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LÉVINAS – ―A presença do outro é uma ordem irrecusável‖

No documento silvaniamineiraribeirosottani (páginas 76-85)

Emmanuel Lévinas38 tem a sua trajetória marcada pela tentativa de superar a ontologia como filosofia primeira, característica do pensamento moderno ocidental. Para o

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Emmanuel Lévinas (1906 – 1995) nasceu em Kaunas, na Lituânia. É filho de um casal judeu. Ainda na infância, migrou para Ucrânia, onde vive, aos onze anos, a Revolução Russa de 1917. Posteriormente emigra da Ucrânia para a França, país onde se radica. Em 1930 publica sua tese de doutoramento ―Teoria da Intuição na Fenomenologia de Husserl‖. Em 1939, nos horrores da segunda guerra mundial, foi tolhido pelo nacional- socialismo e passou cinco anos de prisão nos campos de concentração nazistas na Alemanha. De regresso à França, torna-se um regular conferencista do Collège Philosophique e começa uma intensa atividade nos meios intelectuais judeus, chegando a tornar-se diretor da Escola Israelita Oriental de Paris por dezoito anos. Em 1964, torna-se professor de Filosofia na Universidade de Poitiers e em 1967, da Universidade Nanterre. Em 1973,

filósofo, é a Ética que dá sentido às coisas a partir dos encontros face-a-face entre os homens. As constatações de que a compreensão da metafísica, que emergiu com os pré-socráticos e se efetivou no desenvolvimento histórico do pensamento ocidental, teve como preocupação fundamental constituir um saber sobre o ser, levam Lévinas a procurar, nas suas reflexões, afirmar a possibilidade da ética como metafísica da alteridade. Comentadores como Susin (1992), Souza (1999) e Torres (1998) afirmam que Lévinas é, entre os filósofos fenomenólogos, aquele que mais acentuou, na sua produção, a relação com o Outro e o conceito de responsabilidade daí decorrente.

Ao sofrer diretamente com as conseqüências oriundas da Segunda Grande Guerra, Lévinas passou a buscar a compreensão capaz de possibilitar uma resposta ao ódio humano existente na guerra. Para o pensador, o problema fundamental encontrava-se em uma maneira distorcida de entendimento da situação humana, o que levou, assim, ao genocídio da época. A grande pergunta para Lévinas corresponde à indagação sobre o que tem sentido para o ser, realizando, para tal fim, uma re-interpretação do pensamento filosófico ocidental que não fora, segundo ele, capaz de explicar a origem de tal sentido, pois não evitou o mal da guerra. Suas críticas a essa corrente aparecem com ênfase em Totalidade e Infinito (1965), obra que o projetou no cenário mundial, em que afirma:

A Filosofia ocidental foi, na maioria das vezes, uma ontologia: uma redução do

Outro ao Mesmo, pela intervenção de um termo médio e neutro que assegura a

inteligência do ser [...] A Filosofia é uma Egologia. [...] A ontologia como filosofia primeira é uma filosofia do Poder. Desemboca no Estado e na não-violência da totalidade, sem se presumir contra a violência de que vive essa não-violência e que se manifesta na tirania do Estado. A verdade, que deveria reconciliar as pessoas, existe aqui anonimamente. A universalidade apresenta- se como impessoal e há nisto uma inumanidade. [...] A filosofia do poder, a ontologia, como Filosofia Primeira que não põe em questão o MESMO, é uma filosofia da injustiça (LÉVINAS, 1961: 31-34) (grifos da autora).

Enquanto para Heidegger, como visto, a filosofia se esquecera do ser, tratando- o como um ente, para Lévinas, ela se esquecera do outro, e é justamente na relação do eu com

assume também o magistério docente na Sorbonne. Posteriormente foi professor convidado das universidades de Lovaina e Leiden, das quais recebeu o título de Doctor Honoris Causa em Filosofia e Teologia. Foi também professor convidado da Universidade Utrecht e da Universidade Hebraica de Jerusalém.

o outro, na intersubjetividade, que o ser ganha sentido na filosofia levinassiana. Sobre Totalidade e Infinito, afirma:

O estabelecimento do primado da ética, isto é, da relação de homem a homem - significação, ensino, justiça - primado de uma estrutura irredutível na qual se apóiam todas as outras (e, em particular, todos os que, de uma maneira original, estético ou ontológico), é um dos objetivos da presente obra (1961: 65).

Em confronto com Heidegger, conforme citado ao final da seção 1.1.2, para Lévinas o homem não é meramente ―o pastor do ser‖, nem alguém que deva descobrir o sentido do ser numa análise da tradição histórica. O homem é mais propriamente alguém cujo sentido só pode ser encontrado na sua relação com o outro. Crê o filósofo, portanto, que a crítica heideggeriana à metafísica, que a acusa ter esquecido de considerar o ser como a questão mais fundamental e enuncia que a possibilidade do pensar ético só é viável à medida que se torna o agir na procura da verdade do ser (que garantiria ao homem, na sua existência, realizar sua essência), resulta na configuração de uma ontologia.

Se para Heidegger o ser é o modo de existência dos entes, Dasein, a verdade de Dasein, deve-se à iluminação interior, essa familiaridade pré-predicativa pela qual estados da alma, sentimentos como a angústia, por exemplo, adquirem forma e tornam-se problemas filosóficos, na medida em que possibilitam a compreensão da

finitude do ser em si mesmo. [...] Heidegger marca o apogeu da tradição filosófica

ocidental, e sua ontologia, submetendo a relação com o outro à relação com o neutro, expressa a ilusão de uma liberdade heróica e sem culpa (TORRES, 1998: 19-20) (grifos da autora).

Esse modelo de pensamento não ignora a dimensão antropológica, mas, na busca pela síntese e pela objetividade, termina nivelando a interioridade subjetiva das pessoas, igualando e diluindo suas particularidades numa generalização neutra e abstrata. Para Lévinas, Heidegger coloca uma ênfase excessiva na relação pura com o ser, negligenciando a dimensão ética. O humano torna-se um ente entre outros entes, um ser anônimo, impessoal, apreendido pelo sujeito pensante e expresso num conceito. A dinâmica de relação com os outros transforma-se em conteúdo objetivo, sintetizado e representado num sentido puramente racional.

A ética, ao contrário, está no centro do pensamento e a filosofia levinassiana se afasta daquela tradição filosófica que tentou pensar a unidade do ser, buscando fixar seu pensamento na alteridade do Outro. As reflexões de Lévinas se dirigem para a defesa da subjetividade baseada na idéia de infinito, entendido como a abertura ao reconhecimento do outro, conforme Torres:

Lévinas afirma que a idéia de infinito excede, extrapola: infinito é desejo, movimento insaciável da alma, não por falta, mas por excesso. [...] Antes que condenação, a liberdade é investidura, reconhecimento da heteronomia, movimento infinito que se põe sempre em questão. Na situação face-a-face, inquirição à injustiça de minha liberdade, sei que nunca mais estarei só e sei que sou responsável pelo outro [...] relação entre liberdades, essa idéia de infinito abre a

socialidade humana, pois sua exterioridade oferece resistência a meu poder. O

outro é Autrui a quem me obrigo a responder. Dizer sim é humanizar-se: a comunicação é ética, portanto (1998: 20-21) (grifos da autora).

Nota-se, pois, que em vez da relação restrita entre ser e ente na determinação da essência heideggeriana do ser, Lévinas prioriza a busca do sentido do humano em que a

relação ética de alteridade torna-se o lugar originário da construção dos significados39. É nessa busca por sentido que Levinás constrói sua ética, pretendendo com ela uma explicação da realidade. Seu pensamento edifica-se, sobretudo, a partir de críticas à concepção de conhecimento da fenomenologia, principalmente em Husserl, onde a relação entre sujeito e objeto é intencionalidade, como visto, sendo o homem relação com alguma coisa, e, nesta relação, o homem não sai de si mesmo, permanecendo o mesmo (TORRES, 1998: cap. 1). Husserl, a partir da subjetividade transcendental, persiste no fato de o outro ser, na relação de conhecimento, visado inicialmente como uma coisa percebida, havendo, apenas em um segundo ato, concessão de animação a ele. Assim, Husserl se preocupa em incluir a alteridade na constituição do sentido da objetividade. Na sua tentativa de constituir o sentido do outro, emerge um nós constituinte cuja intencionalidade egológica e solitária transforma- se, num segundo momento, em intencionalidade intersubjetiva. Levinás busca, através de sua produção, insistir no fato de que o outro não pode ser considerado como objeto, mas apenas como Outro, (assim como proposto na seção anterior por Buber e a sua distinção entre

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O processo intersubjetivo de construção de significados constitui um dos pilares do interacionismo, pelas noções de interação e representação (SALGADO, 2006), centrais para essa escola. Essa centralidade será trabalhada em detalhes no próximo capítulo.

as relações Eu-Tu e Eu-Isso). Dessa forma, a relação de conhecimento, que reduz o outro ao mesmo, e mantém o Eu como o mesmo, não pode ser uma relação que se estabelece com o Outro. Lévinas estabelece que conhecer é exercer poder sobre o Outro, não havendo preocupação com algo de fundamental importância, a alteridade, já que, ao estabelecer uma relação de conhecimento com o Outro, buscamos defini-lo e, assim, tiramos dele sua singularidade, estabelecendo a totalidade, estrutura da realidade na qual tudo é o mesmo, o que representa um problema para as relações de intersubjetividade, estando tal estrutura ligada à dominação e poder – a guerra, por exemplo.

A verdadeira relação com o Outro não é estabelecida através da relação de conhecimento, como é possível observar, afinal tais relações não conseguem estabelecer-se levando em consideração a alteridade. Não é possível conhecer o Outro, o Outro é a transcendência, sendo necessário pensá-lo fora do Eu. A relação com Outro se dá, então, através do pensamento, que, diferentemente do conhecimento, não o reduz ao mesmo. ―a questão posta ao pensamento não se refere à natureza do ser, mas, saindo do ser, dirige-se antes à sensibilidade, indicando a separação, a descontinuidade e a proximidade com que se concretiza a diferença, subjetiva, em não-indiferença, socialidade‖ (TORRES, 1998: 4).

Nesse processo, Lévinas ressalta a importância do rosto como presença do outro. O conceito de rosto representa um modo de dizer mais concretamente o que é o outro, diferenciando-o dos objetos. Em Homem e Humanismo (1993), Levinás analisa como é através do rosto que o outro aparece ao Eu, sendo o olhar o que o define; ao encontrar o rosto e, assim, o olhar, o Eu vê e, também, é visto, passando a ter consciência de que há um outro e ele não está sozinho. Através desta relação, o outro, pelo olhar, transborda, exprimindo um sentido que significa por si, não sendo o Eu responsável por atribuir significado ao Outro, ou seja, na relação é necessário que Eu o escute para, assim, compreendê-lo (não conhecê-lo). Através da fala, da linguagem, do discurso, o rosto continuamente se expressa, constantemente renovando aquilo que já foi dito, representando uma atualização do

presente, onde há, através da relação com o Outro, a abertura do tempo.

Em Lévinas, a concretude do face-a-face, sem intermediação, é moi-toi cujo protótipo é a relação erótica, em que cada termo pode ser fecundo, sem absorver ou dissolver o outro, pois a diferença aqui não é apenas uma especificação de gênero, mas definição de posição e de-posição. Interpessoal e assimétrica, a relação erótica, segundo ele, abre a porta de Eros para a transcendência: de moi-toi a moi-atrui. Sou

sendo responsável pelo outro, dando-me conta do enigma dessa alteridade (TORRES, 1998: 5) (grifos da autora).

Quando conheço o Outro, não estou mais sozinho no mundo, não sendo mais possível relacionar-me com ele como se não houvesse o próximo; o Outro coloca em reflexão minha posse e minha solidão no mundo. É através da abertura deste sentido ético que se dá a humanidade do homem, não sendo algo, pois, indiferente à existência do outro. Ao ser estabelecida a relação de desejo, ao acolher o Outro, torno-me responsável por ele, sendo essa relação, aquilo que confere sentido ao ser. A ética em Lévinas é pensada, assim, através da relação entre Eu e Outro. A condição humana caracteriza-se pela capacidade dos homens, enquanto entes, de manterem uma relação intersubjetiva, à medida que são capazes de pensar a sua subjetividade estruturada como responsabilidade pela alteridade do Outro.

O encontro com o Outro, no entanto, não é um processo harmônico. Lévinas (1993) pensa o encontro como uma relação traumática na qual a presença desse outro impele, a partir do seu rosto, uma resposta – entendida como responsabilidade pelo outro.

O caráter ético do conceito levinassiano de rosto funda-se na compreensão de que seres humanos são vulneráveis uns aos outros, ao apelo do rosto do outro. A experiência de estar exposto a outrem implica já generosidade; o ser visitado por outro me traumatiza e me afeta, sendo impossível rescindir a responsabilidade por esse outro (GOMES E SILVA JR, 2007: 150)

Assim, a relação intersubjetiva pressupõe que o encontro com o outro implica reverência e a presença do outro é uma ordem irrecusável: "o rosto impõe-se a mim sem que eu possa permanecer surdo a seu apelo, ou esquecê-lo, quero dizer, sem que eu possa cessar de ser responsável por sua miséria. A consciência perde sua prioridade [...] a nudez do rosto é indigência e já súplica na retidão que me visa‖ (LÉVINAS, 1993: 30).

Nesse sentido, para Lévinas, a relação com o outro é traumática, pois é essencialmente um espaço intersubjetivo no qual alteridades são questionadas e se desestabilizam num movimento de não-incorporação, no qual o outro nunca é assimilável. É no encontro com o Outro, pois, que o eu é despertado da sua ―embriaguez‖ de si mesmo e se percebe numa condição de não-indiferença, levando-o a questionar a tradicional relação sujeito x objeto, que desaparece, pois, para dar lugar ao aspecto fundamental da noção da

presença do Outro, irredutível ao Eu. O Outro aparece como alguém que deve ser respeitado,

portanto, sentido algum para o Eu. Nota-se uma aproximação com as reflexões de Buber e Sartre, ora apresentadas. Em Buber, fica nítida a importância da aparência, especialmente face-a-face, para a constituição da relação e do diálogo e, em Sartre, é pela presença do

corpo que o Outro assume seu caráter espacializador e temporalizador, assim como pela

exposição do rosto, em Lévinas. Lévinas e Sartre aproximam-se, ainda, na definição do encontro com o Outro como uma relação traumática, uma vez que a defesa do primeiro se refere à ordem irrecusável que constitui a aparência do Outro e na responsabilidade daí decorrente, Sartre também enfatiza como a liberdade para escolha do projeto do Outro caracteriza a hostilidade da relação entre os homens, uma vez que o ―não-eu me interroga‖, conforme citado, e o projeto original do homem esbarra na liberdade que os outros também têm para fazer-se, possibilidade que envolve acaso, liberdade e angústia, como também na leitura de Lévinas.

Segundo esse autor, (LÉVINAS, 1993, 2005), a subjetividade humana constitui-se no encontro ético de acolhimento do outro como rosto, na sua absoluta estranheza, nesse sentido, a alteridade é constitutiva da subjetividade. A sociabilidade na relação face-a-face constitui uma chamada, um apelo irresistível, pois me obriga e exige de mim uma resposta. ―Lévinas mostra os fenômenos humanos dando-se ininterruptamente, no entre-nós da socialidade, em redes de significação das quais não basta interpretar o significado, sendo, antes, tarefa imposta à filosofia a busca do sentido que se encontra na sinceridade do dizer ético‖ (TORRES, 1998: 3). É importante ressaltar que essa constituição da subjetividade é, pois, um processo: a percepção do ―outro‖ é inesgotável, pois cada encontro coloca o eu diante de novos questionamentos.

Nesse sentido, a subjetividade e a sociabilidade possuem um caráter ético no encontro com o outro. A relação intersubjetiva tem um caráter "agonístico", o outro é indispensável para a produção do si mesmo pois, no encontro com um outro, na situação face-a-face, os sujeitos envolvidos incitam-se mutuamente possibilitando uma desestruturação que geram possíveis questionamentos e transformações de suas subjetividades (GOMES E SILVA JR, 2007: 150) (grifos

da autora).

Justamente por possibilitar questionamentos e transformações nas subjetividades, a intersubjetividade proposta por Lévinas é considerada traumática, já que entende a relação de alteridade como irrupção, uma vez que as experiências intersubjetivas

implicam modificações na subjetividade. ―Uma relação intersubjetiva para Lévinas implica, necessariamente, em um certo deslocamento, em uma certa cisão ou modificação na experiência subjetiva, seja em sua constituição primeira, seja em subjetividades já constituídas, mas em processos de reconstituição‖ (COELHO JR, FIGUEIREDO, 2004: 20). A possibilidade de que a relação com o Outro altere a subjetividade do indivíduo é uma das principais defesas do interacionismo, pela já citada noção de construção dinâmica das identidades, como será abordado no próximo capítulo. Nesse primeiro momento, é nítida a relação com a reflexão sartreana sobre a angústia causada no Eu pela liberdade de do Outro. É cara a ambos, pois, a defesa de que não há adaptabilidade perfeita entre o Eu e o Outro, já que a cada momento de emergência do Outro algo já não poderá ser simplesmente assimilável ao campo do já sabido e já disponível no Eu.

Assim, para Lévinas, as experiências de subjetivação não deveriam ser apenas processos em que se ―engorda‖ com os alimentos assimiláveis vindos do outro. Deveriam também e, principalmente, caracterizar-se como convivências e

transformações (e transformações requerem e implicam trabalho e, lembremos, em

italiano travaglio é dor) diante daquilo que a princípio tende-se a excluir. Aquilo que se ignora e se rejeita ou se rechaça é justamente o que difere de mim e poderia me fazer outro (COELHO JR e FIGUEIREDO, 2004: 21) (grifos da autora).

Uma experiência de subjetivação que seja só assimilar o semelhante acaba por tornar-se o permanente exercício da mesmice, da identidade como recusa à alteridade. A subjetivação que reconhece a alteridade, por outro lado, será sempre traumática, já que o contato com o outro passa pela inevitável não-adaptação plena e impossibilidade de adequação total. Assim, a alteridade é traumática porque produz fraturas e exige trabalho em processos permanentes de inadaptação entre o Eu e o Outro.

Conclui-se, pois, como as concepções levinassianas priorizam a busca do sentido do humano, onde se verifica a possibilidade da relação metafísica do Eu com o Outro, sem que o Outro reduza-se ao mesmo, nem o mesmo se absorva na identidade do Outro, mantendo, cada um, a condição de separação e a verdadeira relação de alteridade. O Outro não é, pois, apenas um ente que contribui para a formação do Eu, tal qual na relação sujeito x objeto proposta pelo pensamento ocidental focado no ser. O Outro é alguém que também se modifica pelo encontro com um Eu. Também é, pois, um Eu que vê aos demais como Outros.

Certamente, será preciso proceder-se a uma troca de óculos para poder-se enxergar a ―vergonha‖ de querer sempre poder sobre ―aquilo‖ que não se pode poder. O outro é para Lévinas esse ―aquilo‖, que a rigor não é ―aquilo‖ nem ―isto‖, é ALGUÉM. Alguém que, na sua condição de alteridade, se apresenta solicitando um entrar em relação, em pôr-se frente-a-frente, num verdadeiro face-a-face, sem que haja a possibilidade de assimilação ou introdução de um no outro respectivamente. Mas, de fato, a relação se efetive sem que seja quebrada a distância que os separa e sem que a separação impossibilite a relação. Quer dizer que aconteça a relação em radical respeito pela alteridade do outro (SOUZA, 1999: 52) (grifos do autor).

Assim como Buber e sua distinção entre Eu-Tu e Eu-Isso, Lévinas ressalta a importância, pois, de que o Outro seja alguém e não um mero objeto para a formação do sujeito. As aproximações entre Buber e Levinás, principalmente pelo destaque dado à importância da alteridade para a formação da subjetividade, são notáveis, conforme apontado. O pensamento de Lévinas vai além, ao incorporar, como também proposto por Sartre, o trauma e a hostilidade dessas relações, tema não abordado por Buber em profundidade. Assim como Sartre propõe a existência de hostilidade a cada nova aparição de um outro com seu projeto específico e as alterações que essa aparição causam no projeto original do sujeito, Lévinas reitera a existência de novos questionamentos sobre a subjetividade a cada novo Outro, já que a alteridade precede e é constitutiva da subjetividade. Além disso, a noção de corpo em Sartre e a noção de rosto em Lévinas, são próximas, pois ambas são dedicadas à caracterização da necessidade e da inevitabilidade da presentificação.

A ética proposta por Lévinas corrobora, pois, a visão de alguns dos demais autores trabalhados até o momento, já que a crítica ao Eu como unidade auto-constituída é recorrente, além de Buber, também em Hegel, Sartre e Mead, com menos ênfase por esse último. Além das questões em comum com os demais autores apresentados, duas outras questões propostas pelo pensamento de Lévinas merecem destaque, nesse momento, pela reverberação nos textos assumidamente interacionistas que irão compor o segundo capítulo dessa dissertação. Em primeiro lugar, a abordagem da intersubjetividade como processo de

irrupção, já que envolve alterações na subjetividade a cada novo encontro, complementando

a análise do entrelaçamento entre individualização e socialização proposto por Hegel com base em Fichte. O caminho percorrido por Lévinas também o aproxima de Hegel pela defesa da intersubjetividade para a construção da moral e dos valores compartilhados, o que possibilita que as aproximações entre os filósofos alcançem uma amplitude maior, além

No documento silvaniamineiraribeirosottani (páginas 76-85)