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CAPÍTULO 4 - AS DIVERSAS FACES DAS COLINAS DA REGIÃO NORTE

4.2 Lágrimas Vertidas

Por muitos anos os moradores da região mais próxima à Serra da Cantareira queixaram-se do distanciamento do Cemitério de Santana, conhecido “Chora Menino”, para sepultarem seus mortos. Inaugurado em 1897, este cemitério foi o único local de sepultamentos que servia aos sitiantes da área Norte da cidade até a abertura do cemitério do Tremembé, em 1933.

A área escolhida para implantação do cemitério era estratégica e ligava-se às teorias do século XIX sobre a construção dos cemitérios públicos nas cidades brasileiras.

Em São Paulo, o código de posturas de 1856 regulamentou a construção de cemitérios públicos e proibia o costume de sepultamento dentro das igrejas. A partir deste ano, houve necessidade de abertura de cemitérios de acordo com as normas vigentes e os discursos médicos, indicando que os novos espaços para enterro deveriam ser distantes da área da cidade, com o intuito de preservar a saúde dos vivos ao distanciá-los da morada dos mortos (CYMBALISTA, 2002, p.65)

O primeiro cemitério público e secular no município de São Paulo foi o da Consolação, aberto em 1858 e que, até então, localizava-se fora da área da cidade. Anos mais tarde foi a vez de Santana receber o cemitério que serviria à população da região.

Tratando-se de um arrabalde e próximo à Serra da Cantareira, foi escolhido o bairro do Chora Menino para sua construção, no Alto de Santana, local salubre, afastado do aglomerado que conformava a mancha urbana mais consolidada de São Paulo. Devemos lembrar que nessa região estava localizado o núcleo colonial de Santana, sendo um dos seus terrenos indicado para abertura de um cemitério, provavelmente o cemitério de Santana.

No entanto, a dificuldade de se chegar ao local, especialmente pela falta de transporte que facilitasse o acesso de frequentadores e dos próprios cortejos fúnebres, levou munícipes a redigirem um requerimento à esfera municipal em 1919, solicitando

“o prolongamento da linha de bondes de Sant’Anna até a porta do cemitério local,

passando pelo Chora Menino”.115 É importante apontar que desde os primórdios da construção do Tramway da Cantareira havia uma parada no bairro e que em 1917 foi aberta a estação Chora Menino (posteriormente denominada Santa Teresinha). Ainda assim, a solicitação do prolongamento da linha de bondes demonstra o quão dificultoso era a locomoção pelas colinas do Alto de Santana.

A solicitação, encaminhada à “Light and Power”, teve o seguinte parecer:

Exmo Snr. Dr. Washington Luís Pereira de Souza, M. D, Prefeito Municipal de São Paulo

Em referência ao ofício n.369, do Snr. Engenheiro-Chefe da 1ª Seção da Diretoria de Obras Municipais, datado de 2 do corrente mês, tenho a honra de declarar a V. Excelência que esta Companhia, reportando-se aos termos de seu ofício n. 3169, de 22 de fevereiro de 1918, sente que, devido à falta absoluta do material necessário, se veja obrigada a adiar os estudos sobre o prolongamento da linha de Sant’Anna até a porta do Cemitério. Logo que lhe seja possível considerar tal prolongamento, terá ela o prazer de voltar à presença de V.

Excelência para tratar do assunto.116

A resposta, assinada pelo superintendente da The São Paulo Tramway Light and Power em 6 de maio de 1919, com a intenção de estudar o prolongamento dos trilhos até o portão do cemitério não se concretizou. Até sua desativação, na década de 1960, a linha de bonde da Light and Power percorria a Voluntários da Pátria em paralelo ao Tramway da Cantareira, alcançando apenas um trecho da rua Conselheiro Moreira de Barros, distante do cemitério público, insatisfazendo a população local.

Talvez por este motivo, em 4 de outubro de 1919, os moradores do bairro Guapira solicitaram à Câmara Municipal que o bairro fosse servido por um novo cemitério, que atenderia também aos sitiantes de Vila Mazzei e Vila Galvão.117 Diante deste pedido, o Superintendente de Higiene Municipal solicitou ao cemitério de Santana uma análise sobre o número de sepultados vindos dos referidos bairros durante o ano de 1919, com o objetivo de analisar a demanda local por um novo cemitério.

Segundo Belizário de Camargo, administrador do Cemitério de Santana, no total foram realizados 41 sepultamentos, sendo de Vila Mazzei dois, de Guapira 39 e nenhum

115 Câmara Municipal de São Paulo. Ofício número 0035, de 27 de maio de 1919.

116 Ibidem

117 Arquivo Histórico Municipal. Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Diretoria de Obras e Viação, série Obras Públicas. 1919, processo nº 1569C.

período, o que levou à não autorização de construção de um novo cemitério na região de Guapira, devido ao baixo índice de sepultados vindos daquela região para o cemitério de Santana.118

Somente em 1929 a Prefeitura Municipal iniciou os trâmites de compra de terrenos particulares no Tremembé para a construção de um novo cemitério público. A região escolhida era estratégica, uma vez que era próxima aos mesmos bairros que outrora solicitaram sua construção.

Os moradores do Guapira apresentaram no mesmo período um outro requerimento119, indicado em sessão da Câmara pelo vereador Marrey Junior, com reclamação dos moradores sobre o fechamento de um caminho, denominado “caminho da cachoeira” (não se refere à estrada), que ligava o bairro até a estação Tucuruvi do Tramway da Cantareira. Dentre os requerentes, assinaram proprietários, moradores e industriais. Segundo o documento

esse caminho servia há mais de 10 anos de via de comunicação entre os dois bairros, sendo absolutamente indispensável para o transporte de materiais e produtos das olarias do Guapira para Tucuruvi e Santana. Por um abuso desqualificável esse caminho foi fechado, justamente no ponto mais necessário por se achar nas propriedades da estação Tucuruvi, ficando os suplicantes obrigados, para se dirigir ao povoado e à estação, a dar uma volta enorme que prolonga o percurso e o torna extremamente penoso (AHM, 1919, processo nº22456).

118 Ibidem

119 Arquivo Histórico Municipal. Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Diretoria de Obras e Viação,

série Obras Públicas. 1919, processo nº22456.

Figura 85 – Assinatura dos requerentes do Guapira que pediram reabertura do caminho que ligava o bairro à estação do Tucuruvi do Tramway da Cantareira, em 1919. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Diretoria de Obras e Viação, série Obras Públicas. 1919, processo nº22456.

Os suplicantes pediam para que a municipalidade intervisse nessa questão para que o proprietário do terreno, Guilherme Harding, não o fechasse. Devemos ressaltar, conforme o capítulo 2, que Harding foi o responsável pela abertura da estação Tucuruvi, em sua propriedade, e um dos prováveis engenheiros ingleses que participou do projeto de construção do Tramway da Cantareira, mantendo próximo à estação sua residência, um palacete conhecido como Palacete Anglo Parque.

cerca e construiu um valo que cortava o caminho, “tirando assim a saída direta que eles possuíam.”. Para o Diretor da 4ª seção, o caminho deveria ser classificado como vicinal, uma vez que, pelo número de assinaturas do abaixo-assinado – com 50 assinaturas, era grande o fluxo de pessoas que utilizavam o caminho. O processo não apresenta conclusão, nem foi possível localizá-lo no banco de dados da biblioteca da Câmara Municipal ou de jornais, contudo, demonstra que o espaço em questão começava a apresentar problemas no sentido de grandes proprietários cercarem áreas provavelmente para futuros loteamentos na região ou uma forma de impedir que transeuntes atravessassem seus terrenos, embora o caminho já fosse utilizado há anos.

Os documentos apresentados evidenciam demandas da população rural e as tensões estabelecidas com os poderes públicos, do mesmo modo que expõem aspectos referentes aos moradores e suas formas de organização em busca de melhorias locais. As dificuldades nestas solicitações esbarravam em questões de ordem técnica, dentre elas, a necessidade de precisão dos imóveis na área rural que, como vimos, poderia ser dificultoso, e de interesses públicos, atendendo ou não às solicitações populacionais, sendo mais comum o atendimento a pedidos simples, como alinhamentos de terrenos, do que pedidos de maior complexidade, como transportes e iluminação.

4.3 O rural versus o suburbano: disparidades de investimentos públicos ao redor do