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portuguesa

A ARTE DA LINGUA DE ANGOLA APRESENTA a exemplificação em quimbundo, mas a descrição linguística está em português. Dois fatores levam aqui a presumir a razão para o emprego do português e não do latim na descrição.

Primeiramente, a Angola da Arte era domínio português, como era domínio português também o Brasil. A Companhia de Jesus foi um agente do Padroado Real Português, o que significa que, em última análise, o clero estava subordinado ao rei português que se tornava, desse modo, patrono da expansão católica na África, no Brasil e na Ásia (vide Costa, 2006: 44). A percepção dessa conjunção de Fé e Império no mundo ibérico parece ter alcançado o homem comum. No episódio dos Mártires de Nagasaki, por exemplo, em que 26 missionários cristãos foram crucificados a mando do daimyo Toyotomi Hideyoshi (1536?-1598), o elemento desencadeador da sentença fatal teria sido o depoimento do capitão do navio Santa Fé de que Portugal e Espanha primeiro enviavam “a

vencedora” (ver Barron & Maruyama,1993: 2).

No tocante à África11,

em 14 de Outubro de 1651, o missionário jesuíta, P. António do Couto, dava conta ao monarca lusitano da situação que se vivia em São Salvador, e salientava que alguns missionários, sobretudo os italianos e os espanhóis, tinham entendimento com a corte de Madrid, a cujo rei prestavam obediência. Pedia que mandasse missionários portugueses para o Congo e para Angola, de qualquer congregação, mas portugueses. Não se atrevia, dizia ele, a pedir que se preferissem os jesuítas, para que se não visse na insistência uma obsessão congregacionista, uma vez que ele pertencia à Companhia de Jesus. (Santos, 1998: 51)

Em segundo lugar, a missionação jesuítica em Angola e no Brasil estava subordinada à Assistência de Portugal. Azevedo (2004), por exemplo, ressalta o cabo de guerra entre jesuítas ligados à Assistência da Espanha12

11 Ver ainda a carta de Antônio do Couto ao rei D. João IV

de Portugal, datada de 28 de julho de 1649, em que trata de missionários não portugueses em Angola (Brásio, 1965: X, 366).

12 Em território americano a Assistência de

Espanha incluía as Províncias de Chile, México,

Novo Reino (América Meridional), Paraguai, Peru e Quito

e à Assistência de Portugal em território americano, porque os inacianos

[t]inham que se confrontar com os jesuítas espanhóis. Ainda que, da mesma Companhia, defendiam interesses diferentes. Os jesuítas lusos defendiam os interesses portugueses que se concentravam especialmente na conquista definitiva das terras ao norte do rio da Prata. Por sua vez os jesuítas espanhóis, liderando os índios missioneiros e apoiando os castelhanos, ajudavam a expulsar os portugueses das terras que consideravam como espanholas.

(Azevedo, 2004:12)

Nesse contexto, ganha contornos de uma defesa da nacionalidade a afirmação no

Catecismo Brasílico13 de que “Este Catecismo

como produzido pelos Portuguezes, he Portuguez na escritura; que pode admitir a penna Portugueza” (Araújo, 1686: s.n).

Terminada a União Ibérica (1580- 1640) e instituída a Propaganda Fide14, já era

13 Obra do jesuíta Pe. Antônio de Araújo (1566-1632),

revisada na edição de 1686 pelo Padre Bartolomeu de Leão (fl. séc. XVI).

14 A Sagrada Congregação para a Propagação da Fé (lat.

Sacra Congregatio de Propaganda Fide), fundada em 1622

pelo Papa Gregório XV (1554-1623), tinha por objetivo a expansão do Cristianismo para as áreas do Novo Mundo e o combate a heresias em regiões onde o Catolicismo já se

claro que o poder dos reis ibéricos na obra missionária não agradava de todo à Santa Sé:

A iniciativa da obra missionária no século anterior [século XVI – MCR] havia pertencido aos reis de Espanha e de Portugal e às grandes ordens religiosas, como a dos Jesuítas, Dominicanos e Franciscanos. Ficara assim sujeita ao poder régio dos monarcas ibéricos, que detinham o Padroado Real e por sua vez proporcionavam proteção aos missionários que seguiam viagem em suas embarcações, recebendo além disso algum auxílio financeiro. Ao mesmo tempo, entretanto, esse sistema impunha limites, de forma que a propagação da Fé Cristã inseria-se numa política colonial.

Se os Papas do Renascimento foram em sua maior parte indiferentes às missões ultramarinas, os seus sucessores seiscentistas não o foram. Estavam estes conscientes dos enormes privilégios concedidos aos monarcas ibéricos, alguns deles conflitantes com o poder papal, mas também se viam impossibilitados de agir na América, onde a ação do Padroado foi ampliada e exercida de fato. Entretanto, na

estabelecera. Com o Papa João Paulo II, a partir de 1988 passou a ser designada Congregação para a Evangelização

dos Povos (Musei Vaticani/Propaganda Fide

http://mv.vatican.va/3_EN/pages/x- Schede/METs/METs_Main_06.html )

Ásia e na África as posições portuguesas estavam fragilizadas depois de perdido o monopólio marítimo para os ingleses e holandeses, o que possibilitou ao Papado, a partir do século XVII, reduzir e restringir as pretensões do Padroado naqueles continentes

(Souza e Mello, 2007: 48)

As restrições do poder real promovidas pela Santa Sé não tiveram efeitos imediatos. Assim, em 20 de dezembro de 1667 o rei de Portugal concedia licença aos padres capuchinhos para missionarem em Angola ─ sob algumas condições:

Hey por bem de lhe conceder a licença que pede, com declaração, que não sejão os tais Religiosos vassallos delRey de Castella, e que venhão de Roma com Carta do Cardeal Protector em direitura a este Reino, para com beneplaçito meu se poderem então embarcar ao dito Reino de Angolla, onde se appresentarão ao Governador delle (In Brásio, 1982: XIII, 66)

A “penna Portugueza” parecia

constituir-se na tentativa de manter o poder português sobre os territórios africanos, como previra a bula pontifícia Romanus Pontifex, de 1455 (Gonçalves, s.d.) e os direitos previstos no breve Dudum pro parte, de 1516, “que conferia

Padroado em todas as igrejas de territórios sujeitos ao seu domínio” (Costa, 2006: 45). Nas

palavras de Francisco Xavier, em carta a D. João III datada de Coxim, 20 de janeiro de 1548, citada em Costa (2006: 46), era o rei D. João III “o

principal e verdadeiro protetor de toda a Companhia de Jesus, tanto por seu amor como por suas obras” .