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Capítulo II – A glíptica do Diyala

2.1. Contextos Arqueológicos: arqueossítios e estruturas

2.1.2. Khafajah (Tubut?)

O arqueossítio de Khafajah (antiga Tutub?) localiza-se a nove milhas a leste da província de Bagdad87. Pouco se sabe sobre a história política da cidade, uma vez que o expoente máximo de ocupação do local remonta aos períodos de Jemdet Nasr (c. 3500-2900 a.C.) e Dinástico Arcaico (c. 2334-2000 a.C.). Contudo, pensa-se que terá sido uma província-satélite da cidade de Ešnunna, sobretudo entre c. 2150 a.C. e c. 2100 a.C., período em que as fontes escritas dos reinados de Shiqlanum e Sharria, governantes de Ešnunna, fazem referência ao controlo político da cidade de Tubut (FRANKFORT; LLOYD; JACOBSEN, 1940:198). A área escavada encontra-se dividida em quatro Tells, incluindo uma área de 1.200 x 1.800. Este total foi dividido, no processo de escavação, em quadrados de 20 metros, orientados para o norte magnético. Os pontos mais elevados dos quatro Tells foram assinalados pelas letras, A, B, C e D que foram, simultaneamente, utilizadas para nomear os montes88 (DELOUGAZ, 1940: 3). O Tell A carateriza-se por níveis de ocupação mais remotos, correspondentes aos períodos de Jemdet Nasr, Dinástico Arcaico e inícios do período Acádico. Nos Tells B, C e D89, foram identificadas ruínas de períodos mais tardios, isto é, Isin-Larsa e Babilónico antigo. De entre as estruturas identificadas, são de destacar as do Tell A, local de onde provêm grande parte dos selos da amostragem, nomeadamente em termos de estruturas cúlticas: o templo Oval, o templo de Sîn, o templo de Nintu e ainda estruturas habitacionais (Anexo 4, Planta 10) (DELOUGAZ, 1942: 215- 223; DELOUGAZ, 1942b.: 84-85; DELOUGAZ, 1967: 15-17).

O templo Oval apresenta vários níveis de ocupação, sendo que a sua construção (Oval I) deve ter ocorrido entre os finais do período Dinástico Arcaico I ou dos inícios do Dinástico Arcaico II. A segunda fase de ocupação do local (Oval II) corresponde já à fase final do período Dinástico Arcaico (III). A última fase de ocupação do templo (Oval III) remonta ao período acádico inicial, composto por três grandes fases de construção do espaço. Existem alguns indícios que apontam para a possibilidade de esta estrutura cúltica ter sido fundada em honra da deusa Inanna/Ištar, de como é exemplo uma escultura exumada no local (M 44:5; Oval III), ainda

87 Latitude: 33° 21' 18.2448"; 33.3550682° N. Longitude: 44° 33' 20.2168"; 44.5556158° E.

88 As elevações dos montes acima da planície são de aproximadamente, 4 metros (Tell A); 6 metros (Tell B); 5

metros (Tell C); 4 metros (Tell D) (DELOUGAZ, 1940: 3).

89 No Tell D, correspondente ao Templo de Sîn, datado do período de Isin-Larsa/Babilónico Antigo, foi exumado o

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que esta hipótese não possa ser confirmada (DELOUGAZ,1940:147-148). O complexo era composto pela estrutura cúltica, de planta oval e por um complexo de casas privadas, fora do espaço cúltico com zonas de sepulcro que datam quer de períodos anteriores, quer dos períodos de utilização do templo. Não pode ser considerada uma necrópole, pois os espaços evidenciam usos domésticos comuns. Possivelmente, a sudeste do templo existiria uma necrópole, cujos paralelos com o “Cemitério Real de Ur” parecem apontar para enterramentos de membros da elite religiosa e/ou altos dignatários civis (LAWECHA, 2011:35). Ainda que antigo, a especificidade que mais carateriza e tem intrigado os investigadores é a planta oval que este apresenta. Paralelos deste tipo podem ser estabelecidos com um dos templos identificados em Tell al-Ubaid, embora a planta neste arqueossítio seja mais regular em forma quando comparada com o templo de Khafajah. Os templos de planta oval encontram-se atribuídos, única e exclusivamente, ao período Dinástico Arcaico, não havendo indícios de que se cingiram a uma região específica da Mesopotâmia, pois os mesmos encontram-se ao longo de todo o território, no período referido90 (DELOUGAZ, 1940: 143-144).

Os selos exumados neste espaço correspondem aos números 117 e 118, sendo que apenas foi possível perceber a funcionalidade do compartimento onde foi exumado o primeiro. Este, data da primeira fase de ocupação do templo (Oval I) e estaria numa zona onde se localizavam uma série de quartos que se encontravam em redor da zona do pátio (L 44:5). O selo nº 117 encontrava-se no mesmo espaço onde foram exumados outros objetos, sendo de destacar um pote pintado, típico do período Jemdet Nasr (Kh. IV473), constituindo-se este como o único exemplar deste tipo encontrado no local91 (Anexo 4, Planta 11). (DELOUGAZ, 1940: 25-27).

90 As principais questões sobre o templo Oval de Khafajah incidem, precisamente, sobre a sua forma e,

consequentemente, sobre a origem deste tipo de morfologia. Ainda que estas questões permaneçam sem resposta, segundo o arqueólogo responsável pela escavação do arqueossítio (DELOUGAZ), esta forma não parece ter servido nenhuma questão de natureza utilitária específica. Talvez a forma oval esteja associada à própria morfologia do espaço disponibilizado para a construção do templo e/ou então, às adaptações necessárias em espaços onde estariam estruturas pré-existentes. Outra hipótese poderá ser a sua associação ao facto de esta forma servir propósitos rituais específicos, talvez evocativa de uma tradição anterior, que se extingue após o período Dinástico Arcaico. Também poderá, talvez, estar interligada ao culto de uma divindade ou de um grupo de divindades específicas. Uma última hipótese levantada aponta para que esta inovação morfológica tenha sido importada, isto é, uma ideologia externa ao território mesopotâmico que, em período Dinástico Arcaico é transposta (DELOUGAZ, 1940:144-145).

91 Este achado do período Jemdet Nasr, poderá levantar algumas questões quanto à ocupação inicial do templo que,

segundo os arqueólogos, foi construído no período Dinástico Arcaico. Contudo, em termos artísticos, seria normal uma continuidade de estilos, neste caso, do período anterior à construção do templo.

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O templo de Sîn (Tell A), assim denominado pela presença de uma inscrição dedicada ao deus lunar, Nanna/Sîn92, encontrava-se numa zona bastante destruída, sobretudo nos níveis mais

recentes, sendo que a camada de ocupação mais antiga do templo foi encontrada a nove metros de profundidade. O estrato mais antigo corresponde à segunda metade do período de Uruk/Jemdet Nasr, sendo que as fases VI a X, correspondem ao período Dinástico Arcaico, nomeadamente nas fases VI a VII ao Dinástico Arcaico I e a fase VIII ao Dinástico Arcaico II. Quanto à ocupação final do templo (Sîn X), tendo em conta a profanação do espaço por via de escavações ilegais, existem dificuldades de datação. Contudo, neste estrato foi encontrado um amuleto do tipo “puzu-heads” (Kh, IV 153), elemento datado do período Dinástico Arcaico III, não tendo surgido artefactos deste tipo em camadas anteriores (DELOUGAZ, 1942b.: 78).

Os selos exumados no templo de Sîn foram identificados nos estratos II, III, IV, V e VIII, correspondentes aos níveis de ocupação dos períodos de Uruk/Jemdet Nasr e Dinástico Arcaico I e II. De entre a amostragem, destacam-se os selos números 96 e 97, não só devido à sua riqueza material, mas também devido ao local onde foram exumados. Estes são os exemplares mais ricos da amostragem total, com decorações únicas. O primeiro apresenta anéis de concha encrustados na parte superior e inferior do selo, detendo ainda uma presilha/gancho fabricada em prata; o segundo, continha incrustações de pequenos triângulos feitos em madrepérola e jaspe, um tipo de decoração aplicada a vasos fabricados em pedra e datados de épocas posteriores. Para além da decoração, apresentava uma presilha, tal como uma primeiro mas, neste caso, fabricada em concha. O local onde foram exumados (locus: Q 42:41; nível: Sîn II) representa um espaço que apenas tinha comunicação com o santuário, constituindo-se como sala adjacente do mesmo. É possível que tenha funcionado como espaço de assistência ao culto (Anexo 4, Planta 12). A presença das presilhas aponta para a possibilidade dos mesmos terem sido utilizados suspensos, podendo indicar a sua utilização como “amuletos da casa”93 (DELOUGAZ, 1942b.: 15-16).

O templo de Nintu foi assim denominado devido a uma inscrição presente numa placa em pedra que evocava o nome desta divindade feminina. Contudo, a inscrição, «To Nintu…, child of Damgalnun, has É: Kur (?): A (?), child of Amaabzuda, presented (this)», em conjugação com as

92 «Urkisal, Sângû-priest of Sîn of Akshak, son of Nati, pashishu-priest of Sîn, for the protection gas presented

(this)». Para além desta inscrição, foram também exumados vários pendentes em forma de crescente lunar nos níveis Sîn I e III do templo (Kh, IX 30; VIII 117) (DELOUGAZ 1942b.:13).

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evidências arqueológicas, permitiu perceber que o templo era composto por três santuários. Estes três espaços poderão, por conseguinte, indiciar que foram aqui cultuadas três divindades distintas, Nintu, Damgalnun e outra. A presença de uma escultura, que representa a figura de uma vaca com barba, num dos altares do templo reforça a noção de que a estrutura religiosa foi dedicada a divindades ligas à esfera maternal. Damgalnum, referida na inscrição, será, possivelmente, um dos epítetos da deusa-mãe Ninhursaga, sendo que a vaca é reconhecida como um dos seus animais-símbolos94 (Anexo 4, Figs. 4-5). No que respeita à sua fundação, o nível mais antigo (Nintu I) aponta para a sua construção entre os finais do período de Uruk/Jemdet nasr) e os inícios do período seguinte. Ao que tudo indica, o templo esteve em funcionamento durante toda a fase correspondente ao período Dinástico Arcaico (Nintu VII) (DELOUGAZ, 1942b.: 79-104).

Relativamente aos selos exumados no templo de Nintu, estes correspondem aos números 71 e 119, tendo sido ambos identificados em zonas de pátio. No caso do primeiro selo, o pátio onde foi exumado era composto por estruturas, grande parte delas retangulares, de variados tamanhos (locus: Q 45:12; nível: Nintu VI), que, por analogia com outras estruturas identificadas no templo Oval de Khafajah, conduziram à hipótese de estas representarem mesas de oferendas (Anexo 4, Planta 13). O segundo selo foi identificado em conexão com outros artefactos de elevado valor artístico, tais como fragmentos de estátuas, selos cilíndricos e outros pequenos objetos (Anexo 4, Fig.6) (DELOUGAZ, 1942b.: 84-86).

Por último, no que diz respeito ao complexo de casas privadas (Tell A), estas apresentavam níveis de ocupação dos finais período de Jemdet Nasr, dos inícios do período Dinástico Arcaico e, talvez, dos inícios do período Proto Imperial. O número total de selos exumados neste local é de quatro (120; 121; 122; 123) e foram encontrados em unidades estratigráficas datadas do Período Dinástico Arcaico II e III. Ainda que tenham sido encontradas sepulturas no interior de algumas das habitações, nenhum dos selos foi exumado em contextos funerários, tendo sido identificados em zonas de pátio e cozinha. No entanto, estes estratos foram afetados por níveis de abandono e, por isso, encontravam-se em ruínas, aquando das intervenções

94 A ligação da deusa-mãe a este animal-símbolo é atestada quer em fontes materiais, como é exemplo o templo de

Ninhursaga em Tell al-Ubaid, onde num dos frisos do templo se encontra representada uma cena de ordenha, possivelmente associado a um ritual realizado em honra da deusa, mas também em fontes escritas, onde, por exemplo, Lugalzagesi proclama ter sido alimentado pelo leite de Ninhursaga (DELOUGAZ, 1942b.: 82; 300).

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arqueológicas, o que dificultou o entendimento das funcionalidades dos compartimentos (DELOUGAZ, 1967: 10-14).