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JUVENTUDE ENQUANTO SEGMENTO SOCIAL E SUAS ESPECIFICIDADES

As mudanças operadas no âmbito da economia capitalista, bem como na velocidade de produção no campo da ciência e da tecnologia, geram novas demandas do mundo do trabalho e da educação, e repercutem nas condições de existência dos jovens. Tal cenário impõe às políticas públicas brasileiras a incorporação de novas variáveis no que concerne à abordagem dos problemas relativos à condição juvenil pelas agendas governamentais, como alternativa de superação da situação de pobreza, vulnerabilidade e violência que acomete a juventude no país.

O entendimento de que as questões que afetam os jovens exigem a formulação e a implementação de Políticas de Inclusão específicas (ABRAMO e BRANCO, 2005) é, necessariamente, atravessado pelo debate da definição do que é juventude na contemporaneidade, pois implica a identificação de diversos aspectos que configuram esse segmento social, tais como faixa etária, características e necessidades.

A juventude, assim como as outras fases da vida, é uma construção social, histórica e cultural, de maneira que suas funções, representações e significações referem-se ao contexto em que são constituídas. Assim, juventude significa uma representação ou criação simbólica construída pelos grupos sociais ou pelos próprios indivíduos considerados jovens, simbolizando um conjunto de atitudes e comportamentos a eles atribuídos. Desse modo, a concepção de juventude vigente tem origem no contexto sociocultural capitalista burguês e liberal do século XIX, pautado em uma cientificidade biologicista (GROPPO, 2000).

Conforme Maia e Mancebo (2010), no século XX, a juventude é afirmada como força de transformação, o que ocasionou a “expansão” dessa fase da vida, “empurrando” a infância para trás e a maturidade para frente. Referindo a esse tema, o historiador francês Ariès (1981) aponta que se, até algum tempo atrás não havia a noção de adolescência, atualmente, esta tornou-se a idade almejada por todos, independentemente da idade.

Em décadas anteriores, a compreensão da condição juvenil era pautada na ideia de adolescência, enquanto fase de transição entre infância e vida adulta, na qual mudanças biológicas eram propiciadas por certa cronologia e experiências eram adquiridas, como condição de ingresso no mundo adulto. Essas definições podiam ser

aferidas em diversas fontes de informação social.

Segundo o dicionário Aurélio (2001, p. 18), adolescência é “período da vida humana que começa com a puberdade e se caracteriza por mudanças corporais e psicológicas, estendendo-se, aproximadamente, dos 12 aos 20 anos”, definição adotada pela a Organização Mundial da Saúde e pela legislação brasileira, Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 19909, com a diferenciação, no Art. 2º: “considera-se criança,

para os efeitos dessa Lei, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade”.

De acordo com Silva (2012, p. 164), até então “o ser jovem era algo de certa maneira estável e bem delimitado”. Contudo, essas definições entram em crise na medida em que as instituições que davam suporte a essa transição também estão em processo de “desinstitucionalização”, em que são incluídas a crise da família, da escola e do trabalho. “Hoje vemos a surgimento de novas formas de família, o esgotamento da ilusão de ascensão social por meio da educação e do pleno emprego, bem como a emergência de novos atores reivindicando políticas especificas” (SILVA, 2012, p.164).

A transição organizada, linear e marcada cronologicamente para a vida adulta, em que a etapa de escolarização e “dependência” familiar davam lugar ao ingresso no mundo do trabalho e constituição da própria família passa a ser prolongada e descontinuada:

Nesse sentido, a juventude se prolonga até depois dos 30, o que significa um terço da vida. Diante disso, os jovens estabelecem um sentido de ambivalência, caracterizado por um misto de desejo e incerteza, uma vez que o trabalho regular já não pode ser considerado como um dado estrutural e garantido para todos nas sociedades capitalistas. Nesse contexto do trabalho transformado em ocupação precária, essa incerteza social no mundo do trabalho está impossibilitando a passagem do adolescente à vida adulta, gerando uma verdadeira “geração canguru” – de jovens que seguem morando com os pais e não veem perspectivas de sair de casa, mesmo com a união conjugal ou gravidez (SILVA, 2012, p. 164-165).

Considerando que a compreensão de juventude enquanto transição entre a dependência infantil e a autonomia adulta tem se tornado mais difusa e complexa, Maia e Mancebo (2010) relacionam a possibilidade de entendimento desse processo

9BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

a partir da análise da concepção de tempo instituída na sociedade ocidental. Para além do ponto de vista social, em que o conceito de tempo coordena e integra as ações humanas, em um olhar subjetivo, esse tempo é constituído por um encadeamento de acontecimentos sucessivos, fornecendo a experiência de sequência e continuidade de vivências pessoais que, unidas compõem uma história de vida e permitem a construção e confirmação da “consistência pessoal”. Nesse contexto, os sujeitos da pesquisa, na coleta de 2011, MSFS/ WEB e ALF / WEB respectivamente, apresentam os seguintes relatos,

MSFS / WEB: - Foi mais um campo aberto pra gente, saindo do fundamental, que antes era mãezinha, paizinho. De repente, Metrópole Digital! Encarar uma prova, fiz a prova passei. Estou fazendo, estudando. Fazendo a escola, cursinho à tarde, Inglês, Informática, passeio, Metrópole à noite, chego em casa tarde, estou criando responsabilidade. Já estou crescidinha. Oh, mãe! Tenho um amanhã!

ALF / WEB: - Foi uma surpresa quando eu passei, meu Deus! Eu moro em Parnamirim, nunca tinha pego um ônibus sozinha, acho que foi de grande responsabilidade, como estão falando aqui, foi crescimento, porque a gente saiu mais da infância e entrou mais no mundo adulto.

De acordo com MSFS/ WEB e ALF / WEB, a possibilidade de crescimento e de um futuro, o amanhã, concreto não é dada, mas está relacionada ao continuum10 de amadurecimento de responsabilidades e superação de etapas, como a prova de seleção para o IMD. Nesse contexto, o circuito escola-cursinho-inglês-lazer-IMD configura espaço de mediações desse gênero, já que promove a circulação de sentidos para as responsabilidades dos estudos e suas aplicabilidades nos diversos espaços que as jovens frequentam. A própria autonomia para o traslado entre os espaços formativos, referida por ALF / WEB, “nunca tinha pego um ônibus sozinha”, demarca sua experiência subjetiva de crescimento. Ao afirmar “estou crescidinha”, MSFS / WEB subverte a representação de juventude enquanto amadurecimento biológico e inevitável, e assinala o entendimento de que crescer através do próprio esforço pode ser uma opção do próprio jovem. “Encarar” estudos nos três turnos e

10Continuum: esta denominação é dada a uma série canadense de ficção científica que se

centra sobre o conflito entre uma policial e um grupo de rebeldes a partir do ano de 2077 e voltam no tempo até o ano de 2012, em Vancouver - CA. A série estreou em Showcase em 27 de maio de 2012. A primeira temporada é composta por 10 episódios e a segunda, que ainda está em exibição, 13 episódios. Em 5 de junho de 2013, a série Continuum foi oficialmente renovada e irá retornar na 3ª temporada. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Continuum_(s%C3%A9rie). Acesso em: 21 nov. de 2013.

conseguir chegar em casa tarde da noite em função de um “amanhã” representa, aqui, abrir mão de alguma zona de conforto em busca de um projeto de vida.

As observações de MSFS/WEB e ALF/WEB, em contraposição à configuração de valores específicos da sociedade atual, contribuem ainda para a problematização do fenômeno da “adultescência11”, termo utilizado por Sevcenko (1998) para explicitar

as atitudes na passagem da fase da adolescência e para a fase adulta. Tal fenômeno representa o surgimento de nova categoria etária que prorroga o fim da adolescência, valorada em seu dinamismo e criatividade que “dissolvem” a vida adulta enquanto experiência ou etapa de maturidade, responsabilidade e compromisso, e que se faz “possível” em qualquer idade através da adoção de formas de consumo de bens e serviços específicos (DEBERT, 2010). Vale mencionar a crescente preocupação ocidental com a produção de corpos esculpidos e rejuvenescidos, movendo verdadeiras indústrias de encorajamento ao consumo de uma série de produtos, desde cirurgias plásticas, alimentação manipulada e academias de ginástica, à adoção de recursos de transformação da aparência: vestuário, maquiagens, cores e estilos de cabelo, e das atitudes.

É pertinente observar que o “tempo livre” resultante de descontinuidades no processo de amadurecimento de muitos jovens, pode transformar-se, ao invés de acesso democrático ao lazer, em desocupação e empobrecimento, uma vez que inúmeras são as propostas de consumo, inclusive, de entretenimento, bombardeadoras de informações esvaziadas de sentido ético-moral e de focos de estimulação ao desenfreado consumo material. Nessa perspectiva, RSG / WEB comenta,

Quando eu entrei no Metrópole, digamos assim, eu não sabia nada de computador. Eu só jogava [...]. Aí depois da primeira aula eu vi como foi as coisas em http [...]. As pessoas estão usando o Facebook mais para brincadeirinhas, coisas e besteiras. E até mesmo esses casos de

bullying, é muito frequente no Facebook.

O comentário de RSG / WEB é elucidativo daquilo que Carrano (2003) concebe acerca do lazer enquanto campo potencial de liberdade. Se, por um lado, é comum o entretenimento repetitivo ou esvaziado de valores morais, como o bom senso e o

11 Adultescência: Verbete extraído de "Um Glossário para os anos 1990", de David Rowan (Prion) e publicado no caderno Mais da Folha de S. Paulo, 20-09-1998.

respeito, também é possível o desafio da reinvenção do futuro por parte de sujeitos capazes de construir zonas de equilíbrio entre a autoconsciência e a alteridade.

O Governo Federal, para empreender melhor em prol da juventude brasileira, no intuito de fomentar ações políticas em prol de formação adequada que atendesse as necessidades dos jovens brasileiros, elaborou, por meio da Secretaria-Geral da Presidência da República, um Guia da Juventude para nortear essas ações. No texto de Apresentação desse Guia12, dispõe,

Entender as singularidades e as peculiaridades das juventudes e garantir direitos a esta geração são fatores fundamentais para consolidar a democracia no Brasil, com inclusão social. É esta a perspectiva que norteia o Governo Federal na concepção e implantação de políticas públicas de juventude. Esta nova forma de considerar a juventude teve como marco importante a criação, em 2004, do grupo interministerial – coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República e composto por 19 ministérios – que levantou os principais programas federais para esse segmento populacional e realizou um diagnóstico da situação dos jovens brasileiros. Um resultado imediato do trabalho foi a definição da Política Nacional de Juventude, cuja implementação é coordenada pela Secretaria Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República. O momento, portanto, revelou a prioridade conferida à juventude, estimulou o desenvolvimento de novas ações e a consolidação de práticas que buscam garantir direitos e oferecer oportunidades aos jovens brasileiros. Nesse contexto, o Governo Federal possui, nas mais diferentes áreas, inúmeras ações, programas e políticas públicas para a juventude. Nesta publicação, são apresentados os principais programas, em desenvolvimento nas mais diferentes localidades do país, que têm o jovem como público- alvo prioritário.

O objetivo é colocar estas informações à disposição dos jovens, lideranças sociais, governos municipais e estaduais, organizações da sociedade civil e cidadãos que possam se interessar pelas políticas públicas. Inspirados pelo espírito republicano, esperamos, com este Guia, dar transparência à gestão do Estado, possibilitar o acompanhamento dessas iniciativas e, principalmente, ampliar o alcance dessas políticas em desenvolvimento (BRASIL, GUIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE, 2006, p. 5).

Nesse documento, Guia de Políticas Públicas de Juventude (2006) monstra, também, que o Governo Federal procurou inovar na concepção de política pública, passando a considerar a juventude como uma condição social, e os jovens, como

12BRASIL. Guia de Políticas Públicas de Juventude. Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República, 2006. Disponível em: http://www.juventude.gov.br/conjuve/documentos/guia- de-politicas-publicas-de-juventude. Acesso em: 21 nov. 2013.

sujeitos de direitos, procurando com essa nova concepção de política pública de juventude, nortear as suas ações em duas noções fundamentais: oportunidades e direitos. Ações e programas do Governo Federal que buscam oportunizar e garantir direitos aos jovens, para que eles possam resgatar a esperança e participar da construção da vida cidadã no Brasil.

Outra ação do Governo Federal indicada nesse documento, em prol da juventude brasileira foi a criação a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), que é o órgão responsável por articular os programas e projetos, em âmbito federal, destinados aos jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos, visando fomentar a elaboração de políticas públicas para o segmento juvenil municipal, estadual e federal, além de interagir com os poderes Judiciário e Legislativo na construção de políticas amplas e promover espaços para que a juventude participe da construção dessas políticas.

O Guia de Políticas Públicas de Juventude (2006), informa que a partir de ampla pesquisa das condições socioeconômicas do jovem brasileiro, foram identificados desafios para nortear a consolidação da Política Nacional de Juventude. São eles,

- ampliar o acesso ao ensino e a permanência em escolas de qualidade;

- erradicar o analfabetismo;

- preparar para o mundo do trabalho; - gerar trabalho e renda;

- promover uma vida saudável;

- democratizar o acesso ao esporte, ao lazer, à cultura e à tecnologia da informação;

- promover os direitos humanos e as políticas afirmativas; - estimular a cidadania e a participação social; e

- melhorar a qualidade de vida no meio rural e nas comunidades tradicionais (BRASIL, GUIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE, 2006, p. 8).

Nesse contexto, o Guia (2006) ainda apresenta os principais programas do Governo Federal para a juventude: Projeto Agente Jovem, Programa Bolsa-Atleta, Programa Brasil Alfabetizado, Programa Escola Aberta, Programa Escola de Fábrica, Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed), Programa Juventude e Meio Ambiente, Programa Nossa Primeira Terra, Programa Cultura Viva, Programa de Integração de Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE), Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), Programa Nacional

do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), Projeto Rondon, Programa Pronaf Jovem, Programa Universidade para Todos (ProUni), Programa Saberes da Terra, Programa Segundo Tempo, Projeto Soldado Cidadão.