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Juventude, religião e reencantamento da sociedade

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1.3. Um balanço dos estudos sobre Religião e Juventude no Brasil

1.3.4. Juventude, religião e reencantamento da sociedade

Sofiati se vale, em sua pesquisa, dos conceitos weberianos acerca do processo de “racionalização-desencatamento-secularização” e de seu contraponto que pode ser identificado como “reencantamento e dessecularização” para provocar uma reflexão acerca da condição religiosa da juventude brasileira (SOFIATI, 2011, p. 93 e 99). Mesmo reconhecendo o que Pierucci já havia indicado (2003, p. 137-138), que Weber não é um sociólogo da religião, mas um sociólogo da racionalização, não há como se ignorar a notável relação entre o processo de “desencantamento do mundo” (diretamente ligado a esfera religiosa) e o processo de “racionalização do Ocidente”. É na síntese entre esses dois processos que se dá o fenômeno da secularização (SOFIATI, 2011, p. 93), definido por Berger (1985, p. 119) como um “processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos”.

Embora se reconheça a historicidade e os desdobramentos desses processos sociais supracitados, Sofiati traz à discussão os conceitos de “reencantamento do mundo” e “dessecularização” como contrapontos necessários para se entender a condição religiosa contemporânea, especialmente no contexto dos jovens brasileiros. Por mais irônico que se possa

parecer, é o próprio Peter Berger que melhor definiu secularização, um dos responsáveis pela tese da dessecularização. “O mundo de hoje [...] é tão ferozmente religioso quanto antes” (BERGER, 2001, p. 10). Para ele, as instituições religiosas perderam poder e influência na sociedade, mas as crenças e práticas religiosas permaneceram presentes na vida das pessoas e se reorganizaram a partir de novas instituições. Isso não significa que Berger, conforme demonstra Mariz (2001, p. 27), esteja negando o processo de secularização senão que:

O uso do termo dessecularização implica, pois, que algum tipo de secularização ocorreu, e consequentemente, quando fala de dessecularização, o autor contradiz sua afirmação de que nunca o mundo foi secular, e vai também contra a sua negativa tão categórica da teoria da secularização.

As comunidades e instituições religiosas assumiram duas estratégias de relação com o mundo moderno: a rejeição e a adaptação. Aqueles que não tentaram se adaptar a esse mundo conseguiram sobreviver e até florescer no cenário atual. Em contrapartida, as religiões que buscaram se adaptar à modernidade acabaram fracassando. Logo, houve um crescimento das instituições religiosas conservadoras, ortodoxas ou tradicionalistas que rejeitaram o mundo atual e um declínio das instituições que tentaram o ajustamento.25

Berger (2001, p. 17) ainda aponta, como exemplo desse quadro sugerido acima, dois movimentos: o islamismo e o movimento evangélico, principalmente em sua vertente pentecostal. E indica dois fatores que provocaram a ressurgência da religião no mundo: 1) “a modernidade tende a solapar as certezas com as quais as pessoas convivem ao longo da história [...] e os movimentos religiosos que prometem certezas são atraentes”; 2) “uma visão puramente secular da realidade encontra seu principal lugar social numa cultura de elite [...] Os movimentos religiosos com uma tendência fortemente anti-secular podem então atrair pessoas com ressentimentos originados às vezes em motivações claramente não-religiosas”.

É exatamente esse contexto que Sofiati (2011, p. 122) vai apontar como uma incubadora para os movimentos religiosos em crescimento no Brasil. Para ele, a Renovação Carismática, que atrai e pretende fidelizar boa parte da juventude católica26, faz parte do contexto de

pentecostalização das religiões, sendo um exemplo do argumento de que o Brasil é um país no

25 Recentemente foi publicada uma pesquisa intitulada Theology Matters: comparing the traits of growing and

declining mainline protestant churches attendes and clergy onde os autores Haskell, Flatt e Burgoyne (2016)

discutem, a partir de uma pesquisa de campo realizada em algumas igrejas protestantes do Canadá, as razões pelas quais algumas delas estão em ascensão e outras em declínio. Um dos fatores que eles destacam como sendo determinante naquelas que estão em crescimento é seu conservadorismo teológico.

26 Sofiati (2011, p. 182) cita, em sua pesquisa, que o movimento juvenil chamado PHN tem como intuito “evitar a

rotatividade” dos jovens, mantendo-os fiéis por meio de um método de “evangelização pós-conversão”. Ele ainda menciona uma entrevista que fez com o padre Dunga, idealizador do projeto, onde este reconhece que a maior dificuldade do jovem é a “permanência” e por isso da existência do movimento.

qual ocorre um fenômeno de semi-encantamento e secularização relativa. Mais curioso ainda é o fato de que, apesar de pertencer ao setor “modernizador-conservador”27 da Igreja Católica, a

Renovação Carismática consegue manter seu caráter magicizado e de distanciamento do mundo mesmo dentro dos setores sociais mais elevados em termos de bens culturais.

É nessa faixa paradoxal entre o processo modernizante da secularização e o reencantamento da sociedade que Sofiati situa o cenário religioso brasileiro ao fazer um empréstimo do conceito de Negrão (2005, p. 35) que defende que a racionalização mediante o desencantamento do mundo é um passo teoricamente prévio, porém, historicamente não efetivado no Brasil e explica que esse descompasso ocorre pelo fato da nossa modernização racionalizante ser extra-religiosa. O que houve, portanto, no Brasil foi a persistência do encantamento do mundo, mas apenas no plano das mentalidades, já que o país se secularizou no âmbito da sociedade, havendo a separação entre Igreja e Estado, pelo menos do ponto de vista jurídico, com uma administração racional por meio de códigos legais e sem a influência decisiva de grupos religiosos, embora na prática essa separação ainda não seja tão efetiva.

Essa mentalidade popular encantada, da qual fala Negrão, repleta de sincretismo religioso, crenças em milagres e apelo à magia, é um terreno propício para a gestação do pentecostalismo e do movimento carismático, pois estes também trazem em seu cerne uma visão magificada de mundo e uma inclinação a experiência mística sensorial que funciona como um polo de atração para uma juventude em busca de uma religiosidade pautada na emoção e na espiritualidade. Para Sofiati (2011, p. 153):

Em primeiro lugar, a relação de causalidade entre a realidade social do jovem e o cenário religioso no Brasil se realiza a partir da idéia de que a crise social leva à falta de projeto de futuro que por sua vez conduz, em muitos casos, à religião. Portanto, a ênfase dessa relação causal está não exatamente nas dificuldades sociais enfrentadas pelos jovens, mas, sobretudo, na crise de futuro que o cenário atual tem conduzido. Em segundo lugar, a análise do contexto entre os jovens e do cenário religioso possibilita estabelecer uma afinidade eletiva entre o jovem brasileiro e as religiões carismáticas e pentecostais, para além de uma subjetividade da juventude “funcionalmente religiosa” em sua potencialidade. Significa afirmar que a juventude opta por religiões que o ajudem a superar suas dificuldades, todavia, a superação deve ser imediata e mágica.

Esse é o quadro que descreve uma parte do perfil da juventude católica carismática estudada por Sofiati (2011, p. 156). Seus encontros são notadamente marcados por “experiências pessoais de encontro com Deus”, “grande foco na emoção”, “vivência comunitária” e “cultura midiática” (CARRANZA e MARIZ, 2009, p. 130-141). Um desses

itens que merece destaque é o caráter fortemente comunitário do movimento da juventude. Em contraste aberto com a proposta de “autonomia de negociação” do fiel em relação ao universo religioso, proposta por Luckmann (1973, p. 119), as comunidades carismáticas de jovens, segundo Sofiati (2011, p. 173):

passam a dar sentido à vida e identidade do individuo que nela ingressa, tirando- os das incertezas presentes na sociedade e ligando-os a um projeto comunitário de caráter divino, onde se perde a autonomia pessoal, mas se ganha um projeto de vida consistente e seguro.

Mais uma vez o que se vê nesse movimento carismático jovem é seu poder de negociação com os elementos da modernidade secularizada e, simultaneamente, reencantada. Isso porque ele apresenta elementos distantes da realidade atual – como a restrição da vida sexual ativa, o confronto ao consumismo e o individualismo – e ao mesmo tempo próximos da realidade contemporânea – como a valorização de símbolos e da diversidade estética, a adoção da emoção como marca da experiência religiosa e a afinidade com a mídia e eventos de massa (CARRANZA e MARIZ, 2009, p. 150).

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