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Kyle: os Estados Unidos da América estão ameaçados

ASPECTOS DO CONSERVADORISMO E VISÕES DE EXTREMA DIREITA NO METAL

3.5. Kyle: os Estados Unidos da América estão ameaçados

Encontrei Kyle pela primeira vez em uma loja de conveniência no começo do ano de 2019. Na ocasião, ele havia elogiado a camisa que eu estava usando, na qual havia uma estampa de uma banda de black metal brasileira chamada Lendas Ocultas. Trocamos ideias sobre bandas e ele me falou que tocava covers de trash e heavy

131 metalcom sua banda. Então aproveitei a oportunidade e perguntei se ele gostaria de ceder uma entrevista e ele aceitou o meu convite. A entrevista aconteceu em sua casa, que tem uma bandeira dos Estados Unidos pendurada em um mastro posicionado no beiral da varanda, algo comumde se ver nas casas norte-americanas.

Fui muito bem recebido por Kyle, que me mostrou suas guitarras, amplificadores e violões, assim como alguns dos seus discos favoritos de trash metal, que incluíam bandas como Anthrax, Exodus e Testament. Kyle é casado, tem duas filhas adolescentes, gosta de caçar e pescar como hobby. É professor de música, porém costuma trabalhar em empregos temporários na área de construção. A declaração a seguir nos foi dada ao ser perguntado quais são os seus sentimentos em relação ao seu país e como ele vê a questão da imigração nos Estados Unidos.

Eu amo meu país, eu amo a nossa cultura, nosso jeito de fazer as coisas. A América é o melhor país do mundo para se viver. E é por isso que as pessoas vêm para cá, para realizar seus sonhos. Nós temos uma história forte de lutas e guerras, de heróis e vitórias e isso é algo que eu tenho muito orgulho. Eu tenho orgulho de nossa história e o que o nosso país faz pelo mundo. Aqui é o país da liberdade, onde você pode se expressar suas crenças e pensamentos de forma pacífica. Aqui você pode ser quem você quiser sem o governo impedir de você se expressar. Nós somos um país com uma economia forte, nós somos um país democrático com muitas oportunidades, nós temos uma grande diversidade musical e cultural, um povo unido e lugares incríveis. Eu realmente amo o meu país, amo minha família, e não teria outro lugar que eu gostaria de estar se não fosse a América. Nós sempre recebemos pessoas de todas as partes do mundo, que vêm pra cá para ter uma vida melhor. Eu não vejo problema nisso, o problema está quando pessoas vêm para cá ilegalmente. Todos os dias dezenas de pessoas atravessam nossas fronteiras ilegalmente e com isso os crimes aumentam, como tráfico de drogas, estupros, roubos. E o povo americano sofre com isso. Por isso que temos que nos proteger e proteger nossas fronteiras, proteger nossas famílias e nossos cidadãos. Nós temos direito de nos defender das pessoas que ameaçam os cidadãos americanos e nosso governo. O problema não é de onde eles vêm, mas o que eles fazem. Existem processos legais de imigração na América. E é assim que fazemos as coisas por aqui. Não é uma questão de racismo, eu entendo quepessoas de vários outros países vêm para cá para trabalhar e fazer algo por esse país. Mas não é justo que o governo pague para manter pessoas que não estão trabalhando para o bem do país, e elas querem que o governo faça tudo por elas. Nós não podemos ter nossas vidas, nossa economia, nossa liberdade e nossos direitos ameaçados.

Kyle compartilha um forte sentimento de amor, adoração e pertencimento ao seu país, o qual ele se refere como América, o que reflete um sentido de dominação em relação ao continente americano. Kyle se orgulha do passado histórico de seu país, das guerras e heróis nacionais. Segundo o entrevistado, os Estados Unidos é o melhor país para se viver no mundo, e esse seria o motivo pelo qual as pessoas imigram para os

132 Estados Unidos. Kyle sente que seu país lhe garante liberdades de escolha e de opinião, que se trata de um país democrático, em que há bastantes oportunidades de trabalho, além de mostrar um sentimento de admiração e romantismo pelos lugares e cultura do seu país.

Fica forte no discurso de Kyle a sua preocupação com a imigração em seu país. Ele entende que junto com a imigração ilegal os índices de criminalidade aumentam nos Estados Unidos, e isso causa nele um temor. O entrevistado, então, se vê no direito de defender sua família e seu país desses inimigos externos, os imigrantes. O que inclui o uso de armas de fogo. Tal sentimento de aversão aos imigrantes é um sentimento que vem sendo construído no habitus da população norte-americana ao longo do tempo, e durante o atual governo de Donald Trump (2019) é um discurso que vêm sendo repetido paulatinamente, desde as campanhas eleitorais em 2016, durante as aparições do presidente norte-americano e reforçado nas emissoras de televisão como Fox News.

Berezin (2019), ao analisar a política do presidente Donald Trump, entende que este usa de um discurso populista com características facistas. A socióloga nos conta que apesar do fascismo ter sido analisado até hoje historicamente como sendo próprio da ditadura italiana de Benito Mussoline (1922/1943), com as novas configurações políticas o fascismo pode ser usado como uma categoria analítica ou uma ponte metafórica nos termos de Jeffrey Alexander (2003 apud BEREZIN, 2019). Sendo assim, Berezim (2019) apreende que as novas políticas populistas perpetradas por Donald Trump (2019) – e Jair Bolsonaro (2019) – tratam de políticas populistas de cunho fascista por erodirem as instituições democráticas e por serem intolerantes e autoritárias.

Assim a autora descreve o populismo como um fenômeno utiliza das preferências do público na construção de um discurso nacionalista que forma uma identidade política. Neste entendimento, o populismo, apesar de emergir da soberania popular, cria uma crise representativa da democracia por adotar políticas de exclusão, além de mobilizar discursos que colocam as pessoas umas contra as outras. Desta forma a autora entende que o corrente populismo assinala necessariamente o enfraquecimento das estruturas e instituições democráticas e o fortalecimento de políticas autoritárias com características fascistas.

Apesar de Kyle dizer que não se trata de fascismo, sua fala contem um discurso marcado pela xenofobia ao eleger os imigrantes, mesmo que ilegais, como os inimigos dos Estados Unidos. É um discurso carregado de preconceito, aos moldes do discurso

133 do presidente Donald Trump (2019), que teve como uma de suas plataformas durante a campanha eleitoral de 2016 a construção de um muro na fronteira entre os Estados Unidos e México como forma de combate a imigração ilegal. Devemos lembrar que no ultimo dia 03 de Agosto de 2019, aconteceu uma massacre em um supermercado das redes Walmart no estado do Texas (Estados Unidos), em que um homem branco de 21 anos, armado com um rifle, matou 20 pessoas e feriu mais 26. Segundo as autoridades o atirador havia escrito, antes do massacre, um manifesto anti-imigração com o título de “A invasão hispânica”68, direcionado ao povo mexicano. Apesar do discurso xenofóbico

de Donald Trump (2019), não podemos dizer que ele é razão única e exclusiva pelos atos de massacre e racismo nos Estados Unidos, na verdade ele é um sintoma de uma estrutura cultural nos termos de Alexander e Smith (2003) que atravessa a sociedade norte-americana e que fez com que ele fosse eleito presidente em 2016 com um discurso populista com conotações fascistas, afinal os discursos de Donald Trump (2019) são construídos com base no que a população deseja ouvir.