida pelo Poder Judiciário, contudo, a sociedade percebeu que a proliferação de múltiplas formalidades vinha causando o retardamento da prestação jurisdicional. Nesse sentido, passou-se a refletir sobre outros métodos de resolução de conflitos e, por conseguinte, de pacificação social, de modo que foi onde se deu destaque à mediação e à conciliação. Por meio desses institutos, busca-se a autocomposição das partes que pressupõe a aceitação mútua sobre a questão conflituosa e a realização de um acordo.

Dentre as iniciativas do Tribunal de Justiça de SC de aplicação de métodos alternativos de resolução de conflitos, destaca-se as Casas da Cidadania, nas quais o objetivo é estabelecer representações menores do Poder Judiciário em todos os municípios catarinenses, facilitando o acesso à justiça aos cidadãos que, por diversos motivos, encontram-se distantes da concretização de seus direitos.

O resultado positivo dessa ação é mais provável ser alcançado com o trabalho em conjunto das áreas do saber que proporcionam a melhor compreensão e solução para o conflito. Ante o exposto, como destaca Raynaut (2011, p. 102), “a interdisciplinaridade não é decretada, ela se constrói”. Por essa razão, essa dissertação de mestrado necessitou das contribuições do Direito e da Sociologia, em especial, para a compreensão do objeto selecionado. Partindo deste contexto, os objetivos da dissertação serão expostos, a seguir.

1.3 OBJETIVOS