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29 Ainda que o Brasil, com sua Constituição Federal de 1988, tenha sido concebido como um Estado de Bem-Estar Social – visão esta tendente a acolher o argumento da falha de mercado como justificativa bastante para a intervenção estatal –, é digno de registro que várias são as vozes que questionam a capacidade do Estado de agir bem quando os mercados falham.

Mitchell e Simmons (2003), ao iniciarem sua jornada de revelação das falhas de governo, apontam que os cientistas políticos que apóiam a intervenção estatal adotam uma concepção idealizada de Estado, em que os indivíduos “trocariam de marcha” ao mudarem da esfera econômica para a política, de modo maximizador e auto- interessado naquela e de forma altruísta e bem-intencionada nesta. Os autores questionam esta visão idealizada de Estado e indicam que, na realidade dos fatos, os agentes perseguem determinados interesses; não haveria, assim, a referida “troca de marcha”.

Nesse contexto, os referidos autores analisam diversas falhas econômicas e combatem a visão segundo a qual o Estado seria capaz de eliminá-las adequadamente, ou de atuar de forma mais eficiente que o próprio mercado para corrigir seus problemas. Em relação à provisão de bens públicos, por exemplo, a argumentação dos estudiosos das falhas de governo é centrada em dois argumentos, segundo os quais: i) o Estado não consegue mensurar rapidamente e com precisão a quantidade de um bem público a ser fornecida; e ii) o Governo não consegue eliminar o problema dos free

riders. Em relação à quantidade do bem público a ser disponibilizado à coletividade, destaca-se que a atuação governamental é comumente alinhada a preocupações típicas da arena política, como a necessidade de reeleição, o atendimento a grupos de interesse, etc., e não aos preços dos mesmos bens. A contumaz negligência aos preços dos bens pode conduzir, e frequentemente conduz, a bens públicos fornecidos em excesso (como, por exemplo, em relação a armamentos militares nos Estados em que grupos de interesses pressionam e cativam políticos para que assim o façam), ou a bens ofertados em patamar insuficiente (ex: saúde, educação). No tocante à problemática do carona, é de se recordar que os bens públicos são fornecidos em quantidades únicas, independentemente da vontade de cada cidadão, e a tributação também é razoavelmente fixa. Diversos indivíduos beneficiados por um bem público recebem mais daquele bem do que necessitam ou queriam pagar por ele, ao passo que outros estariam dispostos a pagar mais pela referida provisão. Noutras palavras, estes pegam carona na contribuição

30 alheia, de modo que a provisão estatal de bens públicos não elimina o problema dos free

riders.

Bem assim, os referidos autores defendem que melhores resultados seriam obtidos pela adoção de melhorias tecnológicas, bastante úteis na precificação de bens comumente referidos como públicos (que seriam, a bem da verdade, bens públicos impuros). Tais tecnologias, em muitos casos, permitem a vedação da utilização dos referidos bens por aqueles que não arcaram com os seus custos. Sugerem os autores, para o melhor funcionamento do mercado, a adoção de taxas de uso, a privatização de certos tipos de bens e serviços e a atribuição de papéis mais relevantes à iniciativa privada. Segundo esta linha de argumentação, a intervenção estatal tende a agravar a falha de mercado, e não a corrigi-la.

Outra falha de mercado analisada de forma recorrente pelos críticos à intervenção estatal é a competição imperfeita, em especial o suposto combate aos cartéis e monopólios. Partindo da constatação de que tais quadros de competição incompleta são comumente marcados por altos custos de rent seeking (esforços junto ao poder político para, mediante medidas de privilégio, obter o aumento da riqueza ou da renda) e pela possibilidade de violação de free riders (tentados a aumentar seus ganhos pela violação do acordo colusivo, nos oligopólios, ou pela quebra do monopólio), destacam tais autores que os monopólios e cartéis, em regra, são temporários. Advertem, ainda, que a intervenção estatal, ao invés de impedir tais espécies de competição imperfeita, comumente acaba por se dirigir à proteção das posições de monopólio ou de cartel. A regulamentação detalhada em relação a preços, à qualidade de produtos e de serviços e às condições de entrada num dado mercado – ferramentas comuns da intervenção estatal – são empecilhos à competição entre os agentes de mercado. A intervenção estatal pode, assim, conduzir a uma competição ainda mais imperfeita e não ao inverso, como sustentam os defensores da ação governamental.

Em relação às externalidades negativas, são válidas as lições de Coase (1960), que atribuiu tais custos de transbordamento às deficiências na definição dos direitos de propriedade. No frequente exemplo dos custos da poluição ambiental, como não há um proprietário específico do meio-ambiente, não há um agente capaz de cobrar pelos referidos prejuízos. Assim, para corrigir o problema, o autor menciona que deveriam ser especificados adequadamente os direitos de propriedade do meio ambiente, de modo a internalizar custos e benefícios. Os responsáveis pela poluição pagariam por esta e os proprietários do bem prejudicado receberiam os valores correspondentes.

31 Ainda em relação às mencionadas externalidades, Mitchell e Simmons (2003) destacam a criação de mercados de títulos de poluição, em que o fechamento de uma fábrica ou a instalação de equipamentos contra a poluição poderia gerar créditos alienáveis a um interessado que pretenda, por exemplo, instalar uma nova fábrica ou elevar a sua produção.

Não se pretende, aqui, descer às minúcias da análise efetuada pelos críticos da intervenção estatal em cada uma das falhas de governo. Basta, para o presente estudo, indicar que diversos economistas, cientistas políticos, juristas, entre outros, apesar de reconhecerem que os mercados falham, combatem a visão segundo a qual os Governos teriam sucesso nas situações em que os mercados malograram.

Ademais, é também oportuno destacar que uma das formas mais frequentes e robustas de intervenção estatal é exatamente a reserva de alguns bens e atividades como públicos. Afinal, se o Estado é proprietário de um bem, ou se é competente para explorar direta ou indiretamente uma dada atividade, não resta dúvida de que poderá disciplinar o uso dos respectivos bens por outrem, ou a prestação indireta da atividade, conformando a atuação dos particulares aos propósitos da Administração. O próximo capítulo, entre outros temas, examinará as razões pelas quais certos bens e atividades do setor elétrico foram reservados ao Estado.

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III – As Concessões e o Setor Elétrico