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BLACK METAL E IDEOLOGIA

2.1 Significações do Black Metal

O black metal, além de possuir elementos musicais, temáticos e estéticos que o definem como um subgênero do heavy metal, possui outro ingrediente que também o diferencia seus praticantes dos demais apreciadores do metal: a ideologia. Musicalmente, não existe uma fórmula, uma definição técnica para o black metal, pois na maioria das vezes seus músicos dizem que sua arte é muito mais uma sublimação de seus sentimentos do que uma técnica musical. Por isso, existe uma miríade de diferentes estilos de black metal, o que o torna um estilo sui generis. Porém, existem alguns elementos musicais que muitas vezes se repetem nas diversas sonoridades, como a atmosfera sombria e o tremulo picking e o blast beats. Quanto a estética, o estilo é marcado pelo uso do corpsepaint, roupas pretas, coturnos, o uso de símbolos satânicos ou pagãos, cintos de balas de fuzil, muitas vezes combinados com uma estética

65 medieval ou vampiresca. As temáticas variam e envolvem satanismo, caos, anticristianismo, armagedom, espiritualidade, guerra e paganismo, dentre outros.

Figura 04: Emperor old times

Fonte: deathmetal.org

Campoy (2010) entende o Black Metal como um culto ou uma atitude ideológica que, para seus apreciadores, é, além de um estilo musical, um estilo de vida calcado em um agregado de condutas e valores que se referem além da cena underground, portanto uma “radicalização da luta empreendida nesse espaço” por representar não apenas um estilo do metal extremo, mas sim um estilo de vida ou uma “filosofia de vida extrema”. Como vimos anteriormente, essa radicalização também acabou por agregar aspectos conservadores e totalitários que resultaram em outra linhagem, o NSBM.

A música é o cerne do Black Metal, elemento pelo qual ele se define e se realiza, porém ao abordarmos a música sob o prisma da antropologia e das ciências sociais,

66 buscamos fundamentar a música não apenas pelo seu aspecto sonoro, mas também por suas praticas afetivas, discursivas e de significado que produzem visões de mundo, e para tanto devemos perceber os elementos presentes na música de forma oculta e os que vão além dela (CAMPOY, 2010). O Black Metal pode ser entendido como uma prática urbana, com dinâmicas próprias organizadas em torno da composição, audição, distribuição e apresentação desse estilo musical, que enquanto prática urbana elabora uma interpretação do mal por meio da música e de uma representação do mal através dos shows (CAMPOY, 2010).

O Black Metal se diferencia dos outros gêneros do metal extremo não só por sua sonoridade e pelo visual carregado, mas também por ser um estilo que se pauta em questões ideológicas cujo cerne é a guerra contra o que os apreciadores do subgênero chamam de sociedade judaico-cristã (CAMPOY, 2010). Neste contexto, o ódio e a blasfêmia são elementos amplamente usados nessa guerra que se fôssemos levar até as últimas conseqüências terminaríamos com o extermínio da espécie humana, pois o mal, em contraste a ideia de bem, presente no Black Metal, é o mal absoluto e as músicas são um culto a morte (CAMPOY, 2010). A respeito do extermínio da espécie humana, encontramos em uma entrevista do baterista Anti-Human Terrorist, da banda brasileira catarinense Goatpenis, ao Dark Gates zine a explicação das ideias da banda contidas no álbum ‘Inhumanization’, lançado em 2004:

Até poucos anos atrás, ainda falávamos dessa lorota patética de satanismo. Ainda usávamos aquelas pinturas caricatas com preto e branco no rosto. Lentamente o cérebro consegue perceber que nada é útil, tudo tem um fim e não há solução para nada, então [...] a idéia do álbum é de que o melhor para a raça humana é que ela desapareça e deixe pelo menos o mundo inorgânico em paz. Não vejo melhora para esta desgraça evolutiva e simiesca, apenas a degradação de si mesmo. O processo de “inhumanização” já está bem na nossa cara, a natureza já está começando a agir contra os predadores humanóides, espero que mais e mais catástrofes venham e a natureza faça o seu papel: reciclar a vida em cinzas. (ANTI-HUMAN TERRORIST, 2004, in: CAMPOY, 2008, pág. 18)

Vemos que a desumanização surge como elemento central do disco ‘Inhumanization’, cuja ideia consiste no extermínio total da espécie humana como uma solução para o planeta. O baterista também adota um discurso darwinista social em que a evolução do ser humano está fadada a desgraça, não havendo esperanças de melhora para nossa sociedade. Portanto, cabe ao mundo através de catástrofes naturais e os próprios seres humanos extinguirem-se a si mesmos. Trata-se de um discurso extremista, carregado de ódio contra a espécie humana, que segundo o baterista Anti-

67 Human Terrorist (Terrorista Anti-Humano) é uma espécie fracassada, condenada a autodestruição.

Segundo Esther Clinton (apud OLSON, 2008), o Black Metal é uma das representações mais violentas, dramáticas e obscuras da cultura internacional e contemporânea, uma expressão cultural que rompe com os outros estilos mais tradicionais do Heavy Metal. Apesar de ter se proliferado em diversos países assumindo características dos vários locais em que se manifesta, de acordo com Clinton (apud OLSON, 2008), o Black Metal manteve três características básicas que o tornam um estilo diferenciado e significativo: 1) O Black Metal é caracterizado por um conflito entre individualismo radical e identidade de grupo, numa tentativa de aceitar as duas polaridades simultaneamente; 2) O Black Metal é centrado em uma visão extravagantemente romântica da natureza e um passado idealizado, sendo ambos os conceitos bastante entrelaçados; 3) O Black Metal celebra o irracional e o primitivo como uma crítica ao racionalismo e secularismo modernos.

As características citadas acima ficam bastante expressas na fala do nosso entrevistado, que demos o nome de Willian, e que nos recebeu em sua casa, ao falar da sua visão acerca do que é o Black Metal:

Eu gosto muito de temáticas, de filmes e livros que me trazem esse sentimento de épocas passadas, ancestrais, que os guerreiros lutavam por um ideal e por um código de honra. O black metal também me traz esse sentimento de ancestralidade, de honra [...] black metal pra mim é a liberdade do indivíduo e a guerra contra os dogmas de um mundo hipócrita e doente.

O conflito entre individualidade e identidade de grupo é um dos maiores desafios do Black Metal (OLSON, 2008), pois existe a vivência de uma similaridade estética baseada na ordem. Encontramos dentro do estilo elementos retóricos que remetem à importância do individualismo, da liberdade e da moralidade subjetiva. De acordo com Olson (2008), grande parte dessa retórica é emprestada da Church of Satan, uma organização religiosa dedicada ao culto do satanismo, surgida nos Estados Unidos nos anos 1960, também de algumas das idéias de Friederich Nietzsche e um discurso darwinista social (OLSON, 2008). Segundo Olson (2008), essa crença na hiperindividualidade e na subjetividade é manifestada por atividades cênicas que envolvem composição, gravação, distribuição, audição, shows, fanzines e outras atividades. O Black Metal constantemente questiona esse paradoxo, porém tentando conciliar sua ênfase no individualismo com os prazeres e coesões grupais – como

68 audição de músicas, shows, do uso de álcool e drogas, sexo, comunhões espirituais e com a natureza – um paradoxo que parece nunca poder ser devidamente resolvido entre seus praticantes. Mas eles tentam fazê-lo através da experiência mística de comunhão com a natureza, o satanismo e seus antepassados (OLSON, 2008).

O estilo visual do Black Metal tem seus precedentes nos estilos anteriores a ele, mas as formas anteriores foram redefinidas e exageradas dramaticamente (OLSON, 2008). O couro preto e tachas de metal usadas por muitos segmentos da comunidade do metal foram transformados em grandes manoplas com espetos pontiagudas pelas hordas do Black Metal norueguês, arquétipos de guerra como cintos de bala, populares no metal tradicional, eram trocados ou embelezadas com armaduras e armas medievais; no lugar das tatuagens, cicatrizes de auto-mutilação são freqüentemente exibidas por membros da cena Black Metal. A pintura facial usada pelo Kiss, inspirada na pintura facial de Halloween, foi transformada no corpsepaint, e longas capas negras eram (e ainda são) frequentemente usadas, dando aos praticantes um aspecto maligno (OLSON, 2008).

É importante ressaltar que o Black Metal não é estático e monolítico, pois incorpora miríades de formas dependendo da localidade, cena e subgênero. No entanto, é importante ressaltar que musicalmente e ideologicamente, o Black Metal deve ser entendido como um quadro cultural / artístico que só faz sentido em relação a suas várias partes (OLSON, 2008), pois dentro do próprio Black Metal existe uma diversidade de subgêneros que não param de surgir na medida em que seus músicos vão incorporando novos elementos às suas músicas, letras e visuais. Dentre os vários subgêneros do black etal podemos citar o raw black metal (black metal cru), satanic black metal (black metal satânico), simphonic black metal (black metal sinfônico), pagan black metal (black metal pagão), viking black metal, orthodox black metal (black metal ortodoxo) – um dos últimos subgêneros na vanguarda da cena Black Metal atual - e o national socialist black metal (black metal nacional socialista).